Mineração em mar profundo: O que é, quais os impactos e o que se diz sobre isso



A cimeira global da biodiversidade em Montreal terminou e as atenções do mundo focaram-se na aprovação do que é agora conhecido como o Acordo de Kunming-Montreal e que pretende, entre outras coisas, proteger 30% das áreas terrestres e marinhas e travar e reverter a perda de espécies até 2030.

Mas na COP15 foram adotadas outras decisões que, apesar de poderem ter passado despercebidas, não deixam de ser relevantes para o combate à crise da biodiversidade.

Uma delas prende-se com a mineração em mar profundo, uma atividade definida pela extração de depósitos minerais no leito marinho a profundidades superiores a 200 metros, uma área que cobre dois terços do leito marinho a nível global.

Explica a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) que a ciência aponta para que a exploração mineral no fundo do mar “pode prejudicar seriamente a biodiversidade e os ecossistemas marinhos”, mas que existe hoje pouco conhecimento sobre os impactos e sobre quais as melhores medidas de proteção a implementar.

“Apesar disso, existe um interesse crescente pelos depósitos minerais oceânicos”, diz a UICN, algo que em muito se deve à redução dos depósitos de minerais, como o níquel, o cobre, o alumínio ou o lítio, em terra. Além disso, a procura é cada vez maior porque muitos desses metais são usados para produzir smartphones, turbinas eólicas, painéis solares e baterias, peças apontadas fundamentais para a transição de economias dependentes de combustíveis fósseis para economias alicerçadas em energias consideradas ‘limpas’.

Num relatório de 2020, a WWF defende que os benefícios a curto-prazo que possam advir a mineração em mar profundo são “altamente incertos” e que não devem ser considerados como uma resposta adequada às “mudanças estruturais que precisamos” para descarbonizar as nossas sociedades.

Assim, a decisão adotada a COP15 sobre a mineração em mar profundo reconhece a necessidade de reforçar a cooperação para a “conservação e gestão sustentável da biodiversidade marinha e costeira”, que é também o título do documento, e destaca a importância da ciência e do “conhecimento tradicional de povos indígenas e de comunidades locais” para ser possível alcançar esse equilíbrio entre exploração, extração e recuperação.

No documento de cinco páginas, um dos pontos destaca-se, pois refere-se à mineração em mar profundo, uma atividade que, perturbando o leito oceânico, representa uma ameaça ao normal funcionamento dos ecossistemas e a toda a vida que habita essas regiões mais escuras dos oceanos, encontradas abaixo dos 200 metros da superfície.

Fonte do Gabinete do Ministro do Ambiente e da Ação Climática confirmou à ‘Green Savers’ que a decisão foi aprovada esta semana, tal com o ICNF tinha indicado na semana passada, através de um comunicado.

De acordo com a redação final do texto, os Estados-parte da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica e outros governos são instados a avaliar “suficientemente” os impactos que a exploração mineira terá sobre o ambiente e vida marinhos antes de se dar início a essa atividade.

Diz o ICNF que “a redação final da decisão impõe a necessidade de aumentar o conhecimento científico quer em termos de biodiversidade, quer em termos de impactes da atividade nesta, assim como desenvolver regulamentação que garanta inequivocamente a proteção dos valores naturais como condição prévia ao desenvolvimento das atividades de mineração em mar profundo”.

Esta decisão “integra uma posição clara relativa à mineração em mar profundo, subscrita por todos os países da União Europeia e que mereceu também o apoio de Portugal”, salienta a agência florestal.

As organizações ambientalistas consideram como positivo o reconhecimento de que é preciso primeiro avaliar devidamente as potenciais consequências da mineração sobre os ecossistemas pelágicos antes de se arrancar com qualquer exploração. Mas, ainda assim, algumas vozes dizem que o texto, na redação aprovada, não estabelece uma proteção efetiva dessas regiões oceânicas e que os negociadores deviam ter ido mais longe.

Marta Leandro, da associação Quercus, contou-nos que a decisão adotada é “pouco ambiciosa” e que “abre caminho a uma exploração e sobre-exploração” do fundo marinho, e que a salvaguarda desses ecossistemas só será possível com a implementação de uma moratória global à mineração em mar profundo, especialmente em águas internacionais, onde a sua aplicação seria mais fácil, pois não colidiria com a soberania de nenhum Estado.

A defesa de uma moratória é também partilhada pela ANP|WWF, que alerta que “o conhecimento científico atualmente disponível aponta que ainda há um nível muito grande de incertezas e desconhecimento sobre o impacto que estas atividades terão nas espécies, nos ecossistemas e também na vida das pessoas que dependem dos ambientes marinhos para viver, como pescadores, etc.”.

Por isso, não é possível, para já, “estabelecer medidas seguras que garantam a redução do impacto das atividades de mineração em mar profundo de forma a evitar os danos negativos e irreversíveis”, diz a organização.

Ana Matias, coordenadora de Pescas e Aquacultura da Sciaena, lamenta que a decisão adotada na COP15 sobre a mineração em mar profundo não tenha sido tão forte quando poderia ser, e destaca a posição “pouco clara” que tem sido mantida por Portugal sobre o tema até agora.

Recordando que várias organizações ambientalistas enviaram duas cartas abertas ao Governo sobre o tema – uma em março de 2021 e outra já em maio deste ano – às quais não tiveram qualquer resposta, Ana Matias diz que Portugal, com uma das maiores áreas marinhas da Europa, “devia assumir um lugar dianteiro” na proteção dos oceanos, sobretudo quando, este verão, foi anfitrião, com o Quénia, da Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, durante a qual o Primeiro-ministro António Costa reconheceu que os oceanos são “património comum da humanidade” e que “com a mesma ambição com que procurámos chegar à Lua ou a Marte, é tempo de descer à Terra, o planeta que é azul, porque é o planeta dos Oceanos, o nosso planeta”.

Detalha a ANP|WWF que “a Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa totaliza 1.727.408 km2, a maior parte dos quais são águas profundas e constituem uma parte significativa da ZEE europeia” e que, por essa razão, “proteger o fundo marinho português significa proteger uma parte significativa da zona marítima europeia”.

“Recentemente, investigadores portugueses concluíram que a exploração mineira em alto mar no mar dos Açores produziria plumas sedimentares que poderiam cobrir uma área de até 150 km2 e estender-se verticalmente até 1000 m na coluna de água, com grandes sobreposições geográficas entre as plumas e a pesca existente, trazendo danos incontornáveis”, avisa a organização ambientalista.

No entanto, por ocasião do último Dia Nacional do Mar, o Secretário de Estado do Mar, José Maria Costa, reafirmou que Portugal tem feito “progressos e demonstrado que estamos no caminho certo” no que toca à proteção dos oceanos.

Recordando a Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030, assinalou que o Governo tem como uma das suas prioridades “inverter a tendência de degradação do oceano, ou seja, combater as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e a manutenção da integridade dos ecossistemas marinhos”, e, ao mesmo tempo, “melhorar a nossa capacidade de transformar conhecimento científico em economia azul sustentável, que fomente o bem-estar das populações e o emprego”.

Para minimizar a procura por minerais e o potencial destrutivo da mineração em mar profundo, e a devastação dos habitats marinhos e da vida que deles depende, Marta Leandro, da Quercus, diz que tem de haver uma maior aposta na redução, na reciclagem e na reutilização desses materiais, apontando, por exemplo, que atualmente a maioria dos equipamentos elétricos e eletrónicos acabam por ser depositados em aterros, sem qualquer valorização.

Jorge Palmeirim, presidente da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), sublinha que “fenómenos como a exploração de recursos marinhos são globais” e tal exige a aplicação dos princípios “de gestão de risco e avaliação de impacto no mundo natural” emanados da COP15, ao passo que Francisco Ferreira, responsável da Zero, frisa a importância de “garantir que não há subsídios que promovam a destruição da biodiversidade”.

Agora que o Acordo de Kunming-Montreal foi aprovado e que se celebra o começo de uma nova era na relação entre as sociedades humanas e a natureza, duas faces de uma mesma ‘moeda ecológica’, resta saber se será possível harmonizar os objetivos de desenvolvimento económico com a urgência de proteger os ecossistemas e a diversidade de espécies que definem o nosso planeta e cuja sobrevivência está em risco.





Notícias relacionadas



Comentários
Loading...