ONG do ambiente lançam manifesto contra facilitação de habitação em reservas
Uma dezena de organizações não-governamentais (ONG) do ambiente lançaram um manifesto em que “repudiam as intenções do Governo” de facilitar a construção de habitação em terrenos das reservas Agrícola e Ecológica nacionais, afirmando-se contra “uma agenda de promotores imobiliários”.
No manifesto, as ONG “unem-se em apoio à habitação pública em zonas urbanas consolidadas” e “à reabilitação de imóveis devolutos, e à reconversão de edifícios de escritórios também desocupados, para habitação a custos controlados”, posicionando-se ainda na “defesa e preservação dos solos de Reserva Agrícola Nacional (RAN) e Reserva Ecológica Nacional (REN)”.
As organizações “repudiam as intenções do Governo de facilitar a edificação em RAN” e lutam pelo que consideram essencial: “o acesso à habitação digna a custos comportáveis, a conservação de uma reserva de solos, cada vez mais raros e insubstituíveis, constituindo um verdadeiro seguro para a segurança alimentar no futuro, em contexto de alterações climáticas”.
Além da “defesa da biodiversidade, das infraestruturas verdes e da conectividade ecológica”, as associações manifestam-se “contra uma agenda de promotores imobiliários e de negócios em torno de mais construção”.
A ciência, sublinham, aponta para a necessidade de frear a construção fora de áreas urbanas, tal como dispõe a lei de bases gerais da política pública de solos, ordenamento do território e urbanismo (2014) e o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), de 2015, estipulando que “a reclassificação do solo como urbano é limitada ao indispensável” e à “demonstração da sustentabilidade económica de financeira da transformação do solo rústico em urbano”.
Nesse sentido, as organizações Associação Evoluir Oeiras, Associação Natureza Portugal/WWF, Campo Aberto, Fapas, GEOTA, Liga para a Proteção da Natureza (LPN), Quercus, Zero, SOS Quinta dos Ingleses e Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) lembram que a proteção do ambiente e a mitigação e adaptação às alterações climáticas “são fundamentais” para o bem-estar humano e a coesão social.
“Tanto a Habitação (artigo 65.º) como o Ambiente e qualidade de vida (artigo 66.º) são direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa”, salientam as ONG, com “profunda apreensão para com os discursos de autarcas que procuram criar uma falsa dicotomia entre o direito à habitação digna e o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado”.
Os ambientalistas repudiam “a falsa ideia de que a crise da habitação” se deve a “instrumentos de ordenamento do território que imponham restrições à construção” e contestam que essa crise se resolva com a desafetação de solos da RAN, quando “apenas 4% do território nacional é ocupado por solos muito férteis” e tendo em conta que “a selagem dos solos promoverá uma degradação total e irreversível à escala humana”.
Os subscritores do manifesto repudiam também “as tentativas de desclassificação de áreas RAN e REN sob pretextos de instalação se projetos incompatíveis com a classificação de uso do solo” e alertam para “a necessidade de valorizar os solos de qualidade, designadamente de RAN, como recursos valiosos” para a produção local de alimentos, um recurso não renovável e com valor acrescido em grandes áreas populacionais e no contexto de alterações climáticas.
As associações, que disponibilizam o manifesto a todos os que se queiram associar no ‘site’ da Fapas, invocam “a urgência de considerar as áreas REN como elementos indispensáveis ao equilíbrio ecológico” e uma “ferramenta insubstituível na qualificação territorial sustentável” e na preparação para a adaptação aos efeitos das alterações climáticas.
No texto “Em Defesa do Solo Rústico”, o presidente da direção da Fapas – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade, Nuno Gomes Oliveira, salienta que a RAN, criada em 1982 por iniciativa do então ministro de Estado e da Qualidade de Vida, Gonçalo Ribeiro Teles, foi considerada “um avanço legislativo de grande mérito e alcance no ordenamento do território”.
Em relação à aprovação pelo Conselho de Ministros, em 28 de novembro, da alteração ao RJIGT que cria um regime excecional de reclassificação de solos rústicos para solos urbanos, para construção de habitação, a conclusão é clara: “Se a intenção é boa, aumentar a oferta de habitação acessível, tememos que o resultado seja catastrófico.”
O dirigente da Fapas notou que, ao longo de 42 anos, a transposição da RAN para os Planos Diretores Municipais (PDM) foi feita, “na generalidade, de modo cego, por pseudo-urbanistas”, criando nas periferias urbanas bolsas sem dimensão, “o que levou ao abandono de muitas parcelas agrícolas por falta de viabilidade de exploração”.
As “bolsas inúteis de RAN deram lugar a apetites urbanísticos e muitos empresários da construção civil foram adquirindo esses terrenos a baixo preço, na expectativa de que, um dia, ali pudessem construir”. “Esse dia parece ter chegado”, notou Gomes Oliveira.
Para o dirigente, a intenção de reclassificar 61 áreas protegidas, libertando terrenos que não sejam considerados ‘habitat’, pode levar as instituições europeias a sancionar Portugal por desrespeito da legislação comunitária. Em relação à imprescindibilidade dos terrenos cultiváveis, acrescentou: “Casas podem fazer-se sobrepostas, em andares; hortas e campos de cereais só têm um nível, o do solo.”