Plano para a água prioriza grandes obras em vez da eficiência hídrica

O movimento em defesa da bacia hidrográfica do Douro MovRioDouro considerou hoje, numa posição enviada à Lusa, que a estratégia nacional para a gestão da água, denominada Água que Une, prioriza as grandes obras em vez da eficiência hídrica.
“A Estratégia Água que Une dá uma clara prioridade às grandes obras hidráulicas, nomeadamente à criação de novas infraestruturas e origens de água, bem como ao aumento da capacidade de armazenamento das infraestruturas existentes, em detrimento da eficiência hídrica e da promoção do uso racional da água”, pode ler-se numa posição enviada à Lusa.
De acordo com o movimento, as grandes obras, que vão “artificializar ainda mais” os rios e “fragmentar os habitats, visam essencialmente criar condições para a expansão do regadio e a consequente promoção da agricultura intensiva”.
A nível nacional, a estratégia prevê cinco mil milhões de euros de investimento e 300 medidas de “grande impacto”, não sendo “de espantar”, para o movimento, que “o grosso dos investimentos previstos seja dirigido exatamente para a criação de novas barragens, o alteamento das já existentes e para transvases” entre as bacias do Tejo e Guadiana e a conexão com a bacia do Mira.
No Norte, com um investimento de 448 milhões de euros, está prevista a modernização do Aproveitamento Hidroagrícola do Vale da Vilariça, implementação do programa de regadio em várias localidades, o aumento da capacidade das barragens de Pinhão (Vila Real), Vila Chã (Alijó), Sambade (Alfândega da Fé) e Valtorno (Vila Flor), remoção de infraestruturas hidráulicas obsoletas (ensecadeiras) do rio Côa e a constituição do Empreendimento de Fins Múltiplos da Barragem do Baixo Sabor e Foz Tua.
Na bacia do rio Douro prevê-se “a significativa expansão do regadio, o alteamento de quatro barragens e o consequente aumento da capacidade de armazenamento”, refere o movimento.
“Já no que diz respeito a medidas para aumentar a conectividade fluvial, surge apenas a remoção das ensecadeiras do Rio Côa”, aponta, recordando que “a monitorização das águas superficiais e subterrâneas é feita de forma irregular, não permitindo um conhecimento adequado da evolução do estado dos ecossistemas aquáticos”.
Para o movimento, “se houvesse uma real eficácia na implementação destas medidas, muitas das obras hidráulicas previstas não seriam necessárias”.
O MovRioDouro considera “curioso” que, sobre a resiliência hídrica, “sejam apresentados simultaneamente dois objetivos antagónicos: por um lado, aponta-se a construção de barragens (13 barragens de grande dimensão), interligações entre bacias hidrográficas e criação de novos sistemas de abastecimento; por outro, pretende-se restaurar os ecossistemas e incrementar a continuidade fluvial”.
“É claro que estes últimos objetivos são claramente menorizados em função dos vultuosos investimentos previstos para aumentar as disponibilidades de água para fins agrícolas”, sobretudo “nas bacias onde a água é mais escassa”, obrigando a transvases.
Ainda assim, o movimento refere que a estratégia “inclui alguns objetivos meritórios, como a redução das elevadas perdas no ciclo urbano da água e na agricultura” ou “a promoção do reaproveitamento da água residual tratada e o reforço da fiscalização dos consumos”.
No entanto, o movimento questiona “qual a necessidade de aumentar tão significativamente a capacidade de armazenamento quando se adotam processos paralelos para aumentar a eficiência hídrica”.
O MovRioDouro critica ainda que o plano “tenha sido elaborado sem uma ampla discussão pública”, não tendo passado pelo Conselho Nacional da Água (órgão que nunca reuniu na vigência do atual Governo) ou pelos Conselhos de Bacia Hidrográfica (que não reúnem há três anos), pondo ainda em causa os Planos de Região Hidrográfica, aprovados em 2022 com uma vigência de seis anos, e entrando em conflito com a Diretiva Quadro da Água e com o Plano de Restauro da Natureza da União Europeia, aprovado em 2024 pelo Parlamento Europeu.