Nova técnica com ADN deteta vestígios de cinco populações de saramugo recém-desaparecidas



O saramugo (Anaecypris hispanica) é um pequeno peixe endémico das bacias dos rios Guadiana e Guadalquivir, classificado como Em Perigo de Extinção em Portugal. Na última avaliação do risco de extinção realizada em 2023, este peixe perdeu metade das suas populações, passando de dez em 2005 para apenas cinco, mas ainda há vestígios das cinco populações classificadas como “recém-desaparecidas”. Os investigadores defendem a continuidade da monitorização desta espécie.

Estas conclusões resultam de um novo estudo com uma técnica molecular suportada em DNA ambiental (vestígios de DNA na água resultantes de escamas, muco ou excreções), que mostra que as cinco populações de saramugo “recém-desaparecidas” persistem ainda nestes locais do Guadiana.

O estudo foi desenvolvido entre 2021 e 2022 e resultou de uma parceria entre o ICNF, o MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), o CIBIO/BIOPOLIS – Universidade do Porto, o CE3C – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da FCUL, e o MUHNAC – Museu Nacional de História Natural e da Ciência, e foi financiado pelo Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR) – Plano de Ação do Saramugo.

Carlos Carrapato, técnico superior do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), afirma, citado em comunicado, que “nas monitorizações realizadas regularmente desde o início do século nunca foram capturados exemplares de saramugo, o que apontava para a sua extinção local, sendo o objetivo deste estudo avaliar a sua persistência nestes locais”.

“O estudo permitiu detetar DNA do saramugo em amostras de água com grande precisão. Fizemos várias análises para garantir a robustez dos testes positivos. Estamos confiantes na deteção das populações ‘recém-desaparecidas’”, diz a investigadora Ana Veríssimo, do CIBIO/INBIO, coordenadora deste estudo.

Na primavera de 2022, foram amostrados 70 locais nos afluentes do Guadiana onde seria muito provável a ocorrência de saramugo, tendo sido obtidos resultados positivos em apenas 19 locais (<27%).

“A localização destes testes positivos é muito consistente, e espacialmente coerente com a distribuição da espécie no final do século passado. Isto significa que a espécie ainda está lá e que devemos monitorizar todas as dez populações existentes em Portugal. A monitorização deve ser feita com esta nova técnica, mas também com pesca científica, usada há várias décadas, pois só assim podemos determinar a evolução das populações no futuro”, conclui a investigadora.

Filipe Ribeiro, investigador do MARE-ULisboa que planeou e coordenou os trabalhos, iniciou a sua carreira enquanto biólogo com o primeiro estudo sobre a biologia desta espécie no final do século passado e afirma “O saramugo continua a desaparecer e é urgente ter um plano de recuperação efetivo para a espécie! É essencial que haja compromisso do Estado Português na proteção e recuperação desta espécie, tal como aconteceu com outras espécies mais carismáticas”.

Atualmente, o Parque Natural do Vale do Guadiana mantém cinco populações de salvaguarda ex-situ (fora do local de origem), provenientes das populações selvagens mais estáveis, “porém só uma monitorização dedicada, regular e continuada permitirá a constituição de populações ex-situ para todas as populações detetadas agora”, acrescenta.

Neste estudo, foram ainda avaliadas as implicações dos novos resultados na avaliação do risco de extinção da espécie. Filomena Magalhães, coordenadora do Livro Vermelho, professora da FCUL e investigadora do CE3C, afirma que “apesar da área de ocorrência da espécie não ter mudado muito desde 2005, as cinco populações agora detetadas são muito frágeis e, muito provavelmente, não serão viáveis a médio prazo se não forem reforçadas e os seus habitats recuperados localmente”.

O saramugo é um pequeno leuciscídeo que se encontra nos afluentes do rio Guadiana e num local na bacia do Guadalquivir. A sua longevidade máxima é de 3 anos, alimenta-se de pequenos insetos aquáticos e zooplâncton. Em Portugal, as populações mais estáveis ocorrem nas ribeiras de Odeleite, Foupana e Vascão, localizadas no Algarve, e nos afluentes da margem esquerda do Guadiana, rios Ardila e Chança. As populações mais ameaçadas encontram-se no rio Xévora (Campo Maior), nas ribeiras do Caia (Arronches), do Álamo (Reguengos de Monsaraz), da Pardiela (Redondo e Évora) e de Carreiras (Mértola e Almodôvar).






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