Não basta criar áreas marinhas protegidas. “É preciso que estas sejam efetivamente geridas”, avisa MARE



Em outubro passado, o Governo anunciou a antecipação para 2026 da meta global que exige que os Estados protejam, pelo menos, 30% das suas águas territoriais. O objetivo tinha sido definido para 2030 pelo Acordo de Kunming-Montreal que saiu da cimeira global da biodiversidade de 2022 (COP 15), mas o Executivo português acredita haver condições para concretizá-lo antes.

Apesar de ser visto como algo positivo, a antecipação da meta gerou alguns avisos por parte da comunidade conservacionista e científica portuguesa, que alertam que não basta apenas criar áreas protegidas, mas é preciso, sobretudo, saber como serão geridas.

Esta terça-feira, o Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE), um centro de investigação que reúne várias instituições de Ensino Superior portuguesas, reconheceu, em comunicado, que, embora a definição de 30% das águas territoriais nacionais como áreas marinhas protegidas (AMP) seja “urgente”, é também “demasiado ambiciosa”.

Segundo os investigadores, “há uma enorme dimensão do espaço marítimo nacional (cerca de 4 milhões de km2), há dificuldades de gestão, fiscalização e planeamento de novas AMP e grandes lacunas de conhecimento sobre as espécies e os habitats”.

Além disso, cumprir essa meta “não implica apenas apresentar um mapa com 30% do espaço marítimo abrangido por áreas marinhas protegidas (AMP)”, salienta o MARE, apontando que “é preciso que estas sejam efetivamente geridas, através da definição de objetivos de conservação mensuráveis, da implementação de medidas para os atingir e do seu acompanhamento através de monitorização e fiscalização regular, com financiamento contínuo e dedicado, para garantir a sua eficácia”.

Como tal, a instituição científica considera que, antes de mais, será necessário “reativar grupos de trabalho multidisciplinares de peritos para guiar a implementação da Rede Nacional de Áreas Marinhas Protegidas (RNAMP)”. Só dessa forma, argumenta, a escolha das áreas marinhas que serão protegidas “terá critérios objetivos de valor ecológico, risco de degradação, representatividade de habitats e conectividade de regiões”.

A par de tudo isso, o MARE defende a criação de um quadro legal para a classificação e gestão das AMP, para definir as responsabilidades das várias entidades, bem como o financiamento de estudos que preencham lacunas de conhecimento em áreas prioritárias.

Para que o cumprimento da meta 30×30 – ou agora, mais precisamente 30×26 – “tenha um ponto de partida sólido, alicerçado num quadro de gestão e financiamento adequado”, será importante, propõe o MARE, padronizar metodologias e indicadores que permitam avaliar as componentes biofísica, socioeconómica e de gestão das AMP e, adicionalmente, criar um Plano Nacional de Monitorização e Avaliação das AMP que tenha por base “quadros de financiamento a longo prazo”.

Para proteger o oceano, AMPs têm de “formar uma verdadeira rede”

Esta é uma preocupação que vai ao encontro das que tinham sido avançadas pela organização conservacionista portuguesa ANP|WWF logo após o anúncio feito pelo Primeiro-ministro António Costa.

Cataria Grilo, diretora de Conservação e Políticas dessa associação, afirmava, em nota, que “tão importante como cumprir a meta de 30% é saber como vai ser cumprida. É importante que o governo anuncie também quais as principais etapas necessárias e respectivos prazos para identificar as áreas a designar para atingir os 30%, e assegurar a sua boa gestão após a designação formal”.

A responsável considera que, para que as AMP “não existam apenas no papel” e para que cumpram o seu desígnio de proteger os habitats e ecossistemas marinhos, é preciso que sejam “designadas nos locais certos para proteger as espécies e habitats de forma adequada”, são necessários “planos de gestão, definindo objetivos e medidas de conservação claros” e “planos de monitorização para saber se estão a cumprir a sua função de proteção”, bem como mecanismos de monitorização e financiamento que permitam assegurar o devido funcionamento das AMP.

Ainda, Catarina Grilo dizia que essas áreas não podem ser criadas “de forma desgarrada” e que devem “formar uma verdadeira rede, ecologicamente coerente, protegendo habitats e espécies de forma representativa”. E recordava que a proposta de revisão da Lei de Bases de Ordenamento do Espaço Marítimo, que na altura estava em discussão na Assembleia da República e que acabou por ser aprovada pela maioria parlamentar do Partido Socialista, “prevê a criação de AMPs mas não prevê que estas funcionem como uma verdadeira rede ecológica, nem como será gerida”.

Rita Sá, coordenadora da prática de Oceanos e Pescas da ANP|WWF, acrescentava que “não basta promulgar decretos criando áreas protegidas e chegar aos 30% se estas áreas não forem realmente as mais relevantes em termos de biodiversidade a ser preservada, se não houver conectividade no seio do sistema de áreas protegidas, se não houver envolvimento e participação adequadas dos stakeholders, ou se os planos de gestão não forem bem elaborados e implementados”.





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