Nem os extremos climáticos fatais fazem os políticos prestar atenção à crise ambiental
Eventos climáticos extremos, como cheias, tempestades, ondas de calor e incêndios, mesmo que causem mortes humanas, podem não ser suficientes para fazer os partidos políticos prestarem mais atenção a questões ambientais e torná-las prioridades políticas.
Esta é, pelo menos, a conclusão de um estudo, publicado em junho na revista ‘Nature Climate Change’, com o título “Extreme weather events do not increase political parties’ environmental attention”. Um dos autores, o cientista político António Valentim, investigador de pós-doutoramento da Universidade de Yale e agora professor na London School of Economics and Political Science (LSE), falou com a Green Savers sobre os resultados deste trabalho e sobre o que nos podem dizer acerca do que nos espera num futuro em que os efeitos das alterações climáticas serão ainda mais intensos.
A investigação apoiou-se na análise do conteúdo de mais de 260 mil comunicados de imprensa divulgados por 68 partidos políticos em nove países europeus (Áustria, Dinamarca, Alemanha, Irlanda, Países Baixos, Polónia, Espanha, Suécia e Reino Unido) entre 2010 e 2020. O objetivo principal era perceber se no seguimento de eventos climáticos extremos dos quais tenham resultado mortes humanas os partidos prestavam, ou não, mais atenção às alterações climáticas e a assuntos ambientais no geral.
“A resposta é não. Estes eventos não aumentam a atenção que os partidos prestam a questões ambientais”, contou-nos António Valentim, de passagem por Lisboa. E o especialista confessou que os resultados que obtiveram foram um pouco surpreendentes. “Muitas vezes assume-se que, relativamente às alterações climáticas, haverá um momento, quase uma epifania, em que as pessoas se vão aperceber do que está em causa e, aí sim, haverá a ação que é necessária para mitigar as alterações climáticas”, explicou. Mas o que encontraram não foi isso.
A motivação para este estudo partiu, em parte, de um outro artigo que António Valentim desenvolveu durante o seu doutoramento, e que procurou, no contexto mais estrito do Reino Unido, perceber de que forma eventos climáticos extremos influenciavam a agenda e prioridades públicas dos partidos políticos. E já nesse trabalho tinha verificado que mesmo o partido ecologista britânico, o Green Party, não demonstrava grandes reações a esses fenómenos extremos. Por isso, quando decidiu alargar o prisma de análise à Europa, a equipa ia já com a ideia de que os resultados poderiam não ser muito diferentes, tendo encontrado o que Valentim chamou de “um grande e redondo nulo”.
Falta de conhecimento do eleitorado pode ser parte do problema
Neste mais recente artigo, os investigadores escrevem que “os partidos políticos não priorizam assuntos ambientais no seguimento de eventos climáticos extremos” e que mesmo entre os partidos ecologistas “apenas encontramos efeitos pouco duradouros”, geralmente não indo além de uma semana.
António Valentim confessou que “já é difícil saber se uma coisa acontece ou não, quanto mais saber o porquê”. Ainda assim, recordando literatura científica já existente, disse que “os políticos, tanto na Europa como nos Estados Unidos, subestimam o quão o eleitorado apoia políticas públicas climáticas”. Isso, conjugado com receios de reações negativas por parte da população face a essas políticas climáticas, podem ajudar a explicar a menor, ou nenhuma, atenção devotada pelos partidos a essa crise planetária e a hesitação em concretizar ações efetivas para combatê-la.
“Isso pode ser uma possibilidade, o facto de os partidos não terem uma imagem completa da dimensão do apoio que estas políticas têm”, sustentou Valentim, que admitiu que uma segunda hipótese, a de os partidos não quererem parecer “oportunistas” ao usarem os eventos climáticos extremos e as fatalidades causadas como instrumentos políticos. “Mas quando olhamos ao longo de meses ou até anos, o efeito continua sem aparecer”, afirmou, pelo que a razão provavelmente não será essa.
Outra explicação poderá ser o facto de os partidos, mesmo os ecologistas nos quais o efeito é maior do que nos demais, terem de lidar “com a espuma dos dias”, não podendo ficar presos a um só assunto.
Da esquerda à direita, ambiente e clima são assuntos fugazes
Entre o final do século XX e inícios do século XXI, a noção de que era preciso fazer alguma coisa para proteger o ambiente era relativamente consensual entre os partidos europeus, da direita à esquerda, recordou António Valentim. “É uma coisa bem assente na Ciência Política”, apontou.
Contudo, desde por volta de 2010, “estas questões têm ficado polarizadas”, afirmou o investigador português, explicando que os partidos divergem sobre o nível de prioridade do Ambiente, e das alterações climáticas, nas agendas políticas e partidárias, sendo à direita onde se encontram, de forma geral, as maiores ou mais significativas resistências ou hesitações em apoiar ações ambientais e climáticas efetivas e fortes.
Apesar de a teoria nos dizer isso, o que a equipa percebeu é que, no rescaldo de fenómenos climáticos extremos fatais, “tanto à direita como à esquerda, não encontramos diferenças, tirando os verdes”.
A relação entre o que pensa o eleitorado e o que os partidos fazem
Investigações anteriores já haviam mostrado que, no seguimento de eventos climáticos extremos com fatalidades humanas, “há algum aumento na preocupação que as pessoas, o eleitorado tem sobre estas questões”, mas, ainda assim, os efeitos tendem a não ser muito duradouros. Por isso, António Valentim questiona se essa efemeridade será suficiente para gerar reais mudanças de comportamento nas elites políticas.
Embora não desvalorize a importância dos comportamentos individuais para aplacar a marcha incessante das alterações climáticas, afirmou que, “no fim do dia, para termos políticas que possam atingir as metas de 1,5 graus [limite de aquecimento global médio definido no Acordo de Paris de 2015] são precisas políticas públicas, e quem é responsável por propor e passar essas políticas são os políticos e os partidos políticos”.
Aliás, o facto de os políticos não prestarem tanta atenção a questões climáticas, mesmo no encalço de eventos fatais, parece destoar das opiniões das populações. Em 2021, uma sondagem da Comissão Europeia mostrava que 94% dos europeus considera que as alterações climáticas são “um problema sério”, com 78% a dizerem que são “um problema muito sério”, um grau de preocupação semelhante ao já demostrado em 2019. Além disso, 75% dos respondentes disse acreditar que os seus governos nacionais não estão a fazer o suficiente para combater as alterações climáticas e pediam mais ação climática.
No entanto, uma sondagem mais recente, de março deste ano, a luta contra as alterações climáticas surgia em quinto lugar na lista de temas que os eleitores consideram prioritários na agenda política europeia, atrás do combate à pobreza, a promoção da saúde pública, a dinamização da economia e a criação de novos empregos e a segurança e defesa da UE.
António Valentim explicou que a aparente discrepância entre perceções públicas e ação política “é uma questão muito específica da política climática”. Isto é, “as pessoas estão efetivamente preocupadas, mas o leque de políticas públicas que se pode ter é tão grande, tão variado e é tão difícil de perceber de que forma a política X afeta resultado Y” que se torna complicado “passar de uma preocupação generalizada para ações concretas”.
Assim, surge “um paradoxo, em que as pessoas estão muito preocupadas e acham que os governos não estão a fazer suficiente, por um lado, e, por outro, quando os governos fazem alguma coisa, as pessoas podem não gostar”. Adicionalmente, como os horizontes temporais das políticas climáticas são tão longos, normalmente medidos em várias décadas, torna-se ainda mais difícil para o público compreender completamente a sua abrangência e efeitos.
As lições que se podem trazer para o plano nacional
Sobre o que os resultados desta investigação podem revelar sobre o que se passa em Portugal, António Valentim, apoiando-se em “especulação relativamente bem informada”, contou-nos que “nos contextos que nós estudámos, nomeadamente na Áustria e na Alemanha, onde estes temas são mais salientes mas também mais polarizados, acho que efeitos nesses locais são bastante mais prováveis do que em Portugal, onde os inquéritos mostram que as pessoas estão preocupadas, mas isso não é necessariamente uma questão tão política, e quando [eventos climáticos extremos fatais] acontecem em Portugal, e quando se fala em clima no geral, não é tanto por um prisma de políticas públicas”.
Quer isto dizer que, em Portugal, as questões climáticas, especialmente, não estão tão politizadas como noutros países do plano europeu. “Os níveis de preocupação são bastante altos, mas muitas vezes a discussão desses temas é feita mais através de um prisma de sustentabilidade e de ação individual, e não é tanto uma questão política”, detalhou o especialista, indicando que “mesmo ao nível dos partidos, é muitas vezes discutida como uma questão mais consensual e menos polarizada, porque a maior parte dos partidos considera que é preciso fazer alguma coisa”.
Assim, em Portugal, comparando com outros países europeus, ações para proteger o Ambiente e mitigar as alterações climáticas e os seus efeitos são questões mais vistas enquanto pertencendo à esfera da ação individual e menos ao campo das políticas públicas e do ‘desígnio nacional’.
O que uma europa mais ‘à direita’ pode significar para a ação climática
No passado mês de junho, a Europa foi a eleições e observou-se um reforço dos partidos de direita no Parlamento Europeu (PE), com o Partido Popular Europeu (PPE), que inclui o PSD e o CDS-PP, a manter-se enquanto a maior família política no hemiciclo comunitário, com 188 eurodeputados, e a crescer, com mais nove legisladores no que a sessão anterior. Por outro lado, o grupo dos Verdes (Greens/EFA), que não inclui nenhum partido português este mandato, deu um ‘trambolhão’, perdendo 17 eurodeputados e conquistando 53 assentos.
Uma análise publicada em maio pelo grupo de reflexão European Council on Foreign Relations (ECFR), em antevisão às eleições do mês seguinte, dizia que “com as preocupações sobre os custos da transição verde, o aumento das tensões comerciais entre os EUA e a China e a incerteza quanto ao desfecho das eleições presidenciais norte-americanas e a guerra da Rússia na Ucrânia, a [União Europeia] provavelmente terá dificuldades em fazer progressos na ação climática ao longo dos próximos cinco anos”. Por outro lado, a organização Atlantic Council, no rescaldo eleitoral, escrevia que “vozes climaticamente céticas e de oposição aos esforços climáticos estão a ganhar peso político” no palco europeu e que, embora o PPE, grupo da reeleita Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tenha na campanha reafirmado o papel de liderança da Europa na ação climática global, apresenta uma “posição ambígua” no que toca a questões ambientais. Recorde-se que em novembro passado uma proposta da CE para reduzir o uso de pesticidas na agricultura, peça central do Pacto Ecológico Europeu, foi rejeitada pela oposição mobilizada pelo PPE, com alguns dos seus membros a descreverem o resultado como “sensacional”.
Assim, o célebre Green Deal, considerado um pacote legislativo sem precedentes para combater as alterações climáticas e que fez da UE um farol para o restante mundo, e cujo maior apoio continua a emanar das bancadas centro-esquerda do grupo dos socialistas e democratas (S&D), pode estar em terreno incerto.
Recordando que os partidos da extrema-direita em França e no Reino Unido, por exemplo, têm já deixado clara a sua oposição às agendas ecologista e climática, António Valentim ressalvou que, mesmo no campo da Ciência Política, não há dados claros sobre se a ideologia do partido no governo pode ou não levar necessariamente a reduções nos níveis de emissões de gases com efeito de estufa.
Sobre possíveis constrangimentos da ação climática na Europa fruto de um PE reforçado à direita e com mais representantes de partidos da extrema-direita, o investigador admitiu que “é possível”. Contudo, tem dúvidas sobre se a atual composição do PE poderá mesmo vir a pôr em causa o Pacto Ecológico, “porque parece-me que há já coisas bastante estabilizadas para se voltar atrás”. Além disso, mesmo com a contração do grupo dos Verdes, não se pode ignorar o apoio do centro-esquerda às políticas ambientais e climáticas.
Desenhado esse quadro, o investigador reconheceu que a nova composição do PE poderá ter consequências ao nível da ação climática na UE, “mas talvez não sejam tão graves como às vezes se discute. Só o futuro o dirá”.
Porém, uma coisa parece ser certa. O facto de eventos climáticos extremos que causam mortes humanas não serem suficientes para aumentar a atenção prestada pelos partidos e pelos políticos às alterações climáticas é, como os autores escrevem, “especialmente preocupante”, sobretudo porque tal poderá pôr em causa o cumprimento das metas climáticas já assumidas.
O impacto da mobilização social na mudança das prioridades políticas
Questionado sobre se uma maior mobilização da população em prol das questões ambientais e climáticas poderia fazer os partidos prestarem mais atenção a esses temas, António Valentim considera que não há uma ligação direta entre as duas coisas.
“Talvez sim, talvez não”, reconheceu. Mas recordou que o movimento climático Fridays for Future, lançado pela ativista sueca Greta Thunberg, fez subir o apoio popular aos partidos ecologistas na Europa, “muito porque as pessoas associam os verdes a fazer-se mais pelo clima”. No entanto, noutros contextos os resultados “são mais tímidos”.
“Acho que estes movimentos podem ter algumas consequências, mas acho também que os tipos de estratégias que têm ou o apoio que conseguem ter no eleitorado condiciona muito se conseguem ter efeitos políticos”, salientou.
António Valentim contou que “o que o nosso estudo mostra, mais que tudo, é que o clima não é um tema assim tão especial” e que “a ‘wake-up call’ de que se fala não vai acontecer e que, mais do que isso, este tema, como muitos outros temas políticos, está subjacente às lógicas políticas”, pelo que as expectativas não devem ser muito altas para avanços mais ambiciosos no que à ação climática diz respeito.
E o que se passa no plano internacional é, em certa medida, um reflexo do que se passa nos contextos políticos internos. “Dentro de certos limites, as delegações que vão para as COP e para as negociações, muitas vezes, têm interesse em representar as políticas dos seus eleitorados, ou, pelo menos, não ostracizá-los”, referiu. Por isso, é expectável que a inação política, ou a pouca ação e reação, face a eventos climáticos extremos fatais, e as alterações climáticas no geral, que se verifica nos planos nacionais acabe por infiltrar-se nas negociações climáticas internacionais e, assim, por limitar progressos mais ambiciosos e consequentes.
Artigo publicado originalmente na revista Green Savers de setembro de 2024.