José Pedro Salema, presidente da EDIA: “Cobrir os reservatórios de Alqueva para evitar a evaporação de água é a solução”



No dia mundial da Água, o presidente da EDIA – a Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva, revela como quer minimizar a evaporação de água nas barragens e reservatórios e como a gestão do regadio está a ser feita, evitando o desperdício de água.

Em entrevista exclusiva ao Green Savers, o presidente da EDIA, abordou vários temas – desde a recuperação de rios e ribeiras, onde já foram investidos €110 milhões, à dívida e sustentabilidade financeira da EDIA, aos investimentos na energia fotovoltaica e aos projectos para tornar as ilhas de Alqueva em pontos de utilização turística por excelência – e que, no decorrer dos próximos dias, serão publicados no Green Savers.

No dia mundial da Água é inevitável falar do desperdício, e esse tema ganha maior relevância quando assistimos à crescente falta de água em várias cidades do planeta, como está a acontecer em São Paulo, no Brasil. Que medidas a EDIA aplica para minorar as perdas de água em Alqueva?
Em primeiro lugar essa questão começa logo a ser acautelada na concepção do projecto e este tem a sorte de estar a ser feito agora, com tecnologia actual. Antes, quando imaginávamos soluções de regadio, pensávamos em canais. Eram canais que estavam sempre a correr e se, no fim, não havia consumo a água era desperdiçada. Isto ainda é o normal de todos os regadios portugueses, excepto em Alqueva em que todos os canais abertos acabam numa barragem ou reservatório, portanto a água não é desperdiçada.

Então não há qualquer desperdício? Só pelo efeito da evaporação?
Há o desperdício da evaporação. Esse ainda não conseguimos resolver, mas já estamos a pensar nisso.

Como se pode evitar a evaporação de água? Com coberturas?
Sim, aplicando coberturas. O sistema de Alqueva tem 69 barragens e reservatórios. As barragens são extensões muito grandes e talvez não fossem possíveis de cobrir, mas para os reservatórios já estamos a equacionar essa solução. Há coberturas móveis e telas flutuantes, mas hoje existem também outras soluções mais baratas de dispositivos flutuantes, a mais barata de todas são as bolas flutuantes.

Quantas bolas seriam precisas para cobrir um reservatório?
Seria ainda caro! Um reservatório típico dos nossos tem 2 hectares de área ou seja cinco campos de futebol juntos, se cobertos com bolas de 10 centímetros de diâmetro são muitos milhões de bolas. Estamos a estudar como utilizar estas soluções, mas temos que fazer sempre o balanço entre o custo e o benefício: quanto vamos perder em água, quanto custa em electricidade bombar a água para lá por no reservatório, quanto custa o investimento e em quantos anos é que se paga. A racionalidade económica não pode ser esquecida.

Este sistema flutuante já está a ser usado com sucesso? Onde?
Acho que o primeiro caso aconteceu foi nos Estados Unidos, num reservatório para a água potável, onde era usada uma componente para o tratamento da água e que reagiu à luz solar e a consequência foi um problema de saúde pública grave. Tiveram então de cobrir o reservatório rapidamente. Daí chegou-se a esta solução das bolinhas flutuantes. Também há outra solução hexagonal, que encaixa melhor e consegue uma cobertura de 100% da água. Ainda são utilizadas em reservatórios pequenos, e não na nossa escala, mas estas coisas têm sempre uma curva de evolução e um ciclo de vida e de preço. Nós temos de decidir o melhor o momento para adquirir.

A propósito de gestão eficaz da água: da Universidade de Berkeley chegou recentemente a Beja uma comitiva com o intuito de aprender boas práticas com a EDIA. O que motivou esta visita?
O professor de Berkeley que esteve cá, com a sua turma, é especialista em recuperação de rios e isso para nós é algo muito importante, a reabilitação das linhas de água. À volta das linhas de água criam-se galerias ripícolas que são muito ricas, com elevado valor biológico, onde os pássaros gostam de fazer ninhos porque há lá minhocas e por sua vez estas alimentam os sapos. São sistemas muito particulares, na fronteira da água com a terra e onde a vida floresce. Nós temos centenas de quilómetros de recuperação de linhas de água.

De que modo a recuperação de linhas de água se torna relevante para um projecto como o da EDIA?
Uma ribeira destruída pode ser uma ribeira cheia de canas em volta, em que entrou uma espécie invasora e que dominou a área. O que nós fazemos é arrasar essa espécie invasora, por o rio onde achamos ser mais natural e dar-lhe a forma que deveria ter, pondo lá as plantas que deveriam lá estar originalmente antes de terem sido mortas pela invasora. Isto é fundamental para a qualidade da água, se não tivermos um ambiente saudável, nesse interface, não vamos ter água de qualidade. A água cai do céu mas fabrica-se também, ou seja, tem de ser canalizada para os reservatórios e só se for bem filtrada é que vai ter qualidade.

Este é, portanto, um investimento contínuo?
Sim, sempre. É óbvio que a maior intervenção é quando fazemos a infra-estrutura, a fazer a rede de irrigação. É um investimento importante. Desde que começaram as obras de Alqueva já foram gastos €110 milhões em intervenções ambientais, a maior e mais famosa foi antes de a barragem ter enchido, ou seja foi a desmatação no final dos anos 90. E só por se ter feito essa desmatação cuidada é que a qualidade da água é boa. Se não se fizesse, a carga orgânica – ou seja a comida que ficaria ali para a bicharada – era grande e a bicharada proliferava. A desmatação foi bem conduzida e é um exemplo do que pode ser feito na construção de barragens.

Que outras práticas da Edia têm sido replicadas lá fora enquanto boas práticas de sustentabilidade? Uma das mais apreciadas tem que ver com o elevador de peixes da barragem.
O elevador de peixes é um ex-libris. Existem alguns rios onde existem escadas para peixes, por exemplo, no Mondego, para que as lampreias subam o rio. O drama que tínhamos ali é que escadas não dão, porque tem 40 metros de altura e, portanto, tem mesmo de ser um elevador. É um obstáculo muito grande. O elevador é um caso de sucesso que tem funcionado bem, agora está na época em que sobe uma vez por hora e de cada vez que sobe é filmado e fotografado e tudo é identificado. Nós sabemos que vão peixes em praticamente todas as subidas. E, tal como fizemos no ano passado, estamos a marcar peixes a jusante e montante, ou seja, apanhamos, pescamos e colocamos um chip na barriga, largamos e pomos umas bóias a montante para perceber se subiram e até onde é que vão e se vão para onde nós queremos, que é para o rio Ardila, o rio natural sem interrupções artificiais. Os resultados dessa monotorização são muito positivos. Sobem enguias, barbos, bogas e sobem todos os peixes que anda por ali pelo rio e querem subir a corrente para ir fazer o ciclo natural. São utentes regulares!

O elevador de peixes, que para muitas vozes críticas é um luxo, faz sentido para assegurar a sustentabilidade?
Faz todo o sentido. Porque a barragem é uma interrupção na função natural do rio e há espécies que têm de fazer o circuito de subida do rio para se reproduzirem, o circuito mais conhecido é o das enguias.

 TENHA EM CONTA

Os prémios da água

As boas práticas este ano são distinguidas pelo “Prémio GPA-EDIA: Boas Práticas em Alqueva”, que assinala os 20 anos de existência da EDIA, em parceria com o Green Project Awards. O prémio reconhece iniciativas que promovam o desenvolvimento sustentável na região de Alqueva, nos quais o recurso “água” seja o factor de desenvolvimento fundamental. As candidaturas serão avaliadas por um júri composto pelo Instituto Superior de Agronomia (ISA), Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo (ANPROMIS), BCSD, EDIA e do GPA. O prémio tem um valor monetário no valor de €2500. As inscrições fecham a 31 de Março. Saiba mais em www.boaspraticasemalqueva.com.

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