Lei do Restauro da Natureza: ONGs portuguesas criticam “falta de ambição” do Conselho da UE
Na semana passada, os ministros do Ambiente, reunidos em sessão do Conselho da União Europeia, aprovaram uma abordagem geral à proposta de Lei do Restauro da Natureza que tinha sido apresentada em junho de 2022 pela Comissão Europeia.
O objetivo da lei é recuperar até 2030 pelo menos 20% dos habitats regionais terrestres, marinhos, costeiros e de água doce que apresentem maus estados de conservação, com a implementação de uma série de metas e medidas rigorosas e vinculativas nos vários Estados-membros. Até ao final da década, pretende-se que, no mínimo, 30% do total conjunto desses habitats passem a estar em boas condições.
Apesar de assinalado como um passo importante para a concretização do Pacto Ecológico Europeu e para a implementação da estratégia comunitária para travar a perda de biodiversidade, o texto que saiu da reunião do Conselho da UE foi um visto como um ‘balde de água fria’ para a comunidade ambientalista.
Ouvidas pela ‘Green Savers’, várias organizações não-governamentais portuguesas acusam o Conselho da UE de falta de ambição e de ter enfraquecido os objetivos da proposta de lei para acomodar interesses políticos.
“O texto acordado no passado dia 20 de junho na Comissão de Ambiente é manifestamente menos ambicioso do que tinha sido proposto pela Comissão Europeia em 2022”, disse-nos a ANP|WWF. Apesar de reconhecerem “a necessidade de financiamento específico para o restauro da natureza”, os Estados-membros “acabaram por enfraquecer significativamente o nível de ambição da proposta”.
Para a Liga para a Protecção da Natureza (LPN), o texto que está agora em cima da mesa confere “uma maior flexibilidade de cada Estado Membro na implementação do regulamento e várias isenções que criam lacunas legais e enfraquecem os benefícios que a lei poderia trazer no terreno”.
Ainda assim, essa organização salientou que os governos da UE, entre eles Portugal, “deixaram uma forte mensagem aos grupos no Parlamento de que existe vontade e urgência em restaurar a Natureza na Europa”.
Já Joaquim Teodósio, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), contou-nos que a proposta “acabou por cair num jogo político e tem vindo a ser usada como arma eleitoral tendo em vista as próximas eleições europeias”, recordando que “isso levou a um claro confronto entre grupos políticos resultando em bloqueios diversos, centenas de propostas de alterações e mesmo uma proposta de completa rejeição da Lei que quase foi aprovada”.
“Um conjunto de cedências e compromisso que têm vindo a tirar força e capacidade a esta proposta essencial para a nossa sustentabilidade e mesmo sobrevivência”, salientou, apontando que essa lei é fundamental para Portugal, que “é já dos países mais afectados pela alterações climáticas e degradação da Natureza” e “um dos redutos de valores naturais a nível europeu que não podemos perder”.
As alterações que enfraqueceram a proposta
De entre as alterações que enfraquecem a proposta inicial feita pela Comissão Europeia, as ONGs portuguesas destacaram o alívio da obrigação de não-deterioração dos habitats, que passa a estar limitada a zonas integradas na rede europeia de áreas protegidas, a Natura 2000.
A introdução de exceções ao setor das energias renováveis no que toca à proteção dos habitats em que esses projetos são implementados é apontada como outra fragilidade da proposta legislativa agora em jogo, bem como a redução da exigência dos objetivos para a recuperação das turfeiras, habitats de grande importância climática devido à sua grande capacidade para sequestro de carbono, e das florestas.
Além disso, as organizações ambientalistas portuguesas destacaram também que as metas sobre os ecossistemas marinhos foram também enfraquecidas, podendo, em alguns desses habitats, adiar as ações de recuperação para 2050, uma década mais do que estava plasmado no texto inicial da Comissão Europeia.
Francisco Ferreira, presidente da Zero, considera “crucial e excelente a tomada de posição no Conselho Europeu de Ambiente, porque mesmo contra a presidência sueca a proposta continua de pé e força o parlamento a trabalhar no bom sentido”. Contudo, lamentou que o texto aprovado em Conselho da UE representa “um desastre em termos da natureza das metas e força da lei de restauro da natureza”.
De olhos postos na presidência espanhola do Conselho da UE
No próximo dia 1 de julho, Espanha assumirá a presidência rotativa do Conselho da União Europeia, e sobre ela recaem agora as esperanças de que possa ser posto um travão a alterações que enfraqueçam ainda mais o texto da Lei do Restauro da Natureza.
A proposta inicial “recebeu o apoio da indústria da energia eólica e da energia solar, de cientistas, da comunidade agrícola progressista, de caçadores europeus, de instituições financeiras, de autarcas europeus, de um número crescente de empresas e associações empresariais e de mais de 800 000 cidadãos”, recordou-nos a LPN, salientando que todos pediam uma lei “ambiciosa”.
Para a ANP|WWF, a presidência espanhola deverá “concentrar-se no reforço do regulamento durante as negociações com o Parlamento Europeu, na sequência das recentes exigências dos cidadãos, cientistas e organizações da sociedade civil, bem como de um vasto leque de empresas”.
E lembrou que existe ainda um outro obstáculo significativo a ultrapassar: a “grande pressão” exercida no Parlamento Europeu por parte dos eurodeputados do Partido Popular Europeu, que se opõem à sua adoção.
“Temos sempre a esperança de que a ambição ainda possa ser recuperada, considerando a importância fulcral desta lei para combater as crises climática e de perda da biodiversidade, mas sabemos que as chances são mínimas”, observou a organização.
Amanhã, dia 27, será apreciado e votado na comissão de Ambiente do Parlamento Europeu o relatório preliminar sobre o texto aprovado pelo Conselho da UE. Se for aprovado por maioria, seguirá para votação em plenário.
Caso contrário, será a proposta inicial da Comissão Europeia a ir a plenário, sendo esperadas “muitas alterações (de compromisso) a serem novamente apresentadas (incluindo para rejeição)”, explicou-nos Joaquim Teodósio, da SPEA, que assegurou que, de qualquer das formas, o desfecho será considerado “uma vitória e concentrar-nos-emos totalmente na votação final em plenário, em Estrasburgo”, que deverá acontecer no início de julho.
Desta forma, caberá à presidência espanhola do Conselho da UE “defender um resultado ambicioso para a Lei de Restauro da Natureza, construindo a partir da posição agora adotada e evitando um maior enfraquecimento” nas negociações entre o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão, disse a LPN.