ONG alerta que projeto de desenvolvimento na Índia pode ameaçar “uma das tribos mais isoladas do mundo”

Um relatório publicado pela organização não-governamental Survival International avisa que um projeto de grandes dimensões do governo indiano para a Ilha de Grande Nicobar (Índia) poderá devastar o povo Shompen, considerado “uma das tribos mais isoladas do mundo”.
Em comunicado, a organização avança que o plano, que pretende criar “a Hong Kong da Índia”, inclui a construção de um mega-porto, uma base militar, uma central energética e uma cidade para 650 mil pessoas, bem como a atração de milhões de turistas todos os anos para a pequena ilha do Oceano Índico.
De acordo com a Survival International, cerca de 300 Shompen vivem no interior da ilha, caracterizada pelas suas frondosas florestas húmidas, e muitos não tiveram ainda qualquer contacto com o mundo exterior. A organização diz ter encaminhado o relatório para várias agências das Nações Unidas, na esperança de que o projeto seja abandonado.
A Ilha de Grande Nicobar faz parte de um arquipélago índico no qual se localiza também a Ilha de Sentinela do Norte, onde no início deste mês um youtuber norte-americano tentou contactar as tribos isoladas que aí vivem, do povo dos Sentinelas. Tudo indica que o homem terá sido detido pelas autoridades indianas.
Os Shompen têm economias e modos de vida baseados na caça e na recoleção e, segundo o relatório, são considerados pelo governo indiano como um “Grupo Tribal Particularmente Vulnerável”. Entre as principais ameaças que serão lançadas sobre esse povo pelo projeto em causa estão, diz a Survival International, a destruição ambiental, com o corte previsto de milhões de árvores, a degradação do seu território ancestral, a poluição de rios e outros cursos de água, a perda de ecossistemas e de fontes de alimento.
As doenças estão também no topo da lista de ameaças que os Shompen podem enfrentar. Povos isolados podem não ter imunidade a doenças transportadas por forasteiros e podem sofrer fortes declínios populacionais por causa disso.
Além disso, os relatores alertam ainda para o risco de a tribo poder vir a ser explorada para efeitos turísticos e de essas pessoas poderem ser atrações em “safaris humanos”.
Por todas essas razões, a Survival International considera que o plano de desenvolvimento promovido pelo governo indiano poderá resultar em genocídio, apontando que o projeto “provavelmente” levará a “aniquilação dos Shompen”.
Porque esse povo nativo não foi previamente consultado sobre o projeto, a organização diz que está a ser violado o direito internacional, designadamente a Convenção dos Povos Indígenas e Tribais, datada de 1989, da Organização Internacional do Trabalho, e que obriga os Estados-signatários a reconhecerem e a respeitarem os direitos desses povos à sua própria existência, aos seus modos de vida. Contudo, a Índia é um dos países que não ratificou o tratado.
Em fevereiro passado, um grupo de 39 académicos especializados em genocídio escreveu uma carta ao governo indiano a alertar que, se o plano avançar, “será uma sentença de morte para os Shompen, equivalente ao crime internacional de genocídio”, recordando que esse povo “vive há centenas, se não milhares, de anos em harmonia com o rico mundo natural da Ilha de Grande Nicobar, em grande parte sem contacto com forasteiros”.
“Por isso, apelamos ao governo da Índica e a todas as autoridades competentes para que cancelem urgentemente todos os planos relativos aos mega-projeto para Grande Nicobar”, escrevem os especialistas.
Perante as críticas, o governo já veio a público garantir que os Shompen não serão afetados pelo projeto. Segundo o jornal ‘The Hindu’, em agosto do ano passado o ministro do Ambiente Bhupendra Yadav assegurava que o projeto não perturbará esse povo nem obrigará à sua deslocação.
Para Caroline Pearce, diretora da Survival International, “este projeto pareceria absurdo se não fosse tão mortífero”. A responsável considera que os Shompen “têm o direito de sobreviver” e que “só querem ser deixados em paz”, salientando que o governo da Índia deve abandonar o projeto “em vez de avançar e condenar os Shompen à aniquilação”.