Pesca costeira responsável por 95% dos 100 milhões de tubarões mortos por ano



Mais de 100 milhões de tubarões são mortos anualmente para fins comerciais, com a pesca costeira responsável por cerca de 95% dessa mortalidade, que coloca em risco de extinção algumas espécies, alerta um estudo publicado ontem.

Numa análise de dados referentes ao período entre 2012 e 2019, uma equipa de investigadores da Universidade Dalhousie, no Canadá, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara e da organização não-governamental internacional The Nature Conservancy concluiu que a mortalidade de tubarões provocada pela pesca comercial aumentou de 76 milhões para 80 milhões de tubarões por ano e que mais de 30% das capturas foram de espécies ameaçadas de extinção.

Contabilizando também capturas sem identificação de espécie, o total de tubarões mortos em 2019 aumenta para 101 milhões de animais.

A investigação, publicada na revista Science, foi realizada a partir de dados referentes a 150 países com atividade pesqueira e concluiu também que o aumento da mortalidade foi provocado sobretudo pela pesca costeira, com a informação analisada a indicar que essa atividade é responsável por 95% dos tubarões mortos anualmente.

O número de tubarões mortos pela pesca costeira aumentou a uma média anual de 4% entre 2012 e 2019, contra uma redução estimada em 7% da mortalidade provocada pela pesca regulada em alto-mar.

Em Portugal – onde estão identificadas mais de 40 espécies de tubarões – estimativas da Associação Natureza Portugal (ANP/WWF) e da Fundação Oceano Azul datadas de 2021 indicam que são capturados mais de um milhão de tubarões por ano, a grande maioria como capturas acessórias de atividade pesqueira dirigida a outras espécies.

O estudo publicado hoje mostra ainda que o aumento da mortalidade aconteceu apesar de, durante o mesmo período, ter aumentado o número de países que aprovaram legislação para proibir ou restringir a prática conhecida como ‘finning’, em que as barbatanas são removidas aos tubarões capturados e os animais ainda vivos são lançados ao mar, onde acabam por morrer lentamente.

A colheita de barbatanas alimenta sobretudo o mercado asiático, onde a sopa de barbatana de tubarão é considerada uma iguaria, apesar de a cartilagem das barbatanas não adicionar qualquer sabor à sopa, mas apenas textura.

“A pesca insustentável de tubarões é um problema global de enormes proporções que poderá eventualmente levar à extinção de algumas das espécies mais antigas e emblemáticas do planeta. Concluímos que, apesar da grande diversidade de regulamentos destinados a conter a sobrepesca, o número total de tubarões mortos pela atividade pesqueira não está a diminuir, mas a aumentar ligeiramente” disse o investigador Darcy Bradley, da Universidade da Califórnia, citado num comunicado da universidade.

Os tubarões – que existem há mais de 400 milhões de anos, diversificaram-se em cerca de 500 espécies e vivem em todos os oceanos e todos os habitats, desde a superfície até às zonas muito profundas – desempenham um papel fundamental no equilíbrio dos ecossistemas, mas estão em muitos casos no grupo das espécies mais ameaçadas, sobretudo devido à sobrepesca e a práticas como o ‘finning’.

Outro dos cientistas envolvidos no estudo, Boris Worm, da Universidade Dalhousie, sublinha que a análise dos dados dos 150 países “demonstra que a legislação generalizada para prevenir a prática do ‘finning’ teve algum sucesso, mas não reduziu a mortalidade global. Demasiados tubarões continuam a ser mortos todos os anos e isto é particularmente preocupante no caso de espécies muito ameaçadas, como os tubarões-martelo”.

Os investigadores analisaram também a relação entre as capturas de tubarões e a legislação sobre a pesca de tubarões nos vários países e concluíram que a proibição total da pesca de tubarões e fiscalização eficaz e transparente são as únicas medidas que alcançaram uma redução real da mortalidade.

O estudo mostrou que legislação a proibir a prática do ‘finning’ consegue alguma redução dessa prática, mas tem pouco impacto na redução da mortalidade global, podendo até resultar num aumento de capturas, criando mercado de consumo da carne de tubarão.

O biólogo brasileiro Leonardo Feitosa, investigador na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara destaca que “a procura de barbatanas de tubarão baixou, mas a procura de carne de tubarão está a aumentar, com o Brasil e Itália a destacarem-se como os principais consumidores. A carne de tubarão é um substituto relativamente barato para outros tipos de pescado e é normal a carne de tubarão ser vendida sem referência específica”.

Em Portugal, a designação ‘cação’, por exemplo, é usada como rótulo genérico para a carne de várias espécies e a carne de tubarão-azul é vendida como ‘tintureira’, o nome comum da espécie, fazendo com que muitos consumidores não associem essa carne diretamente ao consumo de tubarões.

Os autores do estudo recomendam que o estabelecimento de áreas geográficas de proteção deve ser combinado com regulamentos específicos para a pesca de tubarões, com as políticas públicas a terem de ser especificamente desenhadas para desencorajar a retenção de espécies ameaçadas pescadas como capturas acessórias.





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