“Químicos eternos”: Minimizar os efeitos “não significa eliminá-los todos indiscriminadamente, mas sim agir com base no risco”

O uso generalizado de polímeros PFAS (compostos químicos sintéticos) pode levar à contaminação da água, ar, solo, alimentos e até pessoas. Além disso, podem também contribuir para o aquecimento global e para a destruição da camada do ozono. Falámos com os investigadores da NOVA FCT, Ana Belén Estévez e João Araújo, a propósito dos chamados “químicos eternos” devido à sua persistência no meio ambiente e no corpo humano.
Miminimizar os efeitos dos PFAS “não significa eliminá-los todos indiscriminadamente, mas sim agir com base no risco, utilizando o conhecimento técnico e científico disponível para proteger a saúde pública e o ambiente, sem comprometer áreas onde o uso de PFAS ainda é essencial e seguro”, explica Ana Belén Estévez à Green Savers, que defende se “devem eliminar do uso os PFAS comprovadamente tóxicos e não essenciais, enquanto se controla de forma rigorosa a utilização dos que são quimicamente inertes e considerados essenciais, garantindo que são usados apenas quando realmente necessários”.
Já João Araújo explica que, em Portugal não foi, até à data, detetada qualquer contaminação por PFAS na água para consumo humano que ultrapasse os valores-limite estabelecidos pela legislação europeia. “A nossa água da torneira é considerada segura, e está sujeita a controlos rigorosos e regulares, de acordo com as normas definidas no Decreto-Lei n.º 69/2023, que transpõe a Diretiva (UE) 2020/2184 sobre a qualidade da água destinada ao consumo humano”, garante.
Os dois investigadores farão parte do próximo Simpósio Europeu na área da Química do Flúor – PFAS, que, este ano, se realiza em Portugal.
- O uso generalizado de polímeros PFAS (compostos químicos sintéticos) pode levar à contaminação da água, ar, solo, alimentos e até pessoas. Além disso, podem também contribuir para o aquecimento global e para a destruição da camada do ozono. O que é que são os “químicos eternos” e por que motivo têm estado no centro das atenções?
Ana Belén Pereiro – Os chamados “químicos eternos” referem-se à vasta família de compostos sintéticos conhecidos como substâncias perfluoroalquil e polifluoroalquil, os PFAS. Estes compostos destacam-se pela sua elevada estabilidade química, o que os torna extremamente resistentes à degradação natural, tanto no ambiente como no organismo humano. Como consequência, tendem a acumular-se nos seres vivos e a persistir durante longos períodos no ambiente, por isso são designados “químicos eternos”.
De acordo com a Comissão Europeia, já foram identificadas 24 substâncias PFAS com provas claras de que causam danos à saúde humana e ao ambiente. Está atualmente em curso uma avaliação conduzida pela ECHA (Agência Europeia dos Produtos Químicos), com o objetivo de definir critérios de restrição para estas substâncias vastamente utilizadas, com base nas evidências científicas disponíveis. Esta análise visa determinar quais os PFAS que poderão continuar a ser utilizados de forma segura e quais deverão ser progressivamente eliminados ou substituídos. Por exemplo, nem todos os polímeros classificados como PFAS contribuem para a contaminação ambiental ou representam risco para a saúde humana. Alguns destes polímeros são quimicamente inertes e desempenham funções importantes na medicina. Um exemplo disso são os enxertos vasculares e os pensos cirúrgicos GORE-TEX®, fabricados a partir de PTFE e que têm sido amplamente utilizados com segurança em pacientes ao longo de várias décadas. E também há vários compostos farmacêuticos que são por definição PFAS, como por exemplo o antidepressivo Prozac.
- Embora seja geralmente aceite que os polímeros PFAS são menos tóxicos do que os PFAS não poliméricos, por terem dimensão molecular maior o que limita a sua absorção pelas células vivas, segundo a AEA há preocupações sobre potenciais impactos. Que impactos são esses?
João Araújo – Os PFAS poliméricos têm cadeias moleculares muito longas, com massas moleculares elevadas o que impede ou dificulta a sua passagem através das membranas celulares, que geralmente só permitem a entrada de moléculas de menor dimensão. Além disso, muitos destes PFAS são altamente hidrofóbicos e praticamente insolúveis em água, o que dificulta a sua dispersão no meio biológico e, por consequência, a sua absorção pelos tecidos vivos e humanos. Esta é a razão pelo que muitos polímeros de PFAS podem ser considerados inertes para o ambiente e para a saúde humana.
No entanto, as preocupações ambientais e de contaminação secundária associadas aos PFAS poliméricos continuam a ser relevantes. Apesar de estes materiais, na sua forma final, serem pouco absorvidos pelos organismos vivos, durante o seu ciclo de vida, desde a produção até à eliminação, podem ocorrer libertações de substâncias perigosas. Estas libertações incluem aditivos utilizados no fabrico, monómeros residuais que não foram totalmente polimerizados, ou ainda subprodutos gerados durante o uso. Muitas dessas substâncias não são poliméricas, têm uma estrutura molecular menor, são mais solúveis e, por isso, conseguem dispersar-se com facilidade no ambiente e ser absorvidas por seres vivos, acumulando-se nos tecidos ao longo do tempo. Por este motivo, mesmo que o polímero em si não represente um risco direto significativo, o seu uso, fabrico e eliminação inadequados podem contribuir, de forma indireta, para a poluição ambiental e para a exposição humana a compostos PFAS tóxicos.
- A comuna de Saint-Louis, no leste de França, vive uma crise de saúde pública sem precedentes depois de se ter descoberto que a água da torneira consumida por cerca de 60 mil pessoas está contaminada com PFAS. A situação levou à maior proibição de consumo de água da torneira alguma vez imposta no país, afetando 11 comunas da região de Haut-Rhin, junto à fronteira com a Suíça e a Alemanha. Qual o ponto de situação em Portugal e quais os reais perigos?
João Araújo – Em Portugal não foi, até à data, detectada qualquer contaminação por PFAS na água para consumo humano que ultrapasse os valores-limite estabelecidos pela legislação europeia. A nossa água da torneira é considerada segura, e está sujeita a controlos rigorosos e regulares, de acordo com as normas definidas no Decreto-Lei n.º 69/2023, que transpõe a Diretiva (UE) 2020/2184 sobre a qualidade da água destinada ao consumo humano.
Por outro lado, projetos como o ALERT-PFAS e o MAR2PROTECT visam reforçar a monitorização, prevenção e gestão do risco associado à presença de PFAS no ambiente, em particular nos recursos hídricos a nível nacional e internacional. Estas iniciativas têm como objetivo principal avaliar a ocorrência e o comportamento destes compostos em águas subterrâneas, superficiais e residuais, bem como desenvolver estratégias de deteção precoce e mitigação de contaminação, contribuindo para uma gestão mais sustentável e segura da água em Portugal.
- Como é que se pode minimizar os efeitos dos “químicos eternos”?
Ana Belén Pereiro – Para minimizar os efeitos dos chamados “químicos eternos”, é essencial adotar uma abordagem baseada nas evidências científicas, na precaução e na diferenciação entre os vários tipos de PFAS. Em dezembro do ano passado, tivemos a oportunidade de participar num debate em Bruxelas, onde se discutiu precisamente a necessidade de distinguir entre os PFAS essenciais e não essenciais, bem como quais deles são tóxicos e não tóxicos. Esta discussão foi fundamental para reforçar a ideia de que nem todos os PFAS representam o mesmo nível de risco. Alguns são altamente persistentes e perigosos, enquanto outros, como certos PFAS poliméricos utilizados em contextos médicos ou industriais, são quimicamente inertes e têm aplicações para as quais ainda não existem alternativas viáveis.
A redução dos impactos destes compostos passa, antes de mais, por uma utilização criteriosa, restringindo os PFAS com maior potencial de toxicidade e persistência, e assegurando que os que continuam a ser utilizados o sejam em condições controladas, com medidas rigorosas de segurança e gestão ambiental. Além disso, é fundamental investir na monitorização contínua da água, do solo e do ar, melhorar os processos de fabrico, e garantir o tratamento e eliminação adequados de resíduos que contenham PFAS, evitando assim a sua libertação para o ambiente.
Em suma, minimizar os efeitos dos PFAS não significa eliminá-los todos indiscriminadamente, mas sim agir com base no risco, utilizando o conhecimento técnico e científico disponível para proteger a saúde pública e o ambiente, sem comprometer áreas onde o uso de PFAS ainda é essencial e seguro.
- Defendem alguma alternativa aos “químicos eternos”?
Ana Belén Pereiro – Embora possam existir alternativas aos PFAS no mercado e em desenvolvimento, muitas delas apresentam problemas semelhantes ou em alguns casos piores, nomeadamente em termos de bioacumulação ou toxicidade ambiental. Por isso, é fundamental que essas alternativas sejam sempre avaliadas cientificamente quanto aos seus riscos (a curto, médio e longo prazo) antes de serem adotadas. Trocar um composto PFAS por outro que à partida parece mais “seguro” pode, na prática, não resolver o problema e, em alguns casos, até agravá-lo.
Os PFAS possuem propriedades únicas, singulares e notáveis, como uma elevada estabilidade, resistência química e uma eficaz capacidade de repelir água e óleo, atributos que são muito difíceis de igualar com a mesma eficiência. Em várias áreas, como na indústria médica, aeroespacial, eletrónica ou em equipamentos de proteção, os PFAS continuam a ser insubstituíveis. Em certas situações, para obter o mesmo desempenho técnico e eficiência com outras alternativas, seria necessário utilizar quantidades muito maiores, o que pode levar a impactos ambientais ou toxicológicos semelhantes ou até superiores. Por isso, a melhor estratégia não é a eliminação indiscriminada de todos os PFAS, mas sim uma abordagem baseada na avaliação rigorosa dos riscos.
Defendemos que se devem eliminar do uso os PFAS comprovadamente tóxicos e não essenciais, enquanto se controla de forma rigorosa a utilização dos que são quimicamente inertes e considerados essenciais, garantindo que são usados apenas quando realmente necessários. Desta forma, é igualmente fundamental controlar todo o ciclo de vida dos produtos que contêm PFAS, desde a produção até ao fim de vida, assegurando que não ocorre libertação acidental ou inadequada para o ambiente, seja através de emissões industriais, águas residuais ou gestão incorreta dos resíduos. Só assim será possível alcançar uma gestão equilibrada, eficaz e responsável dos “químicos eternos”, protegendo a saúde pública sem comprometer áreas tecnológicas e científicas onde o seu uso continua a ser indispensável.