Mais de um terço (do que resta) da Amazónia está a ser degradado por causa das atividades humanas



Que a Amazónia, um dos locais mais biologicamente diversos do mundo, está a ser destruída pela ação humana, não deve já ser surpresa para ninguém. No entanto, o que causa alguma perplexidade e que deve ser motivo de grande preocupação é a real dimensão dessa degradação.

Um artigo publicado hoje, dia 27, na revista ‘Science’, revela que, contrariamente a estudos anteriores, perto de 38% do que resta da floresta tropical da Amazónia “sofre com algum tipo de degradação”, algo que provoca “tanto ou mais emissões de carbono” que a desflorestação, afirma, em comunicado, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), uma organização científica não-governamental que participou nesta investigação, que envolveu 35 cientistas e especialistas do Brasil e do Reino Unido.

A conclusão deriva da análise de dados recolhidos por satélite e de observações no terreno feitas entre 2001 e 2018, e que mostram que a degradação – que definem como sendo “mudanças transitórias ou de longo prazo nas condições da floresta causadas por humanos”, especialmente ao nível do solo – da Amazónia é muito maior do que se pensava.

Como principais fatores da degradação, os cientistas apontam os incêndios florestais, o ‘efeito de borda’, em que as áreas desflorestadas afetam a área circundante, a extração seletiva (como a desflorestação ilegal) e os fenómenos de seca extrema.

“Apesar da incerteza sobre o efeito total desses distúrbios, está claro que o efeito total pode ser tão importante como o efeito de desmatamento para emissões de carbono e a perda de biodiversidade”, explica Jos Barlow, investigador da Universidade de Lancaster e um dos autores do artigo.

As consequências da degradação da Amazónia não se limitam aos efeitos que têm sobre a regulação climática, nem às perdas de biodiversidade que disso resultam. A equipa considera que essa deterioração tem também “impactos socioeconómicos significativos”, com David Lapola, da Universidade de Campinas e outro dos investigadores envolvidos neste trabalho, a alertar que “a degradação favorece poucos, mas leva fardos a muitos”.

O especialista assinala que a destruição da Amazónia gere lucro para um grupo muito reduzido de pessoas, mas que os seus impactos negativos chegam a muitos mais, especialmente àqueles, como os grupos indígenas, mas não só, que dependem da floresta, da diversidade biológica e dos serviços prestados pelos ecossistemas para a sua subsistência, para a sua saúde e para a sua qualidade de vida.

Além disso, não se pode descurar as consequências desastrosas que a degradação lança sobre a cultura de muitos povos nativos que habitam na Amazónia, que deixam de reconhecer as terras dos seus antecessores nas quais estão profundamente enraizadas as suas entidades e mundivisões.

Os investigadores estimam que esses quatro fatores de degradação (os incêndios florestais, o ‘efeito de borda’, a extração seletiva e a seca extrema) continuarão, até 2050, a ser “as principais fontes” de emissão de dióxido de carbono para a atmosfera, mesmo que a desflorestação termine de um dia para o outro.

“Apesar de parecer óbvio, mesmo em um cenário otimista, quando não existe mais desmatamento, a degradação continua sendo fator de emissão de carbono, principalmente pelas mudanças climáticas”, avisa Lapola, que acredita que o combate à desflorestação será fundamental para que se possa prestar mais atenção a outros fatores que estão a ameaçar a Amazónia.

É por isso que a equipa defende a implementação de um sistema de monitorização da degradação da floresta amazónica, que complementará os esforços de erradicação e prevenção das atividades ilegais.

Esse sistema transformaria a Amazónia numa ‘smart forest’, que, muito à semelhança das ‘smart cities’ que nos são já familiares, usaria, por exemplo, sensores para avaliar o estado de degradação da floresta.

Essa aposta na tecnologia é essencial, pois, como diz Lapola, “ações e políticas públicas e privadas para coibir desmatamento não necessariamente vão resolver degradação também”, e, por isso, “é preciso apostar em estratégias inovadoras”.





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