Ondas de calor marinhas podem resultar na morte de milhões de aves meses depois de terem acontecido
São cada vez mais frequentes os relatos de animais que dão à costa mortos, desde cetáceos a aves marinhas. Estes arrojamentos podem ser atribuídos a várias causas, sendo que terão um denominador comum: as alterações climáticas intensificadas pelas ações humanas sobre o planeta.
Em janeiro deste ano, as praias do concelho de Torres Vedras viram dar à costa sem vida dezenas de papagaios-do-mar e tordas-mergulheiras, e suspeita-se de que as mortes tenham sido causadas por tempestades fortes que impediram esses animais de caçarem, resultando na sua subnutrição e eventual morte.
Contudo, esse é apenas um dos reflexos das alterações climáticas que estão a colocar em risco as populações de várias espécies marinhas, incluindo aves. Outra será as ondas de calor marinhas, aumentos vertiginosos, e que podem ser persistentes, da temperatura da água do mar.
Investigadores dos Estados Unidos da América (EUA) analisaram os arrojamentos de aves marinhas ao longo da costa leste do continente, desde o centro da Califórnia até ao Alasca, e concluíram que as ondas de calor marinhas persistentes podem causar a morte massiva desses animais meses depois de a subida de temperatura ter acontecido.
Julia Parrish, especialista em ambientes marinhos da Universidade de Washington e uma das principais autoras do artigo publicado recentemente na revista ‘Marine Ecology Progress Series’, fala de um “efeito retardado dramático”.
A cientista diz que oceanos mais quentes, e sobretudo subidas abruptas da temperatura marinha como as que acontecem durante eventos climáticos como o El Niño ou fruto das ondas de calor marinhas, “resultarão na morte de centenas de milhar a milhões de aves marinhas um a seis meses após o aumento da temperatura”.
A investigação debruçou-se sobre dados de arrojamentos de aves marinhas registados entre 1993 e 2021 na costa leste do continente norte-americano, e verificaram que eventos de morte em massa, em que o número de aves mortas ultrapassou os 250 mil indivíduos, terão ocorrido uma vez a cada 10 anos. No entanto, entre 2014 e 2019, foram registados cinco eventos desse tipo, evidenciando um agravamento preocupante.
Timothy Jones, principal autor do estudo, afirma que estamos perante um fenómeno “sem precedentes”.
“Este tipo de morte em massa pode ser comparado a uma tempestade catastrófica que esperaríamos que acontecesse uma vez a cada 10 anos”, explica, acrescentando que esses eventos extremos “acontecem, causando danos enormes, mas normalmente há tempo suficiente para que as áreas recuperem”.
No entanto, diz que entre os anos de 2014 e 2019 o número de aves marinhas que deram à costa mortas não foi apenas o maior alguma vez registado, “mas continuaram a acontecer ano após ano, como uma tempestade catastrófica a rebentar sem falhar todos os anos”.
Os cientistas acreditam que a temperaturas marinhas consistentemente altas na região nordeste do Oceano Pacífico terão sido a causa dessas mortes. Os dados mostram que os relatos de aves mortas a dar à costa começaram meses depois de se terem registado os picos de temperatura da água do mar.
Embora argumentem que as causas das mortes possam diferir, todas podem ser associadas ao aquecimento marinho, que pode provocar a proliferação excessiva de algas tóxicas, aumentar a probabilidade de surtos de doenças e causar a escassez ou deslocação para outras áreas de peixes de que as aves marinhas dependem para se alimentarem.
Julia Parrish avisa que o aquecimento das águas marinhas transformará os oceanos do planeta e que isso poderá significar “menos aves”.
Os investigadores confessam alguma incerteza sobre se estes eventos de aquecimento repentino dos mares serão fenómenos esporádicos ou se serão algo que acontecerá com cada vez maior frequência. E questionam se os eventos de mortalidade massiva de aves marinhas poderão reduzir se o aquecimento da Terra desacelerar, admitindo, contudo, que isso é “uma visão otimista dado o contínuo aumento das emissões globais de gases com efeito de estufa”.