Nuno Calado, FSC Portugal: “A área florestal certificada representa 9% do total da floresta”



Presente em Portugal de forma oficial desde 2008, o Forest Stewardship Council (FSC) procura obter consensos sobre a gestão florestal responsável, propondo soluções e trabalhando com vários stakeholders neste tema íntimo da sustentabilidade.

Em entrevista exclusiva ao Green Savers, o presidente da FSC Portugal, Nuno Calado, explica quais os principais desafios da organização em Portugal e como o tema da gestão florestal responsável está cada vez mais na agenda sustentável global.

O que é o selo FSC e qual a sua origem?

A origem do FSC está intimamente ligada à Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável em 1992 (Conferência do Rio). Na sequência desta Conferência, representantes empresariais, grupos sociais e organizações ambientais interessados no tema reuniram-se para fundar o Forest Stewardship Council (FSC), cuja finalidade é melhorar a gestão florestal no mundo inteiro.

O FSC é um fórum pioneiro onde, através de processos democráticos, se procura obter um consenso, à escala mundial, sobre convénios de gestão florestal responsável, e se propõe soluções para as pressões que as florestas do mundo inteiro, e as comunidades destas dependentes, enfrentam.

Neste fórum, representantes do hemisfério norte e sul, de organizações grande e pequena dimensão reúnem-se para definir o que pode ser uma gestão florestal ambientalmente adequada, socialmente benéfica e economicamente viável e para identificar ferramentas e recursos que promovam uma mudança positiva e duradoura.

Com a certificação FSC é fornecida uma ligação credível entre uma produção responsável e o consumo de produtos florestais, permitindo que, através da identificação proporcionada pelo logo/selo FSC os consumidores e as empresas tomem decisões de compra, que irão beneficiar as pessoas e o ambiente, bem como assegurar um valor crescente aos negócios.

Como é que a certificação das floretas pode beneficiar a nossa economia e o nosso ambiente?

A certificação florestal é um processo que permite verificar, de forma independente e credível, que uma área florestal é gerida de acordo com normativos internacionalmente reconhecidos. Estes normativos compreendem uma série de requisitos técnicos, económicos, ambientais e sociais para uma gestão florestal sustentável, definindo um nível de desempenho a ser atingido pelos responsáveis da gestão florestal. A certificação florestal tem vindo a tornar-se numa componente importante da gestão florestal, com benefícios potenciais para os vários agentes do sector.

A procura de produtos florestais certificados tem vindo a crescer nos mercados internacionais, principalmente na Europa, pelo que a opção pela certificação é um meio de garantir à indústria florestal nacional, de cariz fortemente exportador, vantagem competitiva num mercado global.

A certificação florestal FSC permite um acesso a mercados cada vez mais exigentes, podendo em alguns casos possibilitar um preço diferenciado para os produtos; e evidenciar perante grupos de interesse – accionistas, comunidades locais, ONG – que as florestas são geridas de uma forma ambientalmente correta, socialmente benéfica e economicamente viável.

Quais os processos de certificação florestal em curso em Portugal?

Actualmente, existem 299.791 hectares de área florestal certificada, correspondendo a 17 certificados de gestão florestal (aplicável a organizações ou agentes com responsabilidade na gestão de áreas florestais), e 96 certificados de cadeia de custódia (aplicável a indústrias ou agentes que transformam, processam e/ou vendem produtos florestais).

Qual a evolução da área florestal certificada no nosso país?

A evolução tem sido positiva, em particular se considerarmos a difícil conjuntura económica dos últimos anos. No 1.º semestre de 2012 tivemos um crescimento de 5% na área florestal certificada (aumento de cerca de 15.000 hectares). A actual área certificada representa já cerca de 9% da área florestal nacional.

É também de salientar o aumento muito significativo de certificados de cadeia de custódia no 1.º semestre de 2012, um crescimento de 26% (20 novos certificados).

A Quercus culpou a falta de ordenamento do território, os escassos apoios ao sector da floresta e a expansão descontrolada do eucalipto pelos incêndios de Verão. Concorda? Porquê?

A análise ao problema dos incêndios florestais é complexa. São várias as razões que explicam os valores de área ardida que Portugal possui, destacando-se o muito elevado número de ocorrências que temos e, por outro lado, numa parte muito significativa do território, a ausência de uma gestão florestal activa devido ao abandono das áreas rurais. Sem rentabilidade, não existe gestão, e sem gestão o ordenamento torna-se impossível.

Quando a este cenário juntamos condições climáticas extremas (meses de seca, temperaturas muito elevadas, ventos fortes) estão reunidas condições para os incêndios causarem um impacto muito forte nestas regiões.

Quais foram os vossos primeiros parceiros em Portugal?

É justo destacar o papel do WWF (World Wide Fund for Nature), que foi a entidade dinamizadora do processo de certificação FSC em Portugal. Em 2006, assumiu a responsabilidade de implementar a Iniciativa Nacional FSC, tendo lançado no final do ano o Grupo de Trabalho FSC, e promovido o processo de constituição da associação que representa o FSC em Portugal – Associação para a Gestão Florestal Responsável, também conhecida por FSC Portugal.

Na fase de constituição do FSC Portugal é também de destacar o papel da Comissão Instaladora, constituída por vários agentes do setor florestal, designadamente, a UNAC -União da Floresta Mediterrânica; a APCOR-Associação Portuguesa da Cortiça; a CAP-Confederação dos Agricultores de Portugal; o Grupo PortucelSoporcel; o ISA-Instituto Superior de Agronomia; a LPN – Liga para a Protecção da Natureza; a QUERCUS-Associação Nacional para a Conservação da Natureza, e a AIMMP-Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal.

Como pode o selo FSC ser promotor das boas práticas ambientais junto do consumidor?

Um consumidor que escolha produtos com a marca FSC está a efetuar uma escolha que garante a gestão responsável das florestas. Sempre que adquirir produtos de origem florestal (madeira, papel, cortiça, embalagens, etc.) com a marca FSC, o consumidor tem garantias quanto à origem e quanto à gestão praticada, que salvaguardou as funções económicas, ambientais e sociais das áreas florestais. As garantias dadas pela certificação FSC são assim promotoras de uma escolha consciente e informada por parte dos consumidores de produtos de origem florestal.

Que boas práticas que devem ser adoptadas para garantir que o património florestal português seja definitivamente aclamado como um activo de valor ambiental, social e económico?

A melhor resposta a esta questão reside na essência da certificação florestal. Ao nível da produção e da indústria florestal, a certificação florestal FSC é o compromisso que distingue práticas florestais responsáveis, ou seja, as práticas de gestão que são implementadas asseguram que produtos de origem florestal provenientes de áreas florestais certificadas e incluídos num certificado de cadeia de custódia, proporcionam ao mercado produtos provenientes de florestas geridas de forma responsável.

O consumidor tem também um papel extremamente importante: ao optar por escolher produtos florestais certificados FSC está a valorizar o património florestal. Por fim, e de uma maneira geral, todas as práticas que reduzam os riscos que ameaçam a floresta portuguesa, em particular o que está relacionado com ações de negligência que provocam os incêndios florestais, devem ser implementadas e divulgadas: não realizar fogueiras e queimadas ou não atirar cigarros para chão.

O selo FSC já está presente em muitos produtos de grande consumo no mercado português. Quais?

Existem vários produtos com a marca FSC no mercado nacional, como mobílias, rolhas de cortiça, revestimentos e isolamentos para a construção civil, papel de escritório, sacos de papel, embalagens de alimentos, entre outros.

Qual a vossa ligação à FSC Internacional e de que forma esta influi a estratégia portuguesa da ONG?

O Forest Stewardship Council (FSC) é uma organização não-governamental, internacional e independente, estruturada em três câmaras – económica, ambiental e social – que define os Princípios e Critérios FSC para uma gestão florestal responsável. É uma entidade acreditadora que regula a utilização da marca FSC, reconhecendo entidades certificadoras como qualificadas para levar a cabo processos de certificação florestal FSC.

Sendo um esquema de certificação florestal internacional, para efeitos de representação local, a solução adotada pelo FSC consubstancia-se na figura das Iniciativas Nacionais. Acompanhando a evolução do FSC no país, as Iniciativas Nacionais FSC, evoluem da figura de Pessoa de Contacto, para Grupo de Trabalho e finalmente para Escritório Nacional, reconhecimento que o FSC Portugal detém atualmente.

O FSC Internacional desenvolve diferentes programas/iniciativas de apoio aos diferentes FSC de âmbito nacional, e que visam promover e divulgar a certificação florestal.

O nome FSC tem uma associação às embalagens Tetra Pak. Qual a vossa relação com esta empresa e que acções desenvolvem em conjunto? 

A Tetra Pak tem um compromisso muito forte com a certificação florestal FSC. Não só ao nível do FSC Internacional, onde é membro da direcção, mas também ao nível da própria empresa, onde assumiu diversos objetivos de certificação, destacando-se o de certificar todas as suas fábricas até 2018, e o de promover a certificação florestal FSC nos seus fornecedores. Ao comercializar embalagens da Tetra Pak com o selo do FSC (em 2010, 28% do cartão fornecido pela empresa foi certificado pelo FSC, o que corresponde a 8,5 mil milhões de embalagens colocadas no mercado com o símbolo do FSC) está também a divulgar o selo FSC e as garantias que este proporciona ao consumidor: e que os produtos de origem florestal que ostentam o símbolo FSC, neste caso embalagens, são proveniente de florestas geridas de forma responsável.

A parceria que estamos agora a desenvolver visa a organização do III Forum FSC, um evento de cariz bianual e onde pretendemos fazer o balanço de seis anos de implantação do FSC em Portugal e promover uma reflexão sobre vários temas associados ao seu desenvolvimento, um dos quais, relevante para a Tetra Pak, é a forma como o FSC pode potenciar o valor comercial de marcas/empresas que queiram assumir este compromisso.





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