O núcleo interior da Terra está a abrandar a sua rotação. Deveríamos estar preocupados?
Um estudo realizado na Universidade de Pequim descobriu que o centro do planeta está a abrandar a sua rotação. A “Science Focus” falou com Jessica Irving, uma sismologista e professora sénior na Escola de Ciências da Terra da Universidade de Bristol, sobre o que isto significa.
Como é que é o interior da Terra?
A crosta da Terra é feita de rocha. Depois temos esta enorme extensão a que chamamos o manto. É material sólido como rocha, mas está sob alta pressão e alta temperatura, por isso é diferente das rochas que se encontraria se vagueasse por um parque.
Para além do fundo do manto, entramos nas regiões mais profundas da Terra, até ao núcleo. Lá deixamos as rochas para trás e entramos numa grande bola feita de ferro no centro. Isso acabou lá porque o ferro é mais pesado do que a rocha.
Estamos a falar de uma bola enorme que é cerca de metade do raio da Terra, feita de metal. Mas também podemos dividir esse núcleo em mais dois pedaços distintos.
Temos o núcleo exterior, que é feito de metal derretido que é quase tão fluido como o mel. Depois, no meio, temos o núcleo interior sólido, que tem um raio de cerca de um quinto do raio da Terra.
Como estudamos as mudanças no núcleo da Terra?
Temos uma variedade de técnicas diferentes para fazer aquilo a que chamamos observações indiretas. Nenhum buraco que tenha sido cavado vai ajudar. O buraco mais profundo de sempre foi um pouco mais de 12 quilómetros de profundidade.
Para chegarmos ao núcleo interior, precisamos de descer milhares e milhares de quilómetros e certamente não temos amostras. Os sismólogos olham para um registo de uma onda de terramoto que atravessou o manto rochoso – o núcleo exterior líquido, para o núcleo interior – e todo o caminho de volta para fora e para o outro lado do planeta.
Depois tentam procurar outro terramoto que ocorreu o mais próximo possível e que foi detetado exatamente pelo mesmo sismómetro.
O que causa a rotação do núcleo?
O núcleo interior tem um par de forças diferentes que podem fazê-lo rodar de forma diferente. Estamos a falar da rotação diferencial do núcleo, a ligeira diferença em relação ao que experimentamos em pé na superfície. O núcleo da Terra é de onde vem o nosso campo magnético.
É conhecido como geodinamo e é gerado pelo ferro fundido que se move no núcleo exterior da Terra. O campo magnético estende-se muito para além da superfície do planeta. Pode vê-lo no espaço. Temos muita sorte em tê-lo lá porque protege a Terra da radiação cósmica.
É gerado no núcleo exterior, e é possível que existam elementos tortuosos ou toroidais desse campo que possam realmente atuar no núcleo interior para o torcer ligeiramente. Assim, podem causar um pouco de rotação diferencial do núcleo interior. Mas isso não é a única coisa que acontece lá em baixo.
Há também forças gravitacionais em jogo. O fundo do manto terrestre é um pouco irregular. A gravidade gostaria que estas estruturas irregulares permanecessem alinhadas em relação ao núcleo interior para as manter estáveis.
Mas as forças eletromagnéticas gostariam de puxar o núcleo interior e de o fazer rodar. Portanto, temos esta enorme batalha em jogo mesmo no centro do nosso planeta entre estas diferentes forças.
O que é que o novo estudo encontrou?
Descobriu que quando olharam para pares de terramotos que ocorreram o mais próximo possível juntos em alturas diferentes, digamos, nos anos noventa, pareciam mostrar algumas diferenças na forma como as ondas sísmicas atravessavam o núcleo interior. Mas os pares de terramotos mais recentes parecem não mostrar diferenças.
Portanto, o que o estudo essencialmente diz é que talvez a rotação do núcleo interior esteja a acontecer a uma velocidade ligeiramente diferente em relação aos pedaços rochosos da Terra. É o grande avanço. No entanto, tem alguns efeitos secundários. Pode estar ligado a mudanças tão ligeiras na duração de um dia. E esta é uma das conclusões que este documento extrai.
Quão grande efeito poderá isso ter?
Não é tempo suficiente para tomar uma chávena de chá extra pela manhã. Estas são realmente pequenas mudanças de talvez um décimo de um milissegundo na duração de um dia.
O que podemos aprender com estudos como este?
Quero que fique claro que existem diferentes cientistas a estudar isto. Alguns deles pensam que o núcleo interior está a mudar ligeiramente a sua taxa de rotação. Mas o que estamos realmente a estudar é a dinâmica do que acontece dentro de um planeta. Sabemos que nem sempre tivemos um núcleo interior, mas nem sequer sabemos a sua idade.
Tem atualmente um raio de cerca de um quinto do da Terra, mas talvez se recuarmos mil milhões de anos, nem sequer estivesse lá. Tem vindo a crescer lentamente ao longo de muitos milhões de anos. Também não compreendemos exatamente como é que o crescimento do núcleo interior poderia ter mudado o nosso campo magnético, embora saibamos que o deve ter feito.
Como cientistas, ainda estamos realmente a tentar compreender o que se passa no meio de um planeta. A Terra é o planeta que podemos estudar mais facilmente, mas os cientistas também estão interessados no que se passa no núcleo de Marte, por exemplo. Há também missões para estudar o núcleo de Mercúrio. Estamos neste lugar onde começamos realmente a compreender como funcionam os planetas.
Também gostaríamos de compreender melhor como funciona o campo magnético da Terra. Sabemos, por exemplo, que ele se inverte, mas sabemos que isso não é um processo que acontece como um relógio. É realmente complicado.
Portanto, se conseguirmos compreender o que o núcleo interior está a fazer, poderemos ser capazes de compreender um pouco mais sobre os diferentes tipos de processos do campo magnético e isso poderá ajudar-nos a compreender como funciona o nosso escudo protetor. Qualquer pedaço de dados é realmente útil.