Milene Matos: “Os portugueses identificam mais facilmente altos valores de conservação localizados fora de Portugal”



Milene Matos apercebeu-se da relevância que a região centro de Portugal apresenta em termos de conservação durante o seu doutoramento. Mas a investigadora do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro não considera que os portugueses reconheçam devidamente a importância do seu território, “identificando mais facilmente altos valores de conservação localizados fora de Portugal”. Foi por isso que a bióloga decidiu investir na divulgação e conservação da biodiversidade da Mata do Buçaco.

O trabalho desenvolvido por Milene Matos na Mata do Buçaco, ao abrigo do projecto “Biodiversidade para Todos”, valeu-lhe recentemente o Prémio Internacional Terre de Femmes, atribuído pela Fundação Yves Rocher a mulheres que contribuem para salvaguardar o mundo vegetal e para melhorar o meio ambiente, agindo simultaneamente para o bem-estar da sociedade.

O Green Savers falou com Milene Matos para perceber melhor a ligação da investigadora à Mata do Buçaco e o projecto “Biodiversidade para Todos”.

Como é que começou a sua ligação com a Mata do Buçaco?

No final da licenciatura fiz um projeto sobre aves, que acabou por ser publicado pelo Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro. Concluído esse projeto, os meus orientadores propuseram-me fazer estágio na Mata Nacional do Buçaco. À época, não existia Fundação Mata do Buçaco (FMB), a Mata era gerida pelos serviços florestais, e da sua fauna, pouco ou nada se sabia. Foi amor à primeira vista, e logo nesse ano acabei por caracterizar todos os vertebrados e não apenas as aves.

Há quanto tempo se dedica a este projecto?

A minha ligação com o Buçaco tem cerca de 12 anos. O desenvolvimento mais direto do projeto deu-se com o início das funções da FMB, há uns 5 anos.

Sinteticamente, no que consiste o “Biodiversidade para Todos” na Mata do Buçaco?

O projeto Biodiversidade para Todos é bastante complexo… Foi maturando ao longo do meu doutoramento. Já desde a licenciatura que me sentia motivada para comunicar ciência, em particular a importância da preservação dos valores naturais. Durante o doutoramento pude comprovar cientificamente a relevância que a região centro do país apresenta, em termos de conservação. No entanto, os portugueses não reconhecem essa importância ao seu território, identificando mais facilmente altos valores de conservação localizados fora de Portugal, ou mesmo da Europa, como a floresta amazónica, por exemplo. Assim, decidi enveredar por um pós-doutoramento em Comunicação de Ciência, de forma a contribuir para o fomento da cultura científica em Portugal, principalmente no âmbito da preservação e respeito dos valores naturais. Foi neste contexto que criei o serviço educativo da Mata do Buçaco. No entanto, o trabalho educativo na Mata foi evoluindo e ganhando outros contornos, nomeadamente na área social (reinserção de reclusos, combate ao isolamento de idosos, busca de rendimentos alternativos, etc), sendo agora objectivo replicar essas acções noutros locais, sempre com base na ciência e na educação. Portanto, o projeto Biodiversidade para Todos surge como uma ação de sustentabilidade plena: ambiental, social e económica. A biodiversidade é o elemento unificador: as pessoas, a natureza, bem-estar para todos. O projeto tenta capacitar o maior número de pessoas para esta realidade, e tentar despertar também nelas um espírito empreendedor e solidário – sempre as pessoas e a natureza. Formação–acção é o mote.

Considera que faltam projectos idênticos noutras matas do país?

Definitivamente, sim! Matas, áreas naturais, parques urbanos, enfim, qualquer espaço verde tem potencial para a educação, formação, rentabilização e acção social. Assim haja vontade das pessoas e das entidades competentes. Mas acima de tudo, das pessoas, que podem e devem, simplesmente, tomar a iniciativa e agir.

Como é receber o Prémio Internacional Terre de Femmes?

A Fundação Yves Rocher rege-se por valores com os quais me identifico em plano. Portanto, antes de qualquer coisa representa uma satisfação enorme, um grande orgulho e honra por ser considerada embaixadora desses valores. Fico naturalmente feliz por estes 12 anos de trabalho terem sido reconhecidos. Depois traz também o peso da acrescida responsabilidade, pois uma coisa é trabalhar “por nossa conta”, outra será trabalhar com um financiamento e com o apoio das milhares de pessoas que votaram. Vou continuar a dar o meu melhor, de forma a dignificar toda a confiança que me foi depositada.

O jornal online da UA dá conta que a Milene pretende reinvestir o prémio monetário da Fundação Yves Rocher no público. De forma está a pensar “devolver” o dinheiro à comunidade?

A minha ideia é estabelecer uma estratégia e parcerias que permitam multiplicar os efeitos do projecto, mas também o desdobramento do prémio monetário alcançado. E tudo isto leva algum tempo e raramente depende apenas de mim. Mas um dos meus primeiros objectivos é de facto ”devolver” o prémio do público à comunidade através de um fundo escolar que faculte oportunidades educativas a jovens carenciados, e através de acções de valorização ambiental que sirvam a todos, sempre com vista à sustentabilidade futura, ou seja, procjetos que perdurem e criem ainda mais oportunidades no futuro.

Quais vão ser os próximos objectivos do projecto?

Além do já mencionado fundo escolar, penso apoiar acções que estavam pensadas, mas pendentes, esperando alguma oportunidade financeira, como sejam, a adquisição de algum equipamento pedagógico, a construção do banco de sementes da Mata Nacional do Buçaco, o enriquecimento do arboreto, entre várias outras acções que irão requerer a participação do público. Mas gostaria de salientar que o projecto não se esgota na Mata do Buçaco, esta serve apenas como veículo, dado o seu carisma e simbolismo. No entanto, o projecto está aberto a outros locais e às comunidades que nele mostrarem interesse.





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