Indústria alimentar é responsável por um terço das emissões globais de gases com efeito de estufa

A indústria alimentar é responsável por um terço das emissões mundiais de gases com efeito de estufa, bem como por 70% do consumo mundial de água doce e por 80% da desflorestação a nível global, segundo o estudo “Global Food Systems Are Under Pressure. Innovation Hubs Can Help”, realizado pela Boston Consulting Group (BCG) em parceria com o World Economic Forum.
“A transformação do sistema alimentar global exige soluções inovadoras para tornar a produção e o consumo mais sustentáveis e eficientes. O investimento em tecnologias como a agricultura regenerativa, a digitalização das cadeias de abastecimento e as proteínas alternativas pode acelerar a transformação do setor e responder às crescentes necessidades globais”, afirma Carlos Elavai, Managing Director e Partner da BCG em Lisboa.
“Ao combinar inovação tecnológica com políticas públicas eficazes e um maior envolvimento dos consumidores, podemos caminhar para a construção de um sistema alimentar mais resiliente, sustentável e acessível para todos.”
Até 2030, a produção global de alimentos terá de crescer significativamente para acompanhar o aumento da população mundial e as mudanças nos padrões de consumo.
No entanto, a capacidade de produção está a ser comprometida por problemas estruturais. Entre estes destaca-se o desgaste dos solos agrícolas, uma vez que 90% destes poderão ficar degradados até 2050, reduzindo a capacidade produtiva global em 10%. Além disso, a erosão e o uso intensivo da terra resultam na perda anual de 1% das terras aráveis, diminuindo progressivamente a área disponível para cultivo.
Embora a procura esteja a aumentar a um ritmo avançado, os sistemas alimentares não estão a conseguir responder às necessidades da população mundial. Desde 2016, a subnutrição tem vindo a aumentar em todo o mundo, sendo que atualmente uma em cada dez pessoas passam fome regularmente.
Paralelamente, um em cada oito pessoas são obesas, e muitas das que não passam fome nem são obesas continuam a sofrer de deficiências nutricionais, condição que afeta cerca de um quarto da população mundial. No entanto, cerca de um terço dos alimentos produzidos globalmente é desperdiçado ao longo da cadeia de abastecimento. Este paradoxo reflete não só as desigualdades no acesso à alimentação, mas também a necessidade de modelos produtivos mais sustentáveis e eficientes.
Soluções inovadoras permitem gerar impacto significativo
A inovação alimentar pode não só atenuar os desafios de sustentabilidade desta indústria, como ajudar a resolvê-los, diminuindo a sua pegada ambiental e garantindo maior eficiência no uso de recursos. Até 2050, por exemplo, a implementação de práticas agrícolas regenerativas pode armazenar 120 mil milhões de toneladas de CO2, três ou quatro vezes mais do que as emissões anuais a nível mundial.
Ademais, a irrigação inteligente pode reduzir a utilização de água até 50% em comparação com os sistemas de irrigação convencionais e, até 2035, a substituição das proteínas animais por alternativas à base de plantas pode reduzir mais de 100 mil milhões de toneladas de CO2 e poupar 39 mil milhões de metros cúbicos de água.
Apesar do seu potencial, a inovação alimentar não está a crescer ao mesmo ritmo que outras inovações climáticas, constituindo apenas 8% dos investimentos em tecnologia climática em 2023 – o que se traduz em 6 mil milhões de dólares num total de 71 mil milhões de dólares – face aos 22% que representava em 2020.
Além disso, as tecnologias de inovação alimentar recebem menos 40% de investimentos em fases avançadas do que as restantes associadas ao clima, o que limita a sua escalabilidade. Perante este cenário, a BCG identifica quatro barreiras que justificam a falta de financiamento em inovação alimentar:
- Custos elevados de produção, que dificultam a viabilidade comercial dos produtos inovadores.
- Ausência de um quadro regulatório favorável, que poderia acelerar a adoção de novas soluções.
- Resistência dos consumidores, que ainda demonstram relutância em pagar mais por opções sustentáveis.
- Infraestruturas inadequadas, que limitam a capacidade de produção e distribuição das novas tecnologias alimentares.
Aposta numa abordagem integrada entre setor público e privado, instituições financeiras e consumidores é a chave para a adoção em escala da inovação
Para superar os desafios, alcançar as metas ambientais globais e garantir sistemas alimentares mais resilientes e sustentáveis, a BCG sublinha a necessidade de uma abordagem integrada e multissetorial, onde todos os intervenientes da cadeia alimentar desempenham um papel fundamental na escalabilidade da inovação. O setor privado é crucial para criar e investir em soluções inovadoras, promovendo parcerias estratégicas para desenvolver modelos de negócio sustentáveis.
Os governos devem promover incentivos financeiros e regulatórios que facilitem a transição para um sistema alimentar mais sustentável, estimulando a inovação. As instituições financeiras, por sua vez, podem impulsionar a transformação através de investimentos de longo prazo e do apoio a polos de desenvolvimento tecnológico. Os agricultores podem adotar práticas sustentáveis, investir em tecnologia e participar ativamente na criação de soluções inovadoras em colaboração com a indústria.
Finalmente, os consumidores devem acelerar esta mudança ao impulsionar a procura por produtos sustentáveis e ao pressionar empresas e reguladores para uma maior adoção de práticas inovadoras e responsáveis.
O estudo destaca ainda o papel fundamental dos Food Innovation Hubs, uma iniciativa global do World Economic Forum que reúne empresas, governos e especialistas para desenvolver e escalar soluções inovadoras. Estes polos de inovação estão a ser implementados em várias regiões do mundo, como América do Sul, Ásia, Médio Oriente, Europa e África, com o objetivo de adaptar inovações alimentares sustentáveis às especificidades locais e fomentar a colaboração global.
O estudo está disponível na íntegra aqui.