Projecto reMix, Chelas: uma solução de auto-emprego aliada às boas práticas ambientais



Na loja A do número 722 do Bairro do Armador há um corrupio sistemático e diário – as crianças espreitam pelo vidro da montra, os velhos entram para dois dedos de conversa e ninguém fica indiferente à magia que acontece no espaço. Esta é uma oficina onde se criam peças de design, mas que pertence a muitos mais do que os que nela operam – é já peça integrante de uma comunidade inteira.

Desde Julho que tem lugar no Bairro do Armador, na zona M de Chelas, a segunda edição do projecto reMix – intervir e recriar. A iniciativa, no terreno desde 2011, procura fomentar o empreendedorismo, aliado às boas práticas sociais e ambientais, junto dos moradores deste bairro social.

O design foi a ferramenta-chave escolhida para a acção do projecto. Quatro habitantes do bairro trabalham lado a lado com designers e empresas convidados – os objectos que os últimos projectam tornam-se reais pelas mãos dos primeiros. Cada peça é criada manualmente a partir de materiais reaproveitados, assegurando-se assim a vertente ecológica da iniciativa.

Nesta edição, o número de designers aumentou, comparativamente à anterior. “Percebi que, se tivéssemos o dobro dos designers, poderíamos ter o triplo dos contactos”, revelou ao Green Savers Ângelo Campota, coordenador do projecto. A esta, soma-se outra novidade: três finalistas da licenciatura em Design, da Universidade de Aveiro, conceberam também um dos objectos desta nova colecção. “Inicialmente só tínhamos pensado em convidar designers a título individual, mas decidimos envolver também marcas e realidades universitárias”, explica Ângelo.

O objectivo do eco-design passa por criar uma solução de auto-emprego, através de um negócio social. Espera-se que os participantes desta oficina sejam capazes, no final do projecto, de seguir em frente sozinhos, levando o eco-design a bom porto.

Os participantes são os mesmos da primeira edição, uma vez que só assim é possível consolidar o projecto, na perspectiva da organização. Uma próxima fase destinar-se-á à preparação efectiva da desvinculação entre os participantes e a estrutura que agora os apoia. “Eu quero que estas pessoas, a partir de Janeiro, consigam aqui criar um negócio em que diariamente vêm cá receber encomendas, conceber objectos, criar peças novas, de modo a que isto seja um negócio deles e não nosso”, explica o coordenador. “O objectivo inicial do projecto era capacitar cinco pessoas e instituir aqui um modelo de negócio social, com base no empreendedorismo e na capacitação social.”

A oficina conta neste momento com quatro participantes, todos eles moradores do Bairro do Armador, com idades compreendidas entre os 24 e os 57 anos. Em Janeiro, ela contará com um novo elemento. Cada um recebe mensalmente uma bolsa de €150 (R$ 401,9), o que representa uma ajuda importante nos seus orçamentos. O valor da receita gerada pela venda dos objectos é também dividida – 75% destina-se aos participantes e 25% à associação responsável pelo projecto que faz a gestão das despesas da oficina.

Os critérios de selecção destes elementos, de entre 120 candidatos iniciais, basearam-se essencialmente no facto de serem pessoas sem uma ocupação e de revelarem interesse e competências na área dos trabalhos manuais. E é com grande engenho que estas pessoas criam um banco a partir de tacos de madeira, ou fazem nascer um candeeiro através de mangas de camisa velhas.

O reMix tem despertado muita curiosidade entre os moradores do bairro, por ser algo único na zona. “As pessoas estão muito contentes, acham que o projecto é uma mais-valia e realçam a maior limpeza do bairro”, diz Ângelo. “Elas têm vindo a perceber qual é a nossa dinâmica e vêm-nos trazer mais materiais, doam-nos tudo e mais alguma coisa.”

A dimensão do projecto tem também crescido, tal como os apoios. O número de empresas a ajudar o reMix aumentou, o que se traduz numa maior cedência das matérias-primas para as peças. “Comparativamente à primeira edição, conseguimos duplicar ou triplicar esta realidade, o que é uma mais-valia porque é assim que nós queremos que o projecto cresça.”

Para os participantes deste projecto, um leque de novas experiências também se tem aberto. Dois dos elementos do eco-design puderam estar presentes, este ano, numa residência artística em Itália, a Countdown – International Design Platform. Pedro e António viajaram até Bolzano, juntamente com uma das designers, durante 15 dias, num encontro que teve como objectivo reaproveitar desperdícios e conceber peças de arte.

O projecto já ganhou também este ano o Prémio Promessa de Serralves, no âmbito do POPs, Projectos Originais Portugueses, com a fruteira da designer Susana António.

A colecção desta nova edição é composta por 15 objectos, sendo que os da primeira edição também continuam a ser produzidos. As peças estão também à venda em espaços das cidades de Lisboa e do Porto. Veja o catálogo.

A novidade: eco-serviços

A segunda edição do reMix surge com uma outra novidade – os eco-serviços. Esta vertente consiste na disponibilização da equipa de eco-design, da oficina e dos seus recursos, de forma a prestar pequenos apoios à comunidade do Bairro do Armador, procedendo assim a certos arranjos de forma low-cost. Ângelo explica: “Se alguém tem uma cadeira em casa que precisa de ser colada, vem cá e nós arranjamos, a um preço muito competitivo”. O mesmo para uma fechadura, um estore ou uma lâmpada que precisa de ser mudada.

“Durante a primeira edição reparámos que as pessoas vinham cá pedir um bocadinho de cola e pequenas ajudas”, diz Ângelo. Assim, esta vertente surge a pensar neste facto e na população envelhecida que existe no bairro.

Mas o plano não fica por aqui. Ângelo revela que o objectivo é, num futuro próximo, envolver aqui mais moradores que tenham outro tipo de competências. Se há um electricista no bairro que quer colaborar com o projecto, poderá ser ele, por intermédio do reMix, a prestar esse serviço. Irá nascer então aqui uma equipa, não fixa, de trabalhadores que, consoante as necessidades, serão recrutados para executar tarefas que beneficiem tanto o projecto, como o próprio trabalhador.

O objectivo primordial do reMix é que todas as vertentes que o compõem sejam auto-sustentáveis. O projecto, financiado pela Câmara Municipal de Lisboa no âmbito do programa Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária de Lisboa, terá durante esta segunda edição uma duração de oito meses, estando no activo até Março de 2013.

 





Notícias relacionadas



Comentários
Loading...