Maria Antónia Torres: “Crescimento com diversidade de género”



“A PWC PORTUGAL LANÇOU EM MARÇO um estudo sobre o posicionamento das mulheres Portuguesas no mercado do trabalho que concluiu que, apesar dos progressos relevantes ocorridos nas últimas décadas, em Portugal e no Mundo, é justo dizer “Not There Yet”, usando o mote de uma campanha da noceilings.org.

Ao lado do tema da presença (ou melhor, da ausência) das mulheres na liderança das organizações em geral surgiu no nosso ‘estudo de caso’ uma visão de uma outra realidade também ela nossa, feminina e portuguesa. Mulheres cujo contexto familiar e circundante não potencia o seu desenvolvimento académico e, consequentemente, profissional. Mulheres que não identificam sequer as discriminações de que são alvo como tal. Mulheres a quem a sua realização pessoal pouco diz, porque concentradas na satisfação das suas necessidades básicas e do seu agregado.

Esta realidade a duas velocidades que o estudo retrata é visível, ainda, com maiores variações em todo o mundo. Como disse Hillary Clinton no discurso que fez em 1995 nas Nações Unidas “Women rights are Human rights”. E muitos desses direitos básicos não se encontram assegurados para uma grande maioria das mulheres em todo o mundo: a igualdade em dignidade e em direitos, a protecção contra a discriminação, o direito à propriedade, o acesso às funções públicas, condições equitativas de trabalho que permitam uma existência digna e segura. E podíamos continuar a elencar a Declaração Universal dos direitos do Homem. Se em Portugal é justo dizer que o enquadramento jurídico é já profundamente igualitário, não acompanhado muitas vezes pela mentalidade vigente, numa grande parte do mundo nem o ordenamento jurídico, nem os costumes garantem os direitos básicos das mulheres.

A defesa dos direitos humanos deve ser auto-explicativa, não devendo necessitar de qualquer tipo de argumentação no sentido da sua justificação. Mas, de todo este enquadramento, surge um tema que me parece merecedor de reflexão – a relação da diversidade de género, com a subjacente protecção dos direitos da mulher, e um desenvolvimento económico sustentado.

Tradicionalmente ligava-se o crescimento económico de um país apenas ao crescimento do seu rendimento real per capita ao longo do tempo. Nos anos 70 começa, porém, a surgir uma visão diferente sobre o desenvolvimento económico, decorrente de uma linha de pensamento mais abrangente. O desenvolvimento não pode ser visto apenas com base no rendimento real per capita, mas também olhando para indicadores de níveis de vida considerados seguros e adequados. No fundo é dizer que a satisfação das necessidades humanas básicas – comida, água, abrigo, ar, combustível, condições de saúde e emprego (Global Tomorrow Coalition – 1985) – é essencial a um crescimento económico sustentável. O crescimento económico não pode ser visto separadamente do desenvolvimento total da sociedade, já que a sua sustentabilidade depende da interacção das mudanças económicas com as necessárias transformações sociais, culturais, ambientais, etc.

E onde se encaixa aqui a diversidade de género? É simultaneamente um objectivo do desenvolvimento e um acelerador do mesmo.

O facto de uma parte significativa da população mundial (as mulheres) não ter a sua independência económica, limita a sua participação social, a sua capacidade de tomar decisões e a sua contribuição familiar e para a comunidade. De acordo com o The Full Participation Report, a participação das mulheres no mercado de trabalho, na mesma percentagem que os homens, em muitos dos países da Africa Subsariana levaria a um crescimento do seu PIB na ordem dos 30%.

Mas nos Estados Unidos teria também um impacto positivo de 5%! De igual forma, vários estudos comprovam os impactos positivos na economia, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento, que teria um maior e mais suportado envolvimento das mulheres na Agricultura, para o que se torna essencial a protecção do seu direito à propriedade, quer por aquisição, quer por herança, direito esse que lhes é negado ainda em muitos países, formalmente ou através dos costumes sociais.

Crescimento sustentado

Mas o crescimento económico sustentado, como vimos, não se baseia apenas no crescimento do PIB. Vários estudos demonstram que o rendimento controlado por mulheres contribui mais para o agregado familiar (inclusivamente alargado) do que o rendimento controlado por homens. As mulheres utilizam sobretudo o seu rendimento em áreas com impacto em termos de nutrição, saúde e educação do seu agregado. Os homens mais em despesas pessoais. Num estudo sobre as fontes de rendimento e suas utilizações no Ruanda (Income sources and Income uses of the malnourished poor in Northwest Rwanda – J. Von Braun and G Wiegand-Jahn) concluiu-se que embora os rendimentos das mulheres fossem dez vezes inferiores aos dos homens não havia agregados encabeçados por mulheres com crianças severamente mal nutridas.

Se pensarmos no papel reprodutor, de cuidador e de educador das mulheres, no facto de encabeçarem a maioria das famílias monoparentais, de assumirem maioritariamente em situações de recessão económica o fardo do ajustamento necessário a fazer pela família, facilmente se conclui que a aposta na defesa de uma posição igualitária das mulheres na sociedade, na sua educação, no seu envolvimento no mercado do trabalho e a consequente melhoria das suas condições económicas terá necessariamente um impacto positivo no crescimento económico sustentado das comunidades e dos países. Uma grávida saudável potencia a saúde das gerações futuras. Uma mãe educada, educa melhor os seus filhos. Uma mulher com maior capacidade económica cuida melhor da nutrição, da saúde e da educação do seu agregado familiar, inclusivamente do agregado mais alargado. Not There Yet, mas o caminho é seguramente este.

Maria Antónia Torres é Partner e Diversity Leader da PwC Portugal





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