“Numa trajetória desastrosa”: Cientistas alertam para risco de cinco pontos de inflexão da Terra
O aquecimento médio do planeta continua a progredir, impulsionado pelas emissões de gases com efeito de estufa geradas pelas atividades humanas e pela degradação e destruição da Natureza. Em 2015, em Paris, os governos do mundo acordaram que era preciso agir para impedir que a Terra aqueça mais do que 1,5 graus até ao final do século.
De ano para ano, surgem alertas de novos recordes de temperaturas máximas, de secas intensas, de incêndios devastadores e de tempestades sem precedentes, e, com isso, multiplicam-se o alertas de que é preciso fazer mais, melhor e mais rapidamente.
Apesar de ainda se considerar que nem tudo está para já perdido e que há tempo, mesmo que pouco, e conhecimento suficiente para alcançar esse objetivo, a janela de oportunidade está a fechar-se rapidamente e as ações climáticas tardam em chegar.
De acordo com os mais de 200 investigadores do projeto internacional Global Tipping Points, se nada for feito para contrariar essa tendência, a Terra poderá ultrapassar, pelo menos, cinco limiares naturais, pontos de inflexão em que pequenas alterações podem resultar em transformações rápidas e profundas, e além dos quais consequências negativas para a humanidade e para a Natureza podem ser irreversíveis. E três deles podem ser cruzados já na próxima década.
Num comunicado divulgado pela Universidade de Exeter, que coordenou o trabalho, os cientistas dizem que esta é “a avaliação dos pontos de inflexão mais abrangente alguma vez feita” e explicam que “a humanidade está atualmente numa trajetória desastrosa”.
Entre os limiares que poderão ser ultrapassados nos próximos anos, os cientistas destacam o colapso de grandes mantos de gelo na Gronelândia e na Antártida ocidental, o derretimento do pergelissolo (ou permafrost), a mortalidade generalizada de recifes de corais de água quente e o colapso da circulação atmosférica no Atlântico Norte.
Para Tim Lenton, um dos investigadores, “os pontos de inflexão no sistema da Terra representam ameaças de uma magnitude nunca antes enfrentada pela humanidade” e “podem provocar efeitos em dominó devastadores, incluindo a perda de ecossistemas inteiros e a capacidade para fazer uma agricultura estável, com impactos sociais que incluem deslocações em massa, instabilidade política e colapso financeiro”.
A investigação analisou 26 “pontos de inflexão negativos do sistema da Terra” e concluiu que “a atual governança global não é adequada à escala do desafio”, e que a manutenção do estado de coisas “já não é possível”, visto que “rápidas alterações na natureza e nas sociedades estão já a acontecer, e mais estão para vir”.
“Sem ação urgente para travar as crises climática e ecológica, as sociedades serão assoberbadas, enquanto o mundo natural se degrada”, avisam.
Apesar do tom alarmista do relatório, os cientistas acreditam que é possível promover “pontos de inflexão positivos”, que permitam contrair os negativos e manter o planeta numa rota de sustentabilidade.
“Uma cascata de pontos de inflexão positivos salvaria milhões de vidas”, pouparia biliões de dólares em prejuízos provocados por eventos climáticos extremos e permitira “começar a restaurar o mundo natural do qual todos nós dependemos”.
Lenton afirma que ações positivas estão já a ser realizadas, como o fortalecimento da aposta nas energias renováveis, a expansão da mobilidade elétrica e a transição para dietas menos intensas em produtos de origem animal.
Manjana Milkoreit, da Universidade de Oslo e que esteve também envolvida no projeto, considera que ações concretas para evitar os piores cenários “deverá ser o principal objetivo da COP28”.
E os investigadores deixam algumas sugestões para os líderes mundiais: acabar com as emissões dos combustíveis fósseis até 2050, reforçar a adaptação e os mecanismos de financiamento de perdas e danos, coordenar esforços globais para promover pontos de inflexão positivos, criar “uma cimeira global urgente sobre pontos de inflexão” e aprofundar o conhecimento sobre esses fenómenos.
“Resolver as crises climática e da natureza exigirá grandes transições em muitos setores – de mudanças nas dietas ao restauro de florestas”, passando pelo “abandono progressivo do motor de combustão interna”, avisa Kelly Levin, do Bezos Earth Fund, instituição parceira do projeto.