Pedro Martins Barata, Get2C: “Paris: um novo começo para o clima?”
“OCUPADOS QUE ESTAMOS COM A CRISE POLÍTICA EM PORTUGAL, A CRISE ECONÓMICA financeira na Europa e os recentes atentados na cidade de Paris, será fácil esquecermos momentaneamente da importância do evento que terá lugar no início de Dezembro nessa mesma cidade (e que, numa demonstração de fleuma, a organização decidiu manter, após rumores de cancelamento).
Paris será a 21ª Conferência anual das Partes à Convenção. Todos os anos das últimas duas décadas, os governos mundiais reúnem-se para tentar encontrar soluções conjuntas para aquele que pode ser classificado como o maior problema de ação colectiva do mundo: as alterações climáticas. A evidência científica acumulou-se ao longo destas décadas: o último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas apresenta mais uma vez cenários prováveis de violentas perturbações do sistema climático mundial nos próximos cinquenta anos. Mais: o relatório confirma que a alteração do clima já é hoje sensível e que é inevitável um grau bastante alto de alteração, mesmo com os maiores esforços de contenção das emissões de gases com efeito de estufa.
Com toda essa evidência, e um historial de desaire nas negociações, porquê acreditar na importância desta Cimeira mais do que as precedentes? Em parte, porque um conjunto de sinais permite algum optimismo. Em primeiro lugar, no âmbito negocial e pela primeira vez desde o começo das negociações há mais de vinte anos, existe a compreensão de que todos, e em particular as economias emergentes, têm de participar no esforço de limitação das emissões. É de certa forma uma questão simples: mesmo que num esforço sobre-humano, reduzíssemos a zero as emissões do Norte, o crescimento incontido das emissões do Sul invalidariam quaisquer esforços dos países desenvolvidos. O maior factor contudo na esperança de que esta compreensão da necessidade de mudança de paradigma é em particular o próprio interesse dos países em desenvolvimento: por um lado, alguns grandes países emergentes como a China perceberam já a sua vulnerabilidade às alterações climáticas e a forma como as mesmas irão agravar tendências importantes e nefastas para o seu desenvolvimento. Por outro lado, as alterações climáticas constituem-se como argumento para uma nova política económica e para a busca de novas vantagens comparativas, através do investimento em novas tecnologias energéticas (a China é já hoje o segundo principal produtor mundial de painéis solares fotovoltaicos e o que mais capacidade instalou nos últimos anos).
O que podemos então esperar em Paris?
No último ano, os países da Convenção foram chamados a colocar em cima da mesa as suas “contribuições nacionais” para o esforço climático mundial, como parte integrante do novo tratado a assinar em Paris.
Embora as análises divirjam (em parte porque muitas contribuições não são tão claras quanto deveriam ser), elas apontam para um efeito cumulativo substancial. Se todas as contribuições se mantiverem ao nível comprometido pelos países nos seus planos submetidos à Convenção, os analistas prevêem que a temperatura global do planeta terá um aumento máximo entre 2,7ºC e 3,5ºC. Lembremos que a definição aprovada pela própria Conferência de um objectivo da Convenção para um aumento tolerável é o de 2ºC e que quando falamos de 2ºC como tolerável, aceitamos já como inevitável o desaparecimento de ecossistemas inteiros no Pacífico e no Índico, submergidos pela subida do nível médio dos mares que esse aumento comportaria já. Sendo assim, a soma dos compromissos que temos em cima da mesa não é ainda claramente suficiente. Contudo, o processo desencadeado fez com que mais governos se vissem confrontados com a necessidade de limitar emissões. Simultaneamente, o processo fez crescer a percepção partilhada da desejabilidade da mudança de paradigma energético e de estilos de vida.
Em simultâneo com este processo de submissão e posterior vinculação destes planos de redução de emissões, as negociações centram-se ainda em três outros pilares: o do financiamento climático – como financiar a alteração do paradigma energético, a manutenção do stock de carbono nas florestas mundiais e as necessidades de adaptação dos países e comunidades mais vulneráveis, o da adaptação – que tecnologias, que capacidades serão necessárias para lidar com as necessidades de adaptação aos impactes já inevitáveis, e finalmente o pilar da Tecnologia – onde se discutem os mecanismos da convenção que podem alavancar progressos científicos e tecnológicos. Será, sem dúvida, nos mecanismos de financiamento que a dificuldade de consenso será maior. Em causa estão visões por vezes diametralmente opostas sobre a origem, os meios e as prioridades no estabelecimento de mecanismos de financiamento. Contudo, mesmo nesse dossier mais quente, há indícios de boas notícias: por um lado, a capitalização atempada do principal fundo da Convenção, o Fundo Climático Verde, com 10 biliões de dólares; por outro lado, os recentes acordos no financiamento do “phase-out” de tecnologias emissoras de HFCs (gases com altíssimo potencial de aquecimento global) ou na proibição de ajudas de créditos à exportação a novas centrais de carvão (obtido a 17 de Novembro) representam sementes de esperança de que também nesse dossier se consiga chegar a um acordo.
Contudo, no final, o acordo de Paris será apenas uma folha de papel com assinaturas sonantes. Importa realçar que a implementação de um acordo e a superação do problema das alterações climáticas depende em maior medida do que os cidadãos estiverem dispostos a fazer. Em Portugal, no meio da crise económica e financeira porque passamos, importa realçar que o país manteve um rumo quase ímpar na incorporação de energias renováveis e que a própria estrutura produtiva se descarbonizou.
Por muito que o país tenha sofrido e sofra com a crise, Portugal conseguiu ainda assim resultados importantes na luta contra as alterações climáticas. Assim consigamos prosseguir depois de Paris, independentemente de governos do momento.”
Pedro Martins Barata é CEO da consultora GET2C