MUBi: uso da bicicleta avaliado em 500 mil milhões de euros em benefícios socioeconómicos
A luta pela descarbonização da sociedade – isto é, por garantirmos que deixamos de emitir CO2, um gás com efeito de estufa – tem de ser feita em várias frentes. E se é verdade que os veículos elétricos são uma arma importante nesta caminhada, também é verdade que existem formas muito mais eficientes de nos deslocarmos e com uma pegada ecológica muito inferior: a bicicleta.
As cidades portuguesas têm dado alguns passos – uns mais tímidos, outros mais decididos – na direção de se tornarem mais amigas dos ciclistas, mas a verdade é que ainda há um longo caminho a percorrer. O planeamento urbano ainda dá primazia ao automóvel e como consequência temos cidades congestionadas, com todos os problemas que daqui advêm – de saúde, tempo desperdiçado e poluição atmosférica.
A MUBi (Associação Pela Mobilidade Urbana Em Bicicleta) é uma associação que se dedica a promover e a divulgar a bicicleta como uma opção de mobilidade. Estivemos à conversa com António Carvalho e Miguel Baptista, ambos membros da direção da MUBi sobre esta opção de mobilidade.
Os portugueses ainda olham para os ciclistas como o inimigo?
Isso nunca aconteceu, antes pelo contrário, os portugueses já começaram a perceber que os utilizadores de bicicleta são antes de mais aliados no processo de reconquista da cidade para as pessoas. A bicicleta ocupa menos espaço, polui menos, dinamiza o comércio local e mantém bons níveis de saúde pública ao promover mais atividade física. Na UE, os benefícios socioeconómicos do uso da bicicleta estão avaliados em mais de 500 mil milhões de euros por ano, dos quais mais de um terço correspondem a poupanças nos serviços nacionais de saúde. Por estas razões, a bicicleta é algo que os portugueses começam cada vez mais a abraçar no seu dia a dia.
Os benefícios socioeconómicos do uso da bicicleta estão avaliados em mais de 500 mil milhões de euros por ano
De que forma podemos convencer as pessoas a recorrer mais à bicicleta?
Uma pessoa que não usa bicicleta habitualmente na cidade só o passará a fazer se se sentir segura. Para isso é preciso criar e adaptar infraestrutura. Não têm de ser necessariamente ciclovias. A acalmia de tráfego nas zonas urbanas, recorrendo a medidas físicas que impeçam efetivamente os automóveis de circularem demasiado depressa é bastante importante. Estamos a falar de passadeiras sobreelevadas ou redução da largura das vias de trânsito, por exemplo. Um exemplo flagrante é o da Av. da República, em Lisboa. Antes da CML ter criado infraestrutura ciclável, era muito raro ver uma bicicleta. Hoje, passam diariamente por lá milhares.
E o Governo? Precisa de ser convencido sobre as vantagens da bicicleta? Como?
O Primeiro Ministro e outros membros do Governo já por diversas vezes referiram nos seus discursos as vantagens da bicicleta nas suas várias vertentes. Há, no entanto, uma diferença entre saber quais as vantagens e, por outro lado, implementar medidas efetivas para que a utilização da bicicleta como meio de transporte se torne uma realidade para uma fatia significativa da população. Algumas medidas já estão implementadas, outras anunciadas, quer localmente, quer a nível nacional. O recente anúncio do investimento de 300 milhões de euros em redes cicláveis intermunicipais é um passo importante. Mas se formos a ver, isto é para estar finalizado em 2030. Só daqui a 12 anos, portanto. Parece-nos demasiado tempo para uma mudança que urge acontecer.
A bicicleta já começa a ser mais falada quando se discutem as questões de mobilidade nas cidades?
Sim, em Portugal tem-se falado muito sobre a bicicleta. Contudo, e apesar da sua crescente utilização, passar destas palavras a atos consequentes tem sido muito difícil para os decisores políticos portugueses. O automóvel particular continua a estar no topo da pirâmide da hierarquia da prioridade da mobilidade na maioria das localidades portuguesas, relegando a bicicleta e o modo pedonal para o fundo da mesma, quando as boas práticas indicam precisamente o contrário.
O automóvel particular continua a estar no topo da pirâmide da hierarquia da prioridade da mobilidade na maioria das localidades portuguesas
A União Europeia pondera acabar com o IVA nas bicicletas, mas as elétricas correm o risco de ficar de fora, por serem equiparadas a veículos. Como podemos alterar isto?
Para sermos corretos, a União Europeia pondera permitir aos Estados Membros a decisão de isentar as bicicletas de IVA. Mas não apenas as bicicletas. Também os automóveis com motor elétrico. Por diversas razões, seria um erro grave e uma discriminação inaceitável a bicicleta com assistência elétrica ficar de fora. Confiamos que a União Europeia saiba ter em conta os numerosos benefícios da bicicleta elétrica na promoção de uma mobilidade mais sustentável e para alcançar os objetivos ambientais e de transportes a que se propõe, e tomar a decisão acertada. Para isso, contamos também com que o Governo e os deputados europeus portugueses intercedam nesse sentido.
E o incentivo do Fundo Ambiental à compra de veículos elétricos, também deveria ser estendido às bicicletas elétricas?
Sim. Não faz sentido o Estado apoiar a compra de carros e motos elétricas, e não o fazer para um meio de transporte ativo, saudável e económico: a bicicleta. As políticas de incentivo à mobilidade elétrica têm de ter em conta todos os modos de transporte, e não ser focadas na redução de emissões de apenas um modo, ou não ter em consideração outros problemas da sociedade como o sedentarismo da população, congestionamentos ou o uso do espaço público. A bicicleta elétrica, ao permitir deslocações de mais longa distância e tornar obstáculos naturais mais fáceis, abre a utilização da bicicleta a novos grupos da população e tem um grande potencial para substituir deslocações em automóvel.
A MUBi propôs aos Grupos Parlamentares e ao Governo que o Orçamento de Estado para 2019 estenda o incentivo às bicicletas com assistência elétrica.
As políticas de incentivo à mobilidade elétrica têm de ter em conta todos os modos de transporte
Se eu quisesse, hoje, deslocar-me da periferia para uma grande cidade como lisboa de bicicleta, como poderia fazê-lo? Que dicas têm para mim?
Uma das grandes vantagens do uso da bicicleta é exatamente na capacidade de estender o raio de ação dos meios de transporte público, usando a versatilidade de mobilidade da bicicleta nos primeiros e últimos quilómetros. A intermodalidade com o comboio é um bom exemplo. A sul do rio Tejo, na linha do Sado (CP) ou na linha Fertagus, qualquer utilizador que viva de Setúbal a Almada pode fazer o seu percurso casa-comboio de bicicleta, estacionar a bicicleta na estação ou transportá-la, sem custos adicionais, no comboio e apreciar a viagem até ao destino, Lisboa. É flexibilidade, tempo e qualidade na viagem que se ganha.
Acham que o planeamento urbano já começa a ser pensado para pessoas e bicicletas? Ou ainda temos um longo caminho a percorrer?
A teoria e investigação científica em planeamento urbano já há vários anos enfatizam o papel importante das pessoas e da bicicleta enquanto modo de transporte, mas a prática em Portugal ainda está muito longe da teoria, e a grande maioria dos instrumentos de planeamento ainda têm o automóvel como o modo primordial ao qual é dada a primazia.