Pinguim-africano: Um ‘refugiado climático’ acossado há milénios pela subida do nível do mar
O pinguim-africano (Spheniscus demersus) é uma espécie endémica do sul de África. Há cerca de 22 mil anos, a última Idade do Gelo, mais de uma dezena de ilhas pontilhavam as águas ao largo da costa, acolhendo centenas de milhões de aves aquáticas, incluindo colónias de pinguins.
No entanto, desde então o mar subiu perto de 100 metros, submergindo quase todas essas ilhotas, deixando somente em alguns locais pequenas extensões de terreno firme onde os pinguins se podem reproduzir, fazer os seus ninhos e cuidar das suas crias.
Cientistas da Stellenbosch University, na África do Sul, descrevem o pinguim-africano como um ‘refugiado climático’ que nos últimos 20 mil anos viu o seu habitat adequado à nidificação ser reduzido quase 10 vezes, à medida que as águas marinhas galgam terra adentro, provocando perdas populacionais acentuadas.
Num artigo publicado esta quinta-feira na revista ‘African Journal of Marine Science’, os investigadores procuraram perceber a pressão feita pela subida do mar sobre esta espécie e avaliar a sua vulnerabilidade a esse fenómeno, que, com o aumento da temperatura da Terra devido ao efeito de estufa causado pelas emissões de gases poluentes pelas atividades humanas, só tenderá a aumentar.
Um relatório divulgado em dezembro passado pela Agência Europeia do Ambiente revela que o nível global das águas do mar em 2021 foi o mais alto alguma vez medido e que a dimensão e ritmo de degelo dos glaciares e das placas de gelo na Antártida (pólo Sul) e na Gronelândia só podem ser explicados pelos impactos humanos sobre o planeta.
Ao traçarem uma imagem paleo-histórica do ambiente em que o pinguim-africano viveu nos últimos milhares de anos, os investigadores destacam que a espécie tem vindo a sofrer duras perdas.
Estima-se que em 1910, na ilha de Dassen, a cerca de 55 quilómetros da Cidade do Cabo, e a mais antiga de África do Sul, viviam 1,45 milhões de pinguins. Mas em 2011 a população de pinguins-africanos terá sido reduzida a 21 mil casais, e oito anos depois eram apenas 13.600.
Os investigadores calculam que, nos dias de hoje, perto de 97% de toda a população de pinguins-africanos na África do Sul seja suportada por somente setes colónias reprodutoras. Isso levou a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) a classificar a espécie, em maio de 2005, como ‘Em Perigo’.
Recorrendo à análise do fundo marinho e com base em dados sobre o nível do mar durante a última Idade do Gelo, os investigadores perceberam que poderiam existir, há 20 mil anos, mais de 200 ilhas que seriam usadas pelo pinguim para construir os seus ninhos. Essa ave prefere nidificar em zonas mais remotas e de difícil acesso para evitar encontros com predadores.
Contas feitas, calculam que durante a última Idade do Gelo as ilhas ao largo do extremo Sul da costa sul-africana albergariam entre 6,4 milhões e 18,8 milhões de pinguins-africanos. Mas à medida que o mar foi subindo, as aves tiveram de se deslocar para outros locais, para os pontos mais elevados das ilhas ou mesmo para o continente, entrando em áreas habitadas por humanos, encontros com desfechos frequentemente trágicos para o animal.
O estudo mostra, assim, que o pinguim-africano há muito que enfrenta as ameaças das alterações climáticas. No entanto, essas transformações estão hoje a acontecer a uma velocidade vertiginosa, colocando sobre a espécie uma ameaça ainda maior.
Além da subida do nível do mar que terá começado a provocar a queda acentuada do número de pinguins há dezenas de milhares de anos, “estas populações estão agora a experienciar pressões humanas adicionais”, explica Heath Beckett, primeiro autor do artigo e investigador em estudos climáticos, “na forma de alterações climáticas, destruição de habitat” e redução da disponibilidade de alimento.
Apesar do quadro negro, os cientistas acreditam que a resiliência demonstrada por esta ave marinha, a que Beckett chama de “flexibilidade histórica”, pode ser um sinal de esperança no que toca à sua conservação. Por isso, a criação de espaços adequados de nidificação em terra pode ajudar a estancar as perdas populacionais do pinguim-africano.
Desde 1880 que o nível médio global do mar subiu entre 21 e 24 centímetros. Mas os climatólogos acreditam que, se as emissões de gases com efeito de estufa se mantiverem elevadas, até 2100 o nível do mar poderá subir cerca de 15 milímetros ao ano.
Apesar de não haver um consenso generalizado sobre a medida exata dessa subida, facto é que o derretimento das massas geladas nos pólos do planeta, provocado pelo aumento da temperatura atmosférica e pelo consequentemente aquecimento das águas marinhas, permitirá aos mares conquistarem ainda mais terra, engolindo cidades costeiras, contaminando zonas agrícolas e ameaçando inúmeras formas de vida. Por isso, a redução das emissões de gases com efeito de estufa é vital para se evitar o que o Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, já descreveu como o ‘inferno climático’.