“Miniflorestas” e hortas ecológicas: Escolas põem as mãos na terra em nome do planeta
Incontáveis são já as vezes que ouvimos dizer que o futuro pertence aos jovens e que, como ‘herdeiros’ da Terra, são eles a geração mais bem preparada e mais motivada para salvar o planeta dos colapsos climático e ecológico, duas faces de uma mesma moeda.
Se as greves climáticas estudantis e as manifestações que juntam centenas de pré-adolescentes e adolescentes nas ruas das cidades são prova de que esses futuros adultos e líderes em potência estão dispostos a insurgir-se contra a inação, e até mesmo resistência, dos mais velhos que hoje comandam o mundo, a forma como quatro escolas na área metropolitana da Lisboa se estão mobilizar para salvar o planeta é mais uma prova de que, com esforço e vontade, é possível que pequenas ações tenham grandes impactos.
Tudo começou em fevereiro de 2020, quando 14 organizações não-governamentais para o Desenvolvimento (ONGD) de 12 países da Europa se juntaram para criar o projeto ‘1Planet4All’, para catalisar novas formas de mobilizar as várias populações mais jovens para o combate às alterações climáticas. Em Portugal, a implementação ficou a cargo da Vida, uma ONGD que se especializa na capacitação de comunidades na Guiné-Bissau e em Moçambique, por exemplo, para fazerem frente às consequências mais devastadoras da crise climática, atuando também nas áreas da educação, da saúde, da agricultura e da habitação.
Por cá, a iniciativa, financiada pela União Europeia e pelo Instituto Camões, além da coordenação da Vida, contou com parceiros como a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, de investigadores em alterações climáticas da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, através do projeto 2adapt, e também da Associação de Professores de Geografia.
Foi nesse quadro que quatro escolas da área metropolitana de Lisboa tornaram-se palco do ‘1Planet4All’: a Escola Secundária Rainha Dona Amélia, a Escola Secundária Marquês de Pombal, a Escola Secundária Alfredo dos Reis Silveira e o Instituto dos Pupilos do Exército. Durante quase três anos, mais de 200 alunos e 12 professores, de várias áreas disciplinares, juntaram forças na ação ‘Plantar a Mudança’, para converter espaços abandonados, degradados ou sem qualquer uso nas suas escolas em verdadeiros núcleos de biodiversidade e de práticas agrícolas sustentáveis.
O objetivo era “envolver toda a comunidade escolar na criação e dinamização de um pequeno projeto local que seja promotor da ação climática e da biodiversidade urbana, e que sejam espaço comum de aprendizagem” contou a Vida à ‘Green Savers’, assinalando que a iniciativa permitiu também promover a união entre os alunos e entre eles e a natureza.
“Valores como a cooperação, o compromisso, a ligação, a entreajuda, o respeito, a biodiversidade são inerentes a esta atividade”, explicou a organização, “valores que acreditamos ser fundamentais para uma maior ligação e empatia com os problemas sociais e ambientais à nossa volta, consequência da exploração desenfreada dos ecossistemas”.
Esta quarta-feira, as turmas e os seus professores reuniram-se no campus de Campolide da Universidade Nova de Lisboa para partilharem os seus testemunhos, darem a conhecer os resultados das suas ações e, acima de tudo, para mostrarem que, quando se quer, é possível mudar o mundo e que todos podemos fazer a diferença, por muito pequena que possa parecer.
Da ação, surgiram duas miniflorestas (na E.S. Alfredo dos Reis Silveira e no Instituto dos Pupilos do Exército), nas quais foram plantadas 689 árvores autóctones, e duas hortas ecológicas (na E.S. Marquês de Pombal e E.S. Rainha Dona Amélia) adubadas com 16 toneladas de composto proveniente das entidades de gestão de resíduos urbanos.
Das intervenções das quatro escolas, uma mensagem pareceu ser comum a todas: seja criando hortas ecológicas ou pequenas florestas num espaço no qual passam a maior parte das suas vidas, os alunos desenvolveram um forte sentido de ligação à terra e ao poder que ela tem para criar novas formas de vida.
Além de tornarem as escolas mais verdes e de todos os benefícios que essas áreas fornecem, como a polinização natural, a redução da temperatura ambiente e a capacidade que têm para ajudar a reduzir o stress da vida diária, os pequenos jardins são um legado que os alunos do secundário de agora deixam aos seus sucessores, criando uma cadeia de promoção da biodiversidade e de conservação da natureza que passará a ser parte indelével da própria escola.
Os professores que estiveram lado a lado com os seus alunos na criação destes espaços dedicados à natureza nas suas escolas contaram-nos que a atividade não só despertou ou reforçou um sentimento de proteção face ao meio ambiente e à diversidade de formas de vida, mas também se revelou fundamental para melhorar o seu desempenho escolar e aumentar a sua autonomia e motivação.
A professora Lurdes Santos, da E.S. Alfredo dos Reis Silveira, salientou que foi possível observar “um sentido de cooperação muito grande” e que os alunos “sentiram que estavam a fazer alguma coisa para o bem comum”.
“Foi um projeto que os entusiasmou desde o início, porque sentiram que não era mais um daqueles projetos em que estavam dentro da sala de aula, a fazerem mais um trabalho”, sublinhou.
Por seu lado, Miguel Gonçalves, professor no Instituto dos Pupilos do Exército, destacou que a iniciativa foi também importante para mostrar aos alunos “que as suas ações têm consequências” e que “as coisas exigem esforço e trabalho em equipa”.
E os reflexos não se limitaram aos estudantes. “Como professor, a vantagem de sair da sala de aula é ficarmos a conhecer melhor os nossos alunos”, disse, acrescentando que o objetivo é transformar a minifloresta em forma de ‘Q’ criada pelos alunos “numa sala de aula”, e reconhecendo que “o desafio é manter e fazer crescer”.
Já Rosa Monteiro, professora da E.S. Rainha Dona Amélia, destacou que sair das salas e literalmente pôr as mãos na terra “foi muito importante”, porque não só permitiu abordar temas relacionados com a agricultura biológica e o desenvolvimento sustentável, como estimulou a participação e a motivação dos alunos.
“Em contacto com a natureza, num espaço de aula diferente daquele a que estavam habituados, os alunos encontraram-se a eles próprios e uma nova forma de estar na escola”, apontou, referindo que foi visível uma melhoria dos resultados dos estudantes. E sublinhou o papel que os espaços renaturalizados das escolas podem desempenhar no reforço da resiliência das cidades.
Da E.S. Marquês de Pombal, as professoras Inês Filipe e Olívia Carreiro ressaltaram que o contacto com a natureza como um elemento fundamental da promoção do autoconhecimento e da saúde mental dos alunos.
A pequena horta ecológica criada nessa escola chega mesmo a ser um “refúgio” onde dos estudantes podem relaxar e abstrair-se da ansiedade da vida diária, potenciando a sua atenção e a sua concentração durante as aulas.
“E também dão mais de si, estão mais envolvidos”, disse Inês Filipe, aos que Olívia Carreiro acrescenta que, ao trabalharem na horta, os jovens desenvolveram capacidades que de outro modo poderiam não ter adquirido, como a cooperação e a tolerância.
Para as duas professoras, as temáticas da natureza deveriam ser “obrigatórias” e “fazer parte da educação”, pois ajudam os alunos a serem “mais sensíveis para as questões da sustentabilidade, da reciclagem, do consumo, do ambiente”.
Ana Margarida Vaz, responsável de comunicação da Vida, acredita que só trabalhando em conjunto é possível “olharmos para os outros e para o planeta de forma mais empática e mais cooperativa, em vez de competitiva”.
O ‘1Planet4All’ foi também além destas atividades nas escolas, tendo impulsionado a criação da FCULresta, uma pequena área florestada na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e ações de formação para capacitar professores para que possam dar continuidade aos espaços criados.
“É muito importante que as pessoas continuem envolvidas”, salientou Ana Margarida Vaz, explicando que, visto que alguns dos alunos que participaram, por serem do secundário, deixarão a escola em breve, “alguns professores estão já a envolver turmas dos oitavo e nono anos”, que serão os herdeiros desses espaços verdes criados.
Disse-nos ainda que o objetivo é dar continuidade ao projeto, cujo financiamento chega agora ao fim, “pois as mudanças não acontecem em três anos” e porque a pandemia de COVID-19 impediu o projeto de fazer ações presenciais durante vários meses.
Se uma nova candidatura foi aprovada, “poderemos continuar o trabalho de apoio a estas quatro escolas”, adiantou.