Os melhores e os piores factos de 2021 e as expectativas ambientais para 2022, segundo a Quercus



Numa altura em que a Covid-19 continua no topo das preocupações, a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza recorda que o eclodir das pandemias está inextricavelmente associado à perda da biodiversidade, à destruição de habitats selvagens e às alterações climáticas. Razões por que o Governo e todas as autarquias, tal como as empresas, têm mais do que nunca a responsabilidade de reforçar estratégias e investimentos rumo à promoção de uma verdadeira estratégia nacional para a biodiversidade e de conservação das áreas protegidas e a proteger, incluindo os vastos recursos oceânicos nacionais.

No dia em que foi publicada a  Lei de Bases do Clima (Lei n.º 98/2021), que reconhece vivermos na atualidade uma situação de “emergência climática”, a Quercus recorda ao Executivo que a neutralidade carbónica deve ser atingida o mais tardar em 2040, se queremos garantir a segurança climática às gerações vindouras, isto é, assegurar que a temperatura global se mantém abaixo dos 1,5ºC.  “A aplicação em curso de verbas massivas no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) continua a subestimar fortemente o potencial das medidas ambientais e climáticas na promoção dos empregos verdes e numa recuperação económica  sustentável e com visão de futuro, de que são (péssimos) exemplos a aposta nas monoculturas intensivas e nas culturas de regadio, geradoras de poluição, escassez hídrica e destruição da paisagem”, indica a Associação no comunidado.

 

Os piores factos ambientais de 2021

Não à prospeção e ao licenciamento de recursos minerais em áreas protegidas e onde há forte contestação popular

A Quercus repudiou a assinatura dos contratos de concessão de vários processos de exploração mineira, entre eles alguns dos mais polémicos e mais gravosos ambiental e socialmente, de que são exemplos a mina da Argemela, Lagoa Salgada, Borralha, ou a enorme concessão à Fortescue, em Trás-os-Montes, sem que, na maioria estejam concluídos os processos de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA).

Aumento previsto das áreas limites de eucalipto por concelho em mais 37 mil hectares face à meta traçada para 2030

Embora a Estratégia Nacional para as Florestas (ENF) estabeleça para 2030 uma meta máxima de 812 mil hectares de plantações de eucalipto no território continental português, o facto é que o  6.º Inventário Florestal Nacional (IFN6), decorrente da recolha de imagens realizada em 2015, apontava já para uma área continental de cerca de 845 mil hectares ocupados por esta espécie exótica. Ou seja, superior à meta da ENF em cerca de 33 mil hectares. Assim, a Quercus estranha que “o Governo esteja neste momento a preparar um diploma legal para fazer aumentar os limites máximos de área de plantações de eucalipto por município. O acréscimo global aponta para cerca de 37 mil hectares.”

Novo aeroporto: Falha na AAE põe em causa seriedade do processo

Pese embora o falhanço do Processo de Avaliação de Impacte Ambiental tenha deixado claro que todo o processo de seleção da Base Aérea N.º 6 (Montijo), com vista à instalação do Novo Terminal de Aeroporto, esteja enviesado e seja incapaz de promover a proteção das zonas húmidas do local e o respeito pelos valores legais do ruído aquando da sua exploração, além da segurança aeronáutica, o Governo lançou um concurso público internacional para uma avaliação estratégica que carece de seriedade e de estratégia e está longe de corresponder às necessidades de encontrar uma solução que salvaguarde a preservação dos ecossistemas e a qualidade de vida das populações locais.

Barragem do Pisão

O Empreendimento de Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato, mais conhecido por barragem do Pisão, foi inscrito para investimento no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), apesar da oposição da Quercus e de outras entidades na fase de consulta pública do PRR, devido aos elevados impactes ambientais sobre o montado e à destruição da agricultura tradicional sustentável, pelo que se considera um primeiro tiro da “bazuca” fora do alvo.

“Esta situação mostra à sociedade que existem projetos ambientalmente ruinosos que tiveram financiamento garantido antes sequer de existir um processo de avaliação ambiental. Em causa estão 120 milhões de investimento inscritos só no PRR, para um projeto estimado inicialmente em 171 milhões de euros, que entre os fortes impactes vai prejudicar os contribuintes em benefício apenas da agricultura superintensiva e do turismo, pois o projeto em nada contribuirá sequer para o abastecimento público de água às populações.”

 

Energias renováveis carecem de critérios de localização

A Quercus defende a produção de eletricidade a partir de um diversificado conjunto de métodos, de que o solar voltaico é uma das soluções. Contudo defende preferencialmente o apoio à produção descentralizada, às famílias e aos consumidores, privilegiando as cadeias de distribuição curtas e o investimento no designado “hidrogénio verde” como modo de armazenamento. Embora reconheça a forte necessidade de recurso a fontes de energia renováveis, com vista à descarbonização da economia, a Quercus defende que o Executivo não deve deixar à discrição dos investidores e operadores a localização das centrais solares, como se tem verificado, ocupando solos com potencial agrícola ou mesmo áreas sensíveis e potenciando disrupções sociais – com frequência, colocando populações inteiras contra as renováveis.

 

Destruição da Mata Nacional dos Medos

O Plano de Gestão Florestal (PGF) da Mata Nacional dos Medos, que integra a Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa da Caparica (PPAFCC)em vigor, prevê a realização de desbastes e desramações, junto ao parque de merendas da Aroeira, na parte norte da Avenida do Mar. Todavia, o que se constatou foi a realização de uma operação de exploração florestal com uso de maquinaria florestal pesada e o abate e trituração de pinheiros mansos adultos. Inaceitável intervenção do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) numa área classificada como de conservação, indica a Quercus.

PEPAC subverte medidas verdadeiramente agroambientais

Apesar da recente aprovação das estratégias da Comissão Europeia “Do prado ao prato” e “Biodiversidade 2030”, a mais recente versão do PEPAC (Plano Estratégico da Política Agrícola Comum) 2023-2027 já vem subverter esses documentos, nomeadamente por voltar a colocar a “Produção integrada” praticamente ao mesmo nível da “Agricultura biológica (agora em “Ecorregime” no 1º pilar da PAC), mas com todos os pesticidas e adubos químicos aprovados e homologados para a agricultura convencional. Ou seja, praticamente todos os agricultores em Portugal que não façam agricultura biológica podem beneficiar de ajudas semelhantes, podendo usar os mais poluentes dos adubos – nitratos, fosfatos e cloretos solúveis – e os pesticidas mais tóxicos, como o glifosato. Políticas que continuam a permitir decisões arbitrárias dos Estados Membros e a beneficiar os grandes promotores do agro-negócios. Desde 2014, altura em que foram alteradas as regras nacionais para a Proteção Integrada (PI) a má trajetória não foi invertida.

Mais ambição imperativa na gestão de resíduos

Apesar da meta ambiciosa de redução de 10% da deposição de resíduos, atualmente estamos a colocar em aterro sanitário mais de 60% dos resíduos urbanos produzidos. Além das metas de redução da produção de resíduos –  incluindo os resultantes da situação pandémica, praticamente negligenciados –  estarem muito aquém do desejável, no campo do recolha e valorização dos bio-resíduos há todo um caminho a percorrer, a começar nas escolas e nas ações de educação ambiental que se poderiam promover junto da população escolar.

Os melhores factos ambientais de 2021

Lei do Clima hoje publicada em Diário da República

A Quercus – ANCN saúda o facto de hoje, dia 31 de dezembro de 2021, ter sido publicada a Lei de Bases do Clima (Lei n.º 98/2021), que reconhece, logo no seu artigo 2.º, vivermos na atualidade uma situação de “emergência climática”. A associação vê como positivo o facto de o Governo ter de proceder à elaboração de um Relatório bianual em matéria de segurança climática.

Reconhecendo que “todos têm direito ao equilíbrio climático” e que o mesmo “consiste no direito de defesa contra os impactes das alterações climáticas, bem como no poder de exigir de entidades públicas e privadas o cumprimento dos deveres e das obrigações a que se encontram vinculadas em matéria climática”, o diploma assume o objetivo de “promover a segurança climática” e prevê a criação futura do Conselho para a Ação Climática.

No respeitante às metas de mitigação (redução das emissões de gases de efeito de estufa – GEE) – o Governo assume o compromisso de reduzir as emissões GEE, em “pelo menos, 55%” até 2030; em “pelo menos, 65 a 75%” até 2040; e em “pelo menos, 90%” até 2050 –, a Quercus-ANCN lamenta que o ano-base considerado tenha sido o ano de 2005 (altura em que Portugal registou um pico de emissões), mais favorável do que o ano de 1990, data de referência adotada pela União Europeia no âmbito das negociações climáticas desde a adoção do Protocolo de Kyoto, em 1998.

Enquanto membro da Climate Action Network (CAN), a Quercus advoga que a neutralidade carbónica, por parte dos países industrializados, deve ser atingida o mais tardar em 2040 e que os restantes países do mundo, como defende o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), das Nações Unidas, devem atingir a neutralidade carbónica em 2044, de modo a manter a temperatura global abaixo dos 1.5.

Proibição de embalagens e produtos descartáveis em plástico

Com a aprovação, em 2 de setembro, do decreto-lei que procedeu à transposição parcial da Diretiva (UE) 2019/904, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativa à redução do impacto de produtos de plástico de utilização única e aos produtos feitos de plástico oxodegradável, passou a ser proibida, a partir de 1 de novembro de 2021, a colocação no mercado de determinados produtos de plástico de utilização única, tais como cotonetes, talheres, pratos, palhas, varas para balões, bem como copos e recipientes para alimentos feitos de poliestireno expandido. Esta interdição contribui não só para reduzir o consumo de produtos de origem fóssil, como reduzirá a produção de resíduos que na sua maioria não são reciclados. Por outro lado, contribui para minimizar de alguma forma a poluição marinha, na sua maioria com origem terrestre.

Área de agricultura biológica mais que duplicou em 2021

A produção agrícola biológica no nosso país tem vindo a aumentar ano após ano, e registou um aumento considerável em 2021, pois a área certificada mais que duplicou face ao ano anterior, conforme estatísticas do Observatório Nacional da Produção Biológica, publicadas em https://producaobiologica.pt/. Estes dados não revelam as áreas por cultura, que importa analisar. Afigura-se imperativo também o incentivar a uma agricultura alimentar de cadeias curtas, assumindo-se as produções de hortícolas, frutas, cereais e proteaginosas como as mais relevantes, mas ainda insuficientes para o mercado nacional. Note-se que este aumento foi favorecido pelo facto de, neste ano de transição da PAC, terem aberto pela primeira vez em cinco anos, novas candidaturas agroambientais para a agricultura biológica (Medida 7.1 do PDR2020), sem que tivessem aberto para a produção integrada (Medida 7.2 do PDR2020).

 

Lagoa dos Salgados – nova área protegida é classificada em 21 anos

A decisão de vir a criar uma nova área protegida, no Algarve – lamentavelmente, a primeira área protegida que deverá ser criada no espaço de 21 anos! – é um sinal positivo. A Lagoa dos Salgados e o Sapal de Armação de Pêra reúnem um conjunto excepcional de valores naturais, com particular destaque para a avifauna aquática, tendo-se tornado um dos locais de observação de aves mais visitados do país, assumindo hoje um papel estratégico do ponto de vista paisagístico, turístico e ecológico da região. Este é para a Quercus o corolário de uma luta e de um empenho decidido no objectivo da sua protecção e salvaguarda, que, esperamos, venha a servir de exemplo para outras zonas semelhantes num futuro próximo.

 

Perspetivas para 2022

Revisão dos Critérios das Faixas de Gestão de Combustível

A publicação do Decreto-Lei n.º 82/2021, de 13 de outubro, o qual cria o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGRIF) no território continental, definindo as suas regras de funcionamento, vem revogar o Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, que estabeleceu o Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SNDFCI), ainda que com algumas exceções. A Quercus espera a correção dos critérios aplicáveis às faixas de gestão de combustível do SNDFCI, sobre a rede secundária, sem qualquer fundamento técnico-científico, de modo a travar a atual destruição das bordaduras de espécies autóctones de povoamentos florestais, nomeadamente das folhosas autóctones.

Ação climática em todos os setores! 

A COP-26, não conduziu à assinatura de um acordo que regulamente os Acordos de Paris. Porém saldam-se como resultados positivos desta Conferência Climática os acordos sectoriais obtidos relativos às emissões de metano, à reflorestação e ao incentivo às energias limpas nas viaturas. Relançou, contudo, o debate em torno da crise climática. O crescente aumento da consciência coletiva para os complexos fenómenos em causa vai abrindo caminhos a mudanças estruturais da sociedade. O necessário reforço no trabalho em rede com diversos setores, e em particular as organizações da sociedade civil, é um desafio que a Quercus assume e pretende aprofundar em 2022.

Biodiversidade e Oceanos

A Quercus relembra que Lisboa receberá em 2022 a Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, vinculada ao tema da proteção e regeneração dos Oceanos. A Quercus entende que este é um momento crucial para estabelecer princípios internacionais visando a proteção de todas as zonas oceânicas e as que estão a estas intimamente ligadas, como foz, estuários e deltas de rios, além da luta contra a contaminação por plásticos e micropartículas, hidrocarbonetos, entre outros poluentes, bem como a salvaguarda dos habitats marinhos e proteção das espécies. O exemplo da criação da Lagoa dos Salgados, no Algarve, deve e tem imperiosamente de ser replicado. Há um ano, no âmbito do Painel de Alto Nível para uma Economia Sustentável do Oceano, o Executivo comprometeu-se a, até 2025,  gerir de forma sustentável 100% do oceano sob jurisdição nacional. Urge tornar este objetivo uma realidade.





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