Nações mais ricas devem pagar pela perda de biodiversidade nos países em desenvolvimento
Os países mais ricos devem compensar os países mais pobres pelas perdas de biodiversidade, à semelhança do que é feito ao nível das alterações climáticas. O argumento é defendido por especialistas do Instituto Internacional para o Ambiente e Desenvolvimento (Reino Unido) e do Centro Internacional para Alterações Climáticas e Desenvolvimento (Bangladesh).
Num comentário publicado esta segunda-feira na revista ‘Nature Ecology & Evolution’, os investigadores afirmam que “a perda global de biodiversidade tem sido desproporcionalmente causada pelo consumo das pessoas nas nações ricas” e que “o conceito de ‘perdas e danos’”, usado no âmbito de acordos internacionais climáticos, deve ser aplicado para compensar os países mais pobres do Sul Global para pelas perdas de biodiversidade.
Em novembro passado, da cimeira global do clima COP27 resultou um acordo para a criação de um fundo internacional através do qual os países mais industrializados pagariam aos contrapartes em desenvolvimento mais expostos a danos e perdas causados pelas alterações climáticas, como secas e eventos climáticos extremos.
Agora, os investigadores exigem que seja criado um mecanismo semelhante para compensar os países mais pobres pelos efeitos da perda de espécies e ecossistemas, criticando que a mobilização de recursos financeiros para implementar a Estrutura-Quadro Global para a Biodiversidade não contemplam qualquer compensação aos países mais afetados por essa crise.
Afirmando que se trata de uma questão de “justiça”, os autores escrevem que dois dos principais fatores que estão a causar a perda de biodiversidade a nível global, e sobretudo nos países do Sul, são a degradação dos ecossistemas terrestres e a sobre-exploração dos recursos marinhos. “Este fatores são, em larga medida, alimentandos pelo consumo nos países ricos e, em muitos casos, os efeitos são sentidos nos países em desenvolvimento”, dizem.
Como exemplo, apontam que as frotas pesqueiras da União Europeia que operam ao largo da costa ocidental de África estão associadas à pesca excessiva e à redução significativa dos stocks de peixes, gerando “consideráveis impactos negativos nas comunidades locais que dependem do peixe para os seus rendimentos e alimentação” e resultando em pobreza, desemprego, degradação da saúde das populações mais afetadas e em tensões sociais.
“Por outras palavras, tal como as emissões geradas pelos países ricos podem causar problemas associados ao clima em países do Sul Global, também o consumo nos países ricos pode causar problemas associados à biodiversidade”, argumentam.
Os investigadores reconhecem que o debate em torno da perda global de biodiversidade tem colocado cada vez maior ênfase na necessidade de as nações mais ricas compensar as mais pobres pelos danos causados, mas que pouco ou nada tem sido feito para canalizar fundos “especificamente para o Sul Global em compensação pelos efeitos sociais e económicos da perda de biodiversidade que tem sido impulsionada pelos países ricos”.
Por isso, à semelhança do princípio do ‘poluidor-pagador’ dos acordos climáticos, em que quem mais polui mais paga pelos danos ambientais causados às populações mais vulneráveis, defendem a aplicação do ‘consumidor-pagador’, uma forma de as nações mais abastadas pagarem pelos prejuízos causados pela forma como consomem às mais pobres. Ou seja, os que consomem recursos naturais devem pagar pelos impactos negativos que causam à biodiversidade nos países em desenvolvimento.
Escrevem os especialistas que, “no mínimo”, é preciso “abrir o debate sobre questões de justiça associadas à perda de biodiversidade”, pois só assim será possível uma implementação plena da Estrutura-Quadro Global para a Biodiversidade, “reconhecendo o imperativo de não apenas travar e reverter a perda de biodiversidade, mas também aplacar o consumo desenfreado como uma das principais causas dessas perdas”.