Milhares de galinhas morrem a caminho do matadouro no dia em que o Reino Unido chegou aos 40 graus



À medida que, de ano para ano, vários países registam novos recordes de temperaturas máximas, adensa-se a preocupação com o bem-estar dos animais destinados à alimentação humana, sobretudo durante o seu transporte.

Em julho de 2022, o Reino Unido atingiu, pela primeira vez desde que há registo, os 40 graus Celsius, e nesse mesmo dia perto de 10 mil galinhas que estavam a ser transportadas para um matadouro morreram pelo caminho devido ao calor extremo.

A informação é avançada pela organização não-governamental Carbon Brief, que informa ainda que uma dezena de porcos não terão chegado vivos ao destino nesse mesmo dia abrasador, tendo sido encontradas provas de “comportamentos canibais” entre esses animais.

Bruno Silva, especialista em nutrição suína da Universidade Federal de Minas Gerais, no Brasil, explicou à Carbon Brief que “quando um porco demostra comportamento canibal, é porque algo está errado, algo não está certo no seu ambiente”.

O professor afirma que, dentro dos camiões de transporte de animais vivos, o stress gerado pela viagem intensificado por altas temperaturas “pode provocar um comportamento mais violento”.

Entre junho e agosto do ano passado, mais de 18.500 galinhas terão morrido durante o transporte no Reino Unido por causa das altas temperaturas. Os especialistas consideram que se trata de um “aumento dramático” face às 325 mortes que se registaram durante o mesmo período de 2021.

Philip Thorton, investigador do Instituto Internacional para a Investigação sobre Gado, alerta que, a menos que sejam tomadas as necessárias medidas de adaptação a um quadro climático cada vez mais severo, as mortes de animais em transporte continuarão a acontecer e a aumentar.

“Mesmo que os gases com efeito de estufa sejam reduzidos no futuro, o que tem de acontecer de uma forma ou de outra, o aumento do stress gerado pelo calor continuará a ser um facto pelo menos nos próximos 20, 20, 40 anos”, salientou.

Embora haja também registo de mortes de animais em transporte por causa do frio, o calor continua a ser uma maior ameaça ao bem-estar desses seres destinados à alimentação humana.

O transporte de animais vivos na Europa

O debate em torno do bem-estar dos animais destinados à alimentação humana tem sido, no mínimo, difícil. Na União Europeia (UE), Estados-membros, Comissão e Parlamento têm dado claros sinais de divisão sobre o assunto.

Atualmente, o regulamento do transporte de animais vivos dentro da UE e para países terceiros está em processo de revisão, depois de em 2022 a Direção-Geral de Saúde e Segurança Alimentar, órgão do executivo europeu, ter concluído que essa legislação, que data de 2005, está desatualizada, alertando para várias situações de incumprimento por parte dos Estados-membros e para a falta de consenso sobre o conceito de ‘bem-estar’, fatores que têm colocado em risco o objetivo principal da legislação.

A organização Eurogroup for Animals é uma das vozes que pede uma proibição da prática fora das fronteiras europeias e regras mais apertadas para o devido acondicionamento dos animais na região.

No passado mês de janeiro, uma coligação de oito Estados-membros, liderada por Portugal, enviou ao Conselho da UE uma carta na qual expressa a sua oposição a uma eventual proibição do transporte de animais vivos, dentro e além-fronteiras europeias, argumentando que se trata de “uma atividade fundamental para os sistemas de produção animal na Europa e em todo o mundo, necessária para o bom funcionamento dos setores de produção animal”.

Apesar da posição desse conjunto de países, a Comissão Europeia parece disposta a pelo menos considerar uma reformulação do quadro legal do transporte de animais vivos na região.

Em resposta à nota da coligação, a comissária europeia da Saúde e Segurança Alimentar, Stella Kyriakides, recordou que a estratégia comunitária ‘Do Prado ao Prato’, que pretende reduzir os impactos ambientais do setor da produção alimentar e torná-lo mais sustentável, obriga a uma revisão da legislação do bem-estar animal, de forma a incluir o mais recente conhecimento científico.

“Se a ciência e a experiência dizem-nos que certas práticas no transporte são prejudiciais para o bem-estar dos animais, que podem também representar uma ameaça à saúde dos animais e, consequentemente, à saúde humana”, então é preciso mudar essas práticas, defendeu a comissária.

“Fazer nada é que não é uma opção”, assinalou, acrescentando que “é necessário mudar, porque o bem-estar animal é um elemento central de um sistema sustentável de produção alimentar”.





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