Produção com baixa pegada de azoto pode reduzir custos mantendo caraterísticas dos alimentos
A produção de alimentos com uma baixa pegada de azoto contribui para o equilíbrio dos ecossistemas, pode reduzir os gastos com fatores de produção e disponibiliza produtos com características semelhantes aos tradicionais, segundo um projeto de investigação.
Estas são algumas das conclusões do NEP – ‘High Nitrogen Efficient crop Production for better water management’, projeto liderado pelo Instituto Superior de Agronomia (ISA), que decorre desde 2017, com mais de 350.000 euros de financiamento do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020.
“Habitualmente, as pessoas em geral só ouvem falar na pegada do carbono e na descarbonização, sem, muitas vezes, entender bem o que isso significa. Enquanto o carbono tem um impacto muito grande na qualidade do ar e nos gases com efeito de estufa, o excesso de azoto (nitrogénio), tem um efeito direto em todos os compartimentos ambientais e não só no ar”, explicou, em declarações à Lusa, a coordenadora do projeto NEP no ISA, Cláudia Marques dos Santos.
Ao mesmo tempo, 78% do ar que respiramos é azoto elementar, sendo “absolutamente indispensável à vida”.
O projeto NEP, que reúne várias entidades, desenvolveu, desde 2017, dois novos produtos com baixa pegada de nitrogénio – uva para a produção de vinho e tomate para indústria -, com potencialidade para, no futuro, entrarem no mercado.
Este estudo abrangeu o alto Alentejo, Ribatejo e Viseu, sendo que os parceiros produtores estão espalhados por Évora, Montemor, Viseu, Salvaterra, Benavente, Azambuja e Cartaxo.
Apesar da produção de uvas para vinho não ser muito exigente em termos de azoto, ao contrário do tomate, foi selecionada pela sua visibilidade, permitindo levar as descobertas do projeto a um público mais alargado.
Neste âmbito, foram realizados testes com reduções graduais de fertilização azotada, acompanhados pelo estudo daquilo que os próprios solos e a água podem oferecer.
“Muitas vezes faz-se a aplicação de fertilizantes tendo apenas em conta a necessidade da cultura, mas sem ter em consideração aquilo que o solo e a água oferecem naturalmente […], que pode ser descontado no fertilizante”, explicou a também professora do ISA.
Através desta análise, foi possível chegar a um “ponto de equilíbrio”, em que as produções são iguais ou muito semelhantes àquelas que são obtidas com a fertilização tradicional, mantendo a mesma produtividade.
Simultaneamente, foi trabalhada a rega para que as fertilizações fossem efetuadas em menor quantidade.
“Se fertilizarmos as culturas nas alturas corretas, temos a planta completamente disponível para receber o nutriente e, portanto, as perdas são muito menores”, apontou Cláudia Marques dos Santos.
No caso da produção de uva para vinho (não comercial), foi possível chegar a reduções de 40% na pegada de azoto, mantendo o produto com a mesma qualidade.
Já no que se refere ao tomate, foi constatado um “certo atraso” na maturação, embora com “características interessantes”.
Contudo, ainda não foi possível concluir que percentagem da pegada pode ser reduzida para atingir um fruto com características iguais ou aproximadas.
As ferramentas são fáceis e o agricultor já as conhece, disse Cláudia Marques dos Santos, notando que, no entanto, muitas vezes os agricultores não têm a informação completa sobre o impacto que essas práticas têm numa redução efetiva da pegada.
O solo não tem características que permitam manter uma produção de qualidade e com interesse comercial, acrescentou, sendo que, se desaparecessem os fertilizantes, o mundo não tinha capacidade para produzir alimentos para a população existente.
O azoto é macronutriente com maior impacto no crescimento das culturas, mas também é o mais utilizado em excesso, uma vez que tem um “resultado visual muito exuberante nas culturas”.
Por exemplo, se uma planta estiver a crescer pouco ou estiver amarelada e for aplicado azoto, ela cresce muito rapidamente.
A produção com uma pegada de azoto reduzida pode ainda levar a um menor gasto com fatores de produção, através de uma rega “com mais cuidado” e de uma utilização reduzida de fertilizantes.
“O que nos falta dar ao agricultor é a análise económica disto. O agricultor tem que perceber, com números, aquilo que acontece, quais os benefícios de adotar esta produção de mais baixa pegada”, sublinhou.
Porém, a coordenadora do projeto no ISA acredita que é possível ir mais longe, sobretudo, tendo em conta que muitos agricultores têm já uma formação técnica e académica na área, mostrando abertura para experimentar novos modos de produção.
A professora do ISA ressalvou que nem tudo o que é apresentado em prol do ambiente é “adequado ou exequível” para a agricultura, ainda assim garantiu que este tipo de iniciativas é benéfico para o setor, que classificou como “muito dinâmico, com uma grande vontade de aprender e de testar novas estratégias”.
Questionada sobre a possibilidade de estender este método a outras culturas, Cláudia Marques dos Santos sublinhou que cada uma tem o seu potencial e que os 40% de redução (verificados no caso do vinho) não se podem aplicar necessariamente a todas.
“O que devemos sempre tentar é reduzir a pegada, não só à custa de reduzir a quantidade de fertilizantes, mas, sobretudo, à custa de aumentar a sua eficiência de utilização”, concluiu.
A par do ISA, integram este projeto a Benagro – Cooperativa Agrícola de Benavente, o CCTI – Centro de Competências para o Tomate de Indústria, a FEA – Fundação Eugénio de Almeida, a Lusovini Distribuição, a Reguenguinho – Sociedade Agrícola e a Sociedade Agro-Pecuária do Vale da Adega.