O que os olhos não veem: Biodiversidade dos solos é afetada pela forma como usamos a terra
Não é frequente pensar no solo como um organismo vivo, mas antes como uma massa inerte e sem vida. Contudo, essa ideia não poderia estar mais longe da verdade.
Na terra que muitas vezes pisamos sem lhe prestar atenção, vive um sem número de seres vivos, não só à superfície, mas sobretudo abaixo dela, onde habita um sem número de organismos, desde as bactérias microscópicas até a vertebrados como a toupeiras, passando por diversos invertebrados, como os vermes e insetos, e pelas plantas e fungos.
Um novo estudo, publicado na BMC Ecology and Evolution, quer mostrar que o solo é, afinal, um ‘ponto quente’ de biodiversidade, que deve ser protegida e que é essencial para a múltiplas espécies, incluindo a humana, tende a ignorá-la.
Victoria Burton, a principal autora do estudo, explica que o solo “é vital para as teias alimentares terrestres em todo o mundo” e, por isso, lamenta que os indicadores usados normalmente para avaliar a qualidade do solo se limitem ao que está à superfície.
“Se medirmos apenas como animais como os pássaros e as borboletas respondem às alterações [do solo], podemos estar a implementar medidas de restauro que não ajudam – ou até prejudicam – as espécies do solo”, alerta a especialista do Imperial College, em Londres. “Para restauramos os ecossistemas, temos de adotar uma visão mais abrangente”, acrescenta, tanto acima como abaixo do solo.
No artigo, os autores escrevem que “os atuais indicadores, modelos e estruturas usados para monitorizar e combater a perda de biodiversidade podem ser insuficientes para salvaguardar a biodiversidade do solo que é necessária para promover a função dos ecossistemas”.
A terra que tomamos como garantida não surge por geração espontânea. É o resultado de um demorado processo de erosão, em que a água das chuvas ou o congelamento e derretimento do gelo quebra a rocha, conhecida como a rocha-mãe. Nas fendas abertas, organismos como os líquenes e plantas fixam raízes e intensificam ainda mais a desintegração das massas rochosas.
Os pequenos pedaços de rocha resultantes acabam por misturar-se com a matéria orgânica criada por plantas e outros organismos que vão morrendo. Depois de vários milhares de anos, essa combinação eventualmente dá origem ao que hoje conhecemos como o solo. Por isso, protegê-lo devidamente é fundamental, pois a sua recuperação não é algo que possa acontecer do dia para a noite e sua degradação tem impactos negativos bastantes amplos.
Atividades como a agricultura intensiva, o uso de químicos tóxicos, a construção urbana e a desflorestação são algumas das principais causas da destruição dos solos apontadas pelos autores do artigo, que escrevem que o uso da terra afeta de forma diferente a vida à superfície do solo e a que reside abaixo dela.
Algumas das conclusões da investigação indicam que, por exemplo, o cultivo da terra reduz muito mais a biodiversidade no solo do que à superfície, ao contrário da pastorícia, que causa muito pouca perturbação física do solo e pode até acrescentar-lhe nutrientes, através das fezes dos animais herbívoros.
“Embora este resultado não seja surpreendente, a diferença é maior do que eu esperava”, confessa Burton, reconhecendo que é preciso mais trabalho para perceber por que razão algumas atividades afetam a diversidade de vida do solo mais do que outras. Será porque os organismos nuns solos são mais resilientes do que outros? Ou serão algumas atividades mais prejudiciais do que outras? São as respostas para essas questões que os investigadores esperam poder desenterrar.
Numa entrevista recente, Maria José Roxo, Professora Catedrática da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, disse que o solo “é um elemento vivo”, composto de água, de oxigénio, de animais microscópicos, de fungos e de bactérias, e que “as pessoas tendem a pensar que este recurso é infinito”.
“Precisamos de ter muito cuidado na utilização do solo, porque muito facilmente podemos destruí-lo”, avisa a especialista em solos, assinalando que, depois de destruídos, “será muito difícil recuperá-los”.