O Everest também é um laboratório



Em diversas expedições realizadas recentemente, os investigadores examinaram os níveis de plástico, gelo derretido e oxigénio.

O Monte Everest é conhecido por todos pelo facto de ser a montanha com maior altitude no mundo. O topo está a cerca de 8 850 metros acima do nível do mar, e a subida ao cimo é um desafio que tem motivado muitos corajosos ao longo dos tempos. Desde a década de 90 que a comercialização de escaladas tem vindo a trazer mais visitantes ao topo.

Mas não só de altura e magnificência se faz este local: agora, é também o laboratório mais alto do mundo. Em 1948 a National Geographic começou a financiar a investigação na montanha e na cadeia dos Himalaias para estudar a sua geologia e a adaptação dos seres vivos à altitude. Ao longo de mais de 70 anos têm vindo a ser investigados mais temas, tendo a saúde sido parte do foco dos cientistas, considerando a forma como cada pessoa reage ao baixo nível de oxigénio. Os estudos realizados irão permitir perceber melhor os mecanismos de funcionamento e de adaptação do corpo e criar novas formas de tratamento.

O estudo do clima começou no século XIX, com John Tyndall, que revelou que os gases que compõem a atmosfera, como o dióxido de carbono, absorvem calor em diferentes níveis. Algo muito importante para compreender o fenómeno do efeito de estufa.

Entre abril e junho de 2019, um grupo de cientistas de várias áreas realizou uma expedição científica ao Monte Everest, com o objetivo de estudar os efeitos das alterações climáticas a longo prazo na região, e o impacto que podem ter nas populações junto à Cordilheira Hindu Kush. Para melhor entender a mudança é essencial conhecer a história climática da região. Através da perfuração da camada de gelo em vários locais foi possível obter carotes (cilindros) de gelo que irão permitir conhecer as características da atmosfera na época em que cada camada de gelo se formou.

Em resultado desta expedição foram publicados vários estudos na revista científica One Earth, que confirmam as mudanças ocorridas nas últimas décadas. Desde 1962 que os glaciares à volta da montanha encolheram mais de 100 metros acima dos 6 mil metros do nível do mar, em resultado do degelo. Em causa estão 79 glaciares que sustentam alguns dos maiores rios do Sul da Ásia e que são fundamentais para a sobrevivência das comunidades. Estima-se que vivam 230 milhões de pessoas na região. Além do problema com o desaparecimento do gelo, a poluição do plástico também já chegou a um dos locais mais remotos do planeta.

Após serem analisadas amostras de neve e de água de riachos, numa altura máxima de 8.440 metros acima do nível do mar, foram descobertas partículas de plástico inferiores a 5 milímetros. Estes microplásticos ou são libertados diretamente para o ambiente como pequenas partículas ou resultam da degradação de objetos de plástico maiores. Os pedaços e as fibras encontrados eram de poliéster, provenientes de roupas, equipamentos como cordas, bandeiras e tendas, trazidos pelos visitantes. A sua presença nestes locais é preocupante porque significa a sua dispersão por todo o planeta e pelo facto de poderem ser ingeridos na água que bebemos ou através da cadeia alimentar.

Os plásticos apresentam substâncias químicas como aditivos, estabilizadores ou retardadores de chama, e outras, cujos efeitos podem ser potencialmente tóxicos. O turismo tem impulsionado o aumento de substâncias de plástico em todo o mundo, e a popularidade da subida ao Monte Everest, entre alpinistas, vai continuar a potenciar o aumento da poluição no local. Deve consciencializar-se os turistas sobre esta realidade de maneira a que se respeite este ambiente que, em tempos, era considerado intocável.

Espera-se que expedições como estas promovam a criação de materiais mais sustentáveis e sem plástico na sua composição. Também a maneira como estes são fabricados é essencial para garantir a sobrevivência das espécies e dos ecossistemas, apelando-se a práticas sustentáveis e reduzindo ao mínimo os efeitos prejudiciais para o ambiente. A questão não é deixar de usar materiais e roupas, que são indispensáveis no nosso dia a dia, mas sim garantir que são fabricados de forma eficiente.

O facto de a poluição dos microplásticos ter chegado à Fossa das Marianas, o local mais profundo dos oceanos, e agora também à montanha com maior altitude do mundo, é um alerta para a urgência da mudança dos comportamentos, da ação humana e do impacto que os mesmos têm no ambiente e no planeta.

As alterações climáticas vão continuar a potenciar acontecimentos drásticos e desastres naturais, dos quais se levará décadas a recompor e, em alguns casos, nunca se recuperará totalmente. Os ecossistemas sofrem alterações e as espécies são igualmente afetadas. O futuro está por isso nas mãos de todos nós e depende das decisões que tomamos hoje.

 

Artigo publicado na Revista Green Savers nº 3. Pode subscrever em formato digital aqui.





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