Municípios têm de recolher têxteis e móveis a partir de hoje, mas dizem que falta financiamento
Os municípios têm de fazer recolha seletiva de têxteis, resíduos perigosos e mobiliário a partir de hoje, mas queixam-se de falta de financiamento para investir na recolha seletiva, o que está a atrasar Portugal no cumprimento das metas europeias.
A recolha seletiva de têxteis, resíduos perigosos, mobiliário e outros resíduos volumosos é a partir de hoje obrigatória em todos os países da União Europeia, juntando-se à recolha dos biorresíduos, obrigatória desde há precisamente um ano, e à de outros fluxos, como o plástico, o papel e o vidro.
As metas da União Europeia para a reutilização e reciclagem de resíduos urbanos são de 55% até 2025 e de 65% até 2035, mas o relatório mais recente da Agência Portuguesa do Ambiente (divulgado em outubro) revelou que, em 2023, a percentagem registada em Portugal foi de 32%, muito longe dos objetivos fixados.
Dados oficiais referentes a 2022 revelam que a deposição de resíduos urbanos em aterro foi de 57% em Portugal (cerca de 2,9 milhões de toneladas), ou seja, a maior parte dos resíduos ainda tem como destino os aterros, que estão a esgotar a sua capacidade.
A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) tem vindo a alertar para a necessidade de financiamento para assegurar os investimentos necessários em sistemas de deposição e novos circuitos de recolha ou ampliação dos existentes.
Em resposta a questões da Lusa, a presidente da ANMP, Luísa Salgueiro, disse que as entidades responsáveis pelos sistemas municipais de gestão de resíduos urbanos “têm vindo a desenvolver o trabalho necessário para conseguirem cumprir” o objetivo de operacionalizar, a partir de hoje, a rede de recolha seletiva destes novos fluxos, mas “têm esbarrado num grave problema: a falta de financiamento”.
“O Fundo Ambiental, em 2024, não contemplou qualquer apoio financeiro para a implementação da recolha seletiva deste novo fluxo e de outros, o que complicou a missão dos municípios. (…) Aguardamos com expectativa que o Fundo Ambiental para 2025 contemple este fluxo de resíduos, à semelhança do que já acontece com os biorresíduos”, acrescentou.
Associações de defesa do ambiente, como a Zero e a Quercus, e a Associação Limpeza Urbana (ALU), que tem como objeto criar e dinamizar uma rede de cidades e ‘stakeholders’ (partes interessadas) para potenciar e promover a limpeza urbana, advertem para a necessidade de uma estratégia adequada capaz de mobilizar as pessoas e destacam a especificidade dos produtos têxteis, em que as possibilidades de reciclagem são reduzidas.
À Lusa, a ALU defendeu que as redes municipais de recolha seletiva de têxteis devem aproveitar o conhecimento dos operadores do setor e não sobrecarregar as ruas com equipamentos de recolha.
Luís Almeida Capão, da ALU, sublinhou que alguns municípios, como é o caso de Oeiras, já avançaram para modelos de recolha e gestão do resíduo têxtil, e outros, como Cascais, já estão a preparar os cadernos de encargos para o efeito.
Porém, alertou, o “financiamento condiciona o avanço do sistema”.
Tanto a Zero como a Quercus destacaram que não existe uma junção de dados dos vários sistemas de recolha, que ficam muito aquém do que seria necessário face a uma produção cada vez maior de produtos têxteis.
No seu ‘site’ na internet, a associação Humana, pioneira na recolha seletiva de produtos têxteis em Portugal, revela que dispõe atualmente de 1.042 contentores para a recolha de roupa em segunda mão e que, em 2023, recolheu 3.105 toneladas de roupa usada, evitando a deposição em aterro ou incineração e dando-lhes uma nova vida.
Segundo um estudo da Federação Humana People to People, este nível de recolha de têxteis corresponde a uma redução de 18.940 toneladas da emissão de dióxido de carbono para a atmosfera.
Num relatório divulgado em dezembro, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) considerou que o início da recolha seletiva de têxteis na União Europeia em 2025 é positivo, mas insuficiente, uma vez que os resíduos de fibras sintéticas vão mais do que duplicar até 2060, podendo ultrapassar os 60 milhões de toneladas.
Devido ao atraso no cumprimento das metas, no final de novembro o Governo criou o Grupo de Trabalho para os Resíduos que terá de apresentar até 31 de janeiro de 2025 um plano de emergência para reduzir a deposição de resíduos urbanos em aterros e alcançar as metas previstas no PERSU 2030.
O problema não é só português, já que em julho de 2024 a Comissão Europeia abriu um processo de infração contra todos os Estados-membros por terem falhado os objetivos de recolha e reciclagem de resíduos.
Segundo o mais recente Relatório Anual de Resíduos Urbanos, publicado em outubro pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e relativo ao ano de 2023, foi recolhido um total de 3,83 milhões de toneladas de resíduos urbanos em Portugal continental, dos quais 4,38% são referentes a resíduos têxteis e 8,86% a têxteis sanitários (máscaras, toalhetes e semelhantes).