“Os FELPT reconhecem que o Planeta enfrenta uma emergência climática”



Os últimos anos foram marcados pelo impacto da pandemia do SARS-COV2 e, mais recentemente, pelo conflito bélico que observamos na Ucrânia. Dois eventos ao qual o setor energético não se manteve alheio e que tiveram um impacto significativo a nível global. Em entrevista à Green Savers, Pedro Ferreira, presidente dos FELPT, explica os principais desafios e oportunidades da transição energética.

Os Future Energy Leaders Portugal publicaram um estudo sobre “O Impacto Ambiental da Descarbonização do Sistema Elétrico Português: Avaliação do Ciclo de Vida”. Como surgiu a ideia e o que pretende demonstrar este estudo?

A transição energética é um dos tópicos mais prementes na atualidade. No contexto geopolítico, onde têm surgido diversos acordos internacionais para a descarbonização dos sistemas elétricos, as energias de fontes renováveis surgem como um dos pilares nesta estratégia. Em Portugal, o PNEC 2030 é um instrumento alinhado com este contexto descrito e, apesar de promover de facto a descarbonização, não existe uma análise sistemática sobre os vários impactos que provêm das tecnologias de produção renovável, tais como impacto no uso do solo, consumo de água, uso de recursos minerais e pegada carbónica numa perspetiva de ciclo de vida. De facto, apesar de não serem emiti[1]dos gases com efeito de estufa durante a produção elétrica, existe um impacto na construção, operação e desmante[1]lamento de centrais eletroprodutoras. Conhecer quais são os impactos é fundamental para serem desenvolvidas estratégias mitigadoras desses mesmos impactos. Foi, então, com o objetivo de lançar a discussão neste tópico que os FELPT escreveram um estudo de análise de ciclo de vida das várias tecnologias, prevendo os seus impactos no sistema elétrico português, tendo em conta as capacidades instaladas de acordo com o PNEC 2030. Em Portugal, é particularmente alar[1]mante o número de parques eólicos que se aproximam do fim de vida e surge a preocupação relativa ao destino que deverá ser dado ao material. Estratégias como o ecodesign permitem acelerar a circularidade neste setor. Para minimizar os impactos negativos do crescimento dos resíduos associados às renováveis torna-se imperativo reforçar as políticas ambientais e fomentar estratégias de economia circular no setor.

Quais as vossas expectativas para 2022 em relação ao setor das energias renováveis em Portugal? Quais as grandes oportunidades e desafios?

Os últimos anos foram marcados pelo impacto da pandemia do SARS-COV2 e, mais recentemente, pelo conflito bélico que observamos na Ucrânia. Dois eventos ao qual o setor energético não se manteve alheio e que tiveram um impacto significativo a nível global. Com a guerra a leste do seu continente, a Europa percebeu a capital importância de diminuir a dependência externa, relativamente ao seu abastecimento energético. Neste sentido, as energias renováveis afiguram-se como o principal motor de crescimento, onde Portugal observa condições fantásticas para aumentar a sua potência renovável e prosseguir a estratégia de eletrificação crescente da economia. Com o presente contexto geopolítico, as metas estabelecidas no PNEC 2030 estão desatualizadas e vão certamente ser revistas, sobretudo no incremento da produção renovável, com ênfase no fotovoltaico e eólico. Este último via repowerment de parques com tecnologias mais antigas e com o desenvolvimento do parque offshore. Com este incremento de produção renovável e variável, será permitido ao sistema elétrico nacional preservar água nas barragens por não turbinagem, ou até mesmo fazer uso da bombagem de água de jusante para montante e usar essa água em períodos de maior consumo. Com o objetivo de cumprir as metas definidas pelo Roteiro da Neutralidade Carbónica para 2050 (RNC), relativas à descarbonização da economia de Portugal, foi estabelecida a ideia de atingir 80% da produção de energia renovável até 2030, mantendo o atual ritmo crescente de ligação à rede dos vários projetos renováveis. Não obstante, esta meta poderá ser atingida antes dos prazos estipulados. Os maiores desafios que se colocam ao planeamento e operação do sistema elétrico português, que será maioritariamente composto por fontes renováveis como o sol, a água e o vento, são diversos e devem ser antecipados e devidamente planeados. Os FELPT estão a estudar, de forma aprofundada, os impactos que a integração massiva de tecnologias de produção de energia elétrica renovável e variável induzirá no sistema elétrico nacional. O nosso grupo apresentou o seu estudo, sob a forma de White Paper, disponibilizando para toda a sociedade portuguesa os resultados, e promoveu, também, uma sessão de debate com especialistas da área com o objetivo de sensibilizar o sector para os desafios que se aproximam. A não controlabilidade do recurso primário, nomeadamente do vento e do sol, induz incerteza do lado destas fontes de geração, pelo que é de esperar que, nos próximos anos, continue a ser necessário recorrer a centrais térmicas de ciclo combinado, a gás natural, para garantir potência firme (backup) ao sistema elétrico nacional. No entanto, e para cumprir as metas definidas pelo RNC, não descurando a segurança de abastecimento e mantendo os níveis de fiabilidade da rede elétrica, devem ser aprofundados estudos, que deverão ser realizados em contexto ibérico, dada a geografia do território. É necessário ter presente os mais que anunciados, e cada vez mais prolongados no tempo, eventos climatéricos extremos, que a Península Ibérica tem vindo a sofrer, como secas severas e prolongadas, em simultâneo com períodos de menor abundância de vento e reduzida incidência solar associada normalmente aos invernos.

A transição energética não pode deixar de ser inclusiva. Na vossa opinião, como podemos reduzir dependências bilaterais, estimulando a diversidade de origens e assegurando maior equidade entre todos?

Os estudos que os FELPT têm apresentado e vão continuar a promover inserem-se sempre dentro dos pilares do trilema energético: segurança de abastecimento, sustentabilidade ambiental e equidade energética. Neste contexto, a nossa comunidade irá apresentar, nos próximos meses, dois White Papers que se inserem no tópico da equidade energética: um, que se enquadra na temática da análise da pobreza energética em Portugal e correlaciona com parâmetros socioeconómicos; e outro, que se debruçará sobre uma potencial solução jurídico-legislativa inovadora, onde é apresentada uma estratégia para incentivar empresas privadas a investir em projetos de combate à pobreza energética, acelerando, assim, o processo de transição energética de forma justa. No seguimento destes estudos, iremos promover duas sessões de debate abertas a toda a sociedade portuguesa com o intuito de expor os resultados que obtivemos. Um dos principais objetivos do programa FELPT é contribuir para incrementar a literacia energética em Portugal. Com estes eventos pretendemos trazer diferentes visões e soluções para os desafios mais prementes do setor. Em particular, no pilar da equidade energética, uma vez que consideramos que as pessoas devem estar no centro das decisões políticas. Por exemplo, a garantia de acesso à energia de forma justa e acessível é fundamental para potenciar a redução da pobreza energética. Em Portugal, o nível de acesso à energia elétrica é de 100%, tendo o nosso território condições suficientes para satisfazer de modo consistente a procura, e providenciar energia com qualidade e de forma fiável. Desta forma, a margem de melhoria na dimensão da equidade energética portuguesa deve focar-se nos preços da energia – designadamente, deve ser analisada a evolução temporal dos preços e o impacto que as taxas e os impostos exercem no valor final de venda ao consumidor. Foi sobre este tema que, em 2021, os FELPT estudaram o panorama energético nacional, considerando os dados históricos dos últimos anos. Nesse âmbito, avaliaram os preços das principais fontes de energia – elétrica, combustíveis para transporte rodoviário (gasolina e gasóleo) e gás natural – que constituem um aspeto central para garantir a equidade da energia.

O processo de transição energética não é, no entanto, isento de desafios e requer uma forte aposta na tecnologia e digitalização ao longo de toda a cadeia de valor. Consideram que Portugal está bem preparado para encarar este processo?

De facto, a transição energética é um processo que não está isento de desafios e trouxe ao setor da energia temas como a descarbonização, a descentralização ou a digitalização. Na lógica de ligação entre os três temas, o aumento gradual do peso das energias renováveis na produção de eletricidade permitirá o desenvolvimento de redes de energia inteligentes e servirá como base para potenciar o autoconsumo de forma digital e sustentável. No entanto, devemos, também, atentar a novas soluções tecnológicas, como o hidrogénio verde ou os biocombustíveis, para áreas que, pela sua natureza, dificilmente serão eletrificadas com um custo/beneficio positivo, como os transportes marítimos ou a aviação, e a área da indústria mais pesada, como as cimenteiras, o aço ou o vidro. Portugal destaca-se por ter uma das maiores taxas de penetração de energias renováveis no setor elétrico a nível mundial, ter uma elevada capacidade de armazenamento energético por via das suas centrais hídricas reversíveis e ser um pioneiro ao nível do desenvolvimento de tecnologia e inovação na área da energia dos oceanos e eólica flutuante. Este know-how, adquirido com a aplicação bem-sucedida de uma estratégia de descarbonização iniciada há mais de duas décadas, torna o nosso país um dos mais bem preparados para encarar os desafios da transição energética. A descarbonização da economia mundial é fulcral para garantir que as próximas gerações tenham a mesma qualidade de vida e, neste sentido, é urgente centrar o processo de transição energética nas pessoas. Este conceito tem vindo a ser realçado pelo World Energy Council, que refere a necessidade de humanizar a transição energética e envolver a sociedade no processo de tomada de decisão. Aqui reside a essência da descentralização e democratização da energia, com a mudança de paradigma em que as pessoas, por meio da evolução tecnológica, passam a desempenhar um papel ativo na transição energética. Deste modo, os consumidores podem tornar- -se produtores. Com a revolução nos sistemas de armazenamento, poderá ser possível armazenar os excessos de energia elétrica, produzida localmente, para usar mais tarde ou devolver à rede nacional. Juntamente com a adoção massiva da mobilidade elétrica, é inevitável o aparecimento de comunidades de energia, que podem ter existência física, sob o domínio de uma microrrede elétrica, tecnologicamente composta por hardware sofisticado e com soluções como o 5G, IoT (Internet of Things), Inteligência Artificial e Cloud, o que possibilita a cada pessoa o controlo total e a gestão dos consumos, permitindo ainda a transação financeira da energia elétrica.

Como é que os Future Energy Leaders Portugal pretendem participar nas iniciativas globais de resposta às alterações climáticas?

Ano após ano, com a entrada de novos membros no programa FELPT, o objetivo permanece o mesmo: reunir um grupo de jovens profissionais abrangente que cubra a globalidade do espetro do setor da energia. Esta comunidade destaca-se pela diversidade de perfis académicos e de contextos profissionais, o que permite que, ao longo do ano, consigamos produzir documentos técnicos e de opinião sobre temas que rodeiam o setor, publicar estudos e análises sobre os desafios que este enfrenta e, baseados nesses estudos, fazer recomendações e dar soluções para os problemas. É nesse sentido que foi elaborada a avaliação da vertente da sustentabilidade no relatório sobre o Trilema Energético Português. Os FELPT reconhecem que o planeta enfrenta uma emergência climática que requer uma mudança sem precedentes, suportada em compromissos sociais de longo prazo e planos de transição energética eficazes e sustentáveis. O programa é promovido pela Associação Portuguesa da Energia e tem como missão contribuir para a aceleração da transição energética, através dos seus membros enquanto embaixadores das práticas sustentáveis e promotores da inovação no setor. Além disso, o programa tem por objetivo o desenvolvimento de ações que reforcem o papel do setor energético na economia e na qualidade de vida em Portugal, sempre enquadrado com os princípios de justiça social e da sustentabilidade ambiental. Os FELPT promovem a reflexão sobre os grandes desafios que o setor enfrenta a nível mundial e pretendemos, localmente, contribuir com propostas que ajudem Portugal a desempenhar papel relevante na transição energética. O esforço mundial para atingir a neutralidade carbónica não deve centrar-se apenas na questão política, pese embora a sua relevância para estabelecer as políticas públicas nos planos de transição energética, mas numa mudança de atuação global. Os FELPT acreditam que o sucesso desta transição apenas será possível com um compromisso amplo, da sociedade civil e das suas instituições, em atingir as metas globais para um desenvolvimento socioeconómico sustentável e consciente. A nível nacional, os FELPT reiteram o seu compromisso em trazer estas temáticas a debate para que a descarbonização da economia seja executada de modo mais responsável e informado.

 





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