Nestlé quer ter 95% de embalagens de plástico “prontas a reciclar” em Portugal até 2025



Estima-se que cerca de um terço de todas as emissões de gases com efeito de estufa (como o dióxido de carbono e o metano) sejam geradas pela produção de alimentos, e estão sobretudo relacionadas com a agricultura e com o uso dos solos. A desflorestação para dar lugar a explorações agrícolas, os óxidos de azoto dos fertilizantes e os combustíveis fósseis queimados por meios de transporte usados na produção de alimentos são algumas das maiores fontes de gases que fazem subir a temperatura do planeta.

Por isso, para que seja possível alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, plasmados na Agenda 2030, e para limitar o aquecimento global a um máximo de 2 graus Celsius face à época pré-industrial, um compromisso assumido pela quase totalidade dos países do mundo em 2015, com a adoção do Acordo Climático de Paris, é fundamental que a produção de alimentos e as empresas desse setor se transformem e coloquem no topo das suas agendas a sustentabilidade, isto é, o equilíbrio entre o crescimento do negócio, o respeito pela biodiversidade e pelos ecossistemas e a apoio aos produtores, promovendo práticas em maior harmonia com a Natureza.

De acordo com a lista de 2022 da Forbes das maiores empresas públicas do setor mundial alimentar, a Nestlé surge no topo. Por isso, a ‘Green Savers’ procurou saber quais os planos da empresa para reduzir os seus impactos no ambiente, numa altura em que as três grandes crises planetárias (alterações climáticas, poluição e perda de biodiversidade) avançam sem dar tréguas.

Beatriz Guimarães, Sustainability Leader da Nestlé Portugal, falou com a Green Savers sobre os compromissos globais da empresa para reduzir os seus impactos sobre os ecossistemas e a biodiversidade.

Beatriz Guimarães, Sustainability Leader da Nestlé Portugal, garante-nos que, quer a nível global, quer em Portugal, a Nestlé orienta-se pelo “princípio fundamental” da Criação de Valor Partilhado. Por outras palavras, a empresa tem como objetivo central “desenvolver o poder da alimentação para melhorar a qualidade de vida de todos, hoje e para as futuras gerações”, através de uma abordagem que se apoia em “decisões que não são apenas boas para nós e para os nossos acionistas, mas também para a sociedade e para o planeta”.

“Tudo o que fazemos é guiado pelo nosso desejo de contribuir para dietas nutritivas e cada vez mais sustentáveis, ajudar a proteger, renovar e restaurar os recursos naturais, ajudar a fortalecer as comunidades e operar de forma responsável”, diz-nos a responsável de Sustentabilidade, acrescentando que, em Portugal, a Nestlé tem “vários projetos que têm impacto ambiental e contribuem para este compromisso, nomeadamente o projeto que estamos a desenvolver com agricultores no Alentejo e diariamente nas nossas fábricas”.

Reduzir emissões globais de gases com efeito de estufa em 20% até 2025. Neutralidade carbónica em 2050

No que toca às suas principais fontes de emissões de gases com efeito de estufa, Beatriz Guimarães avança que é na “obtenção de ingredientes”, isto é, das matérias-primas, que a empresa gera mais dióxido de carbono, 71,4% do seu total de emissões. Em segundo lugar, surge a produção de embalagens como uma das áreas de negócio com a maior pegada carbónica.

No entanto, a empresa assumiu o compromisso de alcançar a neutralidade carbónica até 2050, que, garantem-nos, se estenderá a “toda a sua cadeia de abastecimento”. No curto-prazo, a Nestlé compromete-se a reduzir em 20% as suas emissões globais até 2025.

Além disso, nos próximos dois anos, a Nestlé pretende que 20% dos seus “ingredientes-chave” sejam produzidos através de “agricultura regenerativa” – que diz ser “um sistema de cultivo que procura conservar e restaurar os campos e o seu ecossistema” – , ter 100% do seu cacau e café certificados como sustentáveis, que a eletricidade nos seus centros de produção seja 100% renovável, que 95% das embalagens de plástico sejam recicláveis ou reutilizáveis e reduzir em um terço “o plástico virgem das nossas embalagens”.

Óleo de palma: Críticas e compromissos

Para este ano de 2023, o objetivo da Nestlé é que todo o óleo de palma usado seja certificado como sustentável. O óleo de palma é uma substância que existe em inúmeros produtos, desde a cosmética a pizzas, chocolates e dónutes, devido, por exemplo, às suas propriedades de preservação que protegem os alimentos da oxidação e lhes dão um maior ‘tempo de vida’ nas prateleiras dos supermercados.

No entanto, a produção de óleo de palma tem sido apontada como uma das principais causas da destruição de florestas tropicais, sobretudo no sudeste asiático, colocando ainda maior pressão sobre espécies que enfrentam já a ameaça da extinção, como o orangotango e o rinoceronte-de-sumatra.

Evitar esses impactos sobre a biodiversidade e a degradação dos habitats e ecossistemas é um dos principais objetivos assumidos pela Nestlé, que até 2025 investirá, globalmente, perto de 3,2 mil milhões de euros “para ajudar a desencadear uma agricultura regenerativa em toda a nossa cadeia de abastecimento”.

Algumas organizações ambientalistas, como a Rainforest Rescue e a Rainforest Action Network, acusam a Nestlé de continuar dependente de óleo de palma proveniente da destruição das florestas tropicais, apesar dos compromissos assumidos para com a proteção desses ecossistemas biologicamente diversos.

De acordo com a Rainforest Rescue, 30% do óleo de palma usado pela Nestlé advém da desflorestação, sendo que aponta, citando a própria empresa, que em 2019 tenham sido destruídos quase 24 mil hectares de floresta tropical para dar lugar a plantações de palmeiras cujo fruto dará essa substância polivalente.

Por sua vez, a Rainforest Action Network, num relatório divulgado em setembro do ano passado, alega que empresas do setor dos alimentos, incluindo a Nestlé, estão a usar óleo de palma produzido ilegalmente na Reserva de Vida Selvagem de Rawa Singkil, uma área protegida na Indonésia.

Mas Nestlé diz que tem procurado combater o risco de desflorestação das suas cadeias de abastecimento, utilizando “uma combinação de ferramentas, tais como cartografia da cadeia de abastecimento, certificação e monitorização por satélite, para avaliar e abordar os riscos de desflorestação”, conta-nos Beatriz Guimarães, indicando que, “em dezembro de 2021, 97% dos produtos de risco florestal que compramos (carne, óleo de palma, pasta e papel, soja e açúcar) foram avaliados como livres de desflorestação”.

“A Nestlé está totalmente empenhada em garantir que o óleo de palma é adquirido a partir de fontes responsáveis em toda a sua cadeia de abastecimento”, afiança a responsável de Sustentabilidade da filial portuguesa. “Estamos a evoluir para uma estratégia Forest Positive, que visa ir além da gestão dos riscos de desflorestação na nossa cadeia de abastecimento, visando um impacto positivo nas nossas paisagens de abastecimento mais vastas”, estando prevista a plantação de 200 milhões de árvores até ao final desta década.

UE quer combater produtos ligados à desflorestação

Em novembro de 2022, o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e o Conselho Europeu chegaram a um acordo de princípio sobre a regulação que pretende proibir a importação para a UE de produtos associados à desflorestação.

A nova lei obrigará as empresas, como a Nestlé, a verificarem e a declararem que os produtos que colocam no mercado europeu não causaram nem a destruição nem a degradação de florestas em qualquer parte do mundo desde 31 de dezembro de 2020. Se os produtos não cumprirem esses critérios, não poderão ser vendidos na União Europeia.

No entanto, a Nestlé considera que a legislação europeia, designadamente sobre o clima, ajudará as empresas a “acelerarem a implementação de práticas de redução de emissões de gases com efeito de estufa”, e Beatriz Guimarães destaca ainda como positivo o pacote ‘Objetivo 55’, que engloba um conjunto de propostas de revisão e atualização das leis da UE com vista a tornar legalmente vinculativa a redução de, no mínimo, 55% as emissões do bloco até 2030.

Reduzir a pegada carbónica ao longo de toda a cadeia de abastecimento

“A única forma de atingirmos o nosso compromisso é se trabalharmos em parceria com os nossos fornecedores, sobretudo agricultores”, reconhece a responsável de Sustentabilidade da Nestlé Portugal, uma vez que perto de 72% das emissões globais da empresa advêm do “cultivos dos nosso ingredientes”.

Nesse sentido, a empresa “há vários anos” que tem vindo a ajudar os agricultores a tornarem os seus métodos de produção mais ambientalmente sustentáveis, sobretudo na área do café, através do ‘Nescafé Plan’, promovendo uma agricultura regenerativa.

Tal passa, por exemplo, pela “plantação de culturas de cobertura para ajudar a proteger o solo” e a promover o sequestro de carbono, pela “a integração de fertilizantes orgânicos” que protegem a saúde dos solos, pelo “aumento de práticas agroflorestais e de culturas interdependentes” que ajudam a preservar a biodiversidade, e pela “poda dos cafeeiros já existentes ou a sua substituição por variedades resistentes a doenças e a alterações climáticas”, que, segundo a empresa, “ajudará a rejuvenescer os campos de café e a aumentar os rendimentos dos agricultores”.

Quanto à produção de cacau, a Nestlé, por via do seu ‘Cocoa Plan’, diz estar a apoiar as comunidades que cultivam esse produto e a promover a sua sustentabilidade. “Este plano visa melhorar os meios de subsistência dos produtores de cacau, eliminar o trabalho infantil, promover o abastecimento responsável e proteger o meio ambiente”, afirma Beatriz Guimarães.

Questionada sobre se será possível algum dia alcançar a neutralidade climática sem recorrer à compensação, a responsável de Sustentabilidade afirma que o compromisso da empresa é a neutralidade carbónica, “equilibrar as emissões que não conseguimos reduzir/evitar”. Mas argumenta que o compromisso da Nestlé é, realmente, chegar a esse equilíbrio através da “captura de carbono na nossa cadeia de valor, onde são cultivados os nossos ingredientes” (insetting), ao invés de serem feitas “compensações fora da nossa cadeia de valor” (offsetting).

Promoção da agricultura regenerativa em Portugal

No seu website, a Nestlé assume o compromisso de promover “práticas agrícolas regenerativas” junto dos mais de 500 mil agricultores que alimentas as suas cadeias de abastecimento, aplicando “ciência e tecnologia de ponta” e fornecendo “assistência técnica”, oferecendo “apoio ao investimento” e pagando “prémios por produtos agrícolas regenerativos”.

Em Portugal, Beatriz Guimarães informa-nos que a empresa está já a promover as práticas regenerativas junto dos agricultores que produzem trigo numa área de 800 hectares na região do Alentejo.

“Na colheita de 2023, prevemos colher pelo menos 1000 toneladas de grão de trigo do Alentejo resultante de práticas de agricultura regenerativa, o que representa cerca de 10% do total de grão de trigo que compramos em Portugal para os nossos produtos de nutrição infantil”, detalha a responsável de Sustentabilidade da Nestlé Portugal, sendo que se prevê que até 2026 seja possível chegar aos 80%.

Embalagens de plástico: Um mal necessário?

Em Portugal, 75% das embalagens de plástico da Nestlé estão já “prontas a reciclar”, sendo que o objetivo é chegar aos 95% até 2025, sendo que, embora ainda sem data definida, o objetivo final será chegar aos 100%.

O plástico é hoje considerado uma das maiores causas de degradação ambiental em todo o mundo, estimando-se que todos os anos cheguem aos mares cerca de 14 milhões de toneladas desse material altamente versátil que veio revolucionar as sociedades humanas. Mas a um grande custo para o planeta e para as demais formas de vida que nele habitam.

Prevê-se que a produção de plástico duplique até 2050, para mais de mil milhões de toneladas por ano e estima-se que, entre 1950 e 2017, 9,2 mil milhões de toneladas de resíduos de plástico tenham sido depositadas em aterros sanitários ou descartadas na Natureza.

No entanto, há quem diga que as embalagens de plástico podem mesmo ser um mal necessário, embora defendam que a sua produção pode e deve ser reduzida, recorrendo, por exemplo, à reciclagem e à reutilização.

“As embalagens de plástico desempenham um papel fundamental na disponibilização segura de alimentos e bebidas, reduzindo perdas e desperdícios, por isso é necessário considerar cuidadosamente as alternativas antes de iniciar alterações”, alerta-nos Beatriz Guimarães, responsável de Sustentabilidade da Nestlé Portugal, destacando que “as alternativas ao plástico têm também consequências que, em certos casos, podem ser ainda mais negativas, tendo maior impacto ambiental”.

Ainda assim, a Nestlé pretende que “nenhuma das suas embalagens, incluindo plásticos, termine o seu ciclo de vida na natureza, nos oceanos ou nos restantes cursos de água ou em aterros sanitários”. Por isso, diz a nossa interlocutora, a empresa “está empenhada em encontrar as melhores soluções para reduzir, reutilizar e reciclar, comprometendo-se a assegurar que 100% das suas embalagens serão reutilizáveis ou recicláveis”.





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