Regenera: Um projeto que une pessoas, animais e ambiente após os incêndios
O Projeto Regenera nasceu da necessidade de agir rapidamente após um dos verões mais devastadores para Portugal, marcado pelos incêndios que destruíram casas, terrenos e meios de subsistência. Bernardo Soares, médico veterinário e diretor de One Health da UPPartner, explica, em entrevista à Green Savers, que a a iniciativa procura unir esforços humanos, animais e ambientais para restaurar o equilíbrio perdido. A primeira ação do projeto passou pela instalação de cem colmeias, um gesto que visa não só recuperar a produção de mel, mas também reativar os processos de polinização essenciais à regeneração da flora local.
A abordagem do Regenera assenta na filosofia One Health, que reconhece a interdependência entre saúde humana, animal e ambiental. Em Arganil, esta visão traduz-se em ações concretas junto de comunidades afetadas, com destaque para parcerias locais, como a Casa do Apicultor, que garantem conhecimento técnico e proximidade com os apicultores. Para Bernardo Soares, regenerar vai muito além da recuperação ecológica: implica envolver as pessoas, fortalecer a economia local e criar um modelo de cooperação sustentável que possa inspirar outras regiões e empresas a assumir responsabilidade ativa na preservação do ambiente.
O Projeto Regenera nasce após um dos verões mais duros para o território português. Como surgiu a ideia e o que o motivou pessoalmente a avançar com esta iniciativa?
Na UPPartner, acompanhamos de perto o que acontece no país e é com enorme tristeza que, ano após ano, assistimos ao flagelo dos incêndios e às suas consequências devastadoras. Recordo-me de que, durante o incêndio de Pedrógão Grande, alguns colaboradores tinham familiares e propriedades nas zonas afetadas, e ouvimos em primeira mão o impacto humano desta tragédia. Enquanto empresa com uma forte componente de responsabilidade social, acreditamos que o nosso papel não é apenas comunicar — é ouvir, agir e amplificar as vozes das comunidades. Foi dessa escuta ativa que nasceu o One Health Regenera: um projeto que pretende apoiar pessoas, animais e o meio ambiente afetados, combinando a nossa experiência em comunicação com uma atuação direta no terreno, em parceria com entidades locais que partilham a mesma missão.

O projeto inspira-se na visão One Health, que liga a saúde humana, animal e ambiental. De que forma este princípio orienta o trabalho que estão a desenvolver em Arganil?
O One Health é mais do que uma visão — é um princípio que guia todas as nossas ações. Trabalhar com base nesta abordagem significa reconhecer que a saúde das pessoas, dos animais e do ambiente é interdependente, e que só através desse equilíbrio é possível regenerar de forma sustentável. Em Arganil, o nosso apoio traduz-se na recuperação de colmeias destruídas pelos incêndios e na instalação de 100 novas unidades, que vão permitir o regresso das abelhas e a reposição da produção de mel na região. Este gesto tem um impacto em várias dimensões: ajuda os apicultores locais a recuperar o seu sustento, contribui para a biodiversidade através da polinização e, de forma indireta, reforça também o bem-estar das pessoas e a vitalidade do ecossistema.
O One Health é mais do que uma visão — é um princípio que guia todas as nossas ações. Trabalhar com base nesta abordagem significa reconhecer que a saúde das pessoas, dos animais e do ambiente é interdependente, e que só através desse equilíbrio é possível regenerar de forma sustentável
A instalação de cem novas colmeias foi o primeiro passo do Regenera. Por que escolheram começar pelas abelhas e qual o papel destes polinizadores na recuperação da biodiversidade?
Se pensarmos numa espécie que melhor simbolize o equilíbrio entre pessoas, animais e ambiente, as abelhas são o exemplo perfeito do conceito One Health. A sua importância é transversal: sustentam ecossistemas, promovem a regeneração das plantas e asseguram a continuidade das culturas agrícolas. Depois de um incêndio, os ecossistemas ficam totalmente devastados e inabitáveis, tanto para a fauna como para a flora. As abelhas são, por isso, o ponto de partida natural — porque a sua ação polinizadora é a base de todo o processo de regeneração. Com o seu trabalho silencioso, devolvem vida à terra, favorecem o renascimento da vegetação e tornam novamente possível o regresso de outras espécies.
Fala-se muitas vezes da importância da regeneração ecológica, mas nem sempre se traduz em ações concretas. Como é que o Regenera transforma essa consciência ambiental em impacto real no terreno?
O Regenera nasce precisamente para dar resposta a essa lacuna. Não se trata apenas de falar sobre sustentabilidade, mas de agir e gerar impacto real. O projeto alia comunicação e ação, procurando traduzir consciência em movimento. Para isso, é fundamental compreender os mecanismos de comunicação existentes — tanto nas comunidades locais como entre as empresas parceiras — e adaptar a mensagem para que todos se sintam parte desta missão comum. Acreditamos que a regeneração só acontece quando é percebida como um objetivo coletivo, que une pessoas, animais e ambiente em torno do mesmo propósito: reconstruir o equilíbrio natural e social.
Que tipo de parcerias têm sido essenciais para o sucesso do projeto — seja com autarquias, comunidades locais ou entidades privadas?
Todas as parcerias são estrategicamente pensadas e estabelecidas com um objetivo claro: fazer mais e melhor através da cooperação. No terreno, as comunidades locais e as entidades regionais são fundamentais, porque conhecem profundamente o território e as suas pessoas. Sem esse conhecimento, seria impossível compreender as reais necessidades e atuar de forma eficaz. Um exemplo claro é a Casa do Apicultor, cuja colaboração tem sido determinante — tanto pelo seu conhecimento técnico sobre apicultura e ligação com os apicultores, como pela proximidade à comunidade de Arganil. As parcerias com empresas privadas são igualmente importantes. Através da sua capacidade de mobilização, recursos e visibilidade, conseguimos ampliar o alcance e a eficácia da iniciativa, garantindo que o Regenera se torna um verdadeiro modelo de colaboração sustentável.
Os incêndios de 2025 deixaram marcas profundas no território e nas populações. Que desafios têm encontrado na relação com as comunidades afetadas e como procuram envolvê-las neste processo de regeneração?
Um dos principais desafios é a falta de eficácia dos sistemas de comunicação locais. Em zonas rurais, a população está muitas vezes dispersa, o que exige um trabalho de proximidade através de entidades locais enraizadas na comunidade. Outro desafio é o ceticismo natural de quem já viveu tragédias semelhantes — o receio de que esta seja apenas uma ação pontual, sem continuidade. Por isso, fazemos questão de reforçar que o One Health Regenera é um projeto de longo prazo, pensado para gerar impacto duradouro e inspirar novas iniciativas locais. Através do diálogo direto com a população e da cooperação com parceiros que conhecem bem o território, construímos confiança e envolvemos as comunidades no processo de regeneração, para que este seja, de facto, partilhado e sustentável.
Um dos principais desafios é a falta de eficácia dos sistemas de comunicação locais. Em zonas rurais, a população está muitas vezes dispersa, o que exige um trabalho de proximidade através de entidades locais enraizadas na comunidade
O Regenera tem também uma vertente pedagógica e mobilizadora. De que forma pretendem inspirar outras empresas e cidadãos a participar nesta causa?
Regenerar é uma ação que envolve todos e cada um de nós. É uma responsabilidade coletiva e global, não apenas local, preservar o que nos permite viver em equilíbrio com o planeta. Na UPPartner, continuaremos a reforçar esta mensagem — dentro e fora da organização — promovendo um contexto pessoal e profissional alinhado com a visão One Health, que une pessoas, animais e ambiente num mesmo propósito. O nosso objetivo é continuar a desenvolver campanhas e apoiar novos projetos no âmbito do One Health Regenera, capitalizando sinergias e ampliando resultados. Quanto maior o envolvimento de todos — empresas, instituições e cidadãos — maior será a capacidade de regenerar e alcançar um verdadeiro equilíbrio ambiental e social.
A regeneração ecológica é um processo de longo prazo. Quais são os próximos passos do projeto e que metas gostariam de alcançar nos próximos anos?
Estamos a acompanhar de perto a evolução desta primeira campanha em Arganil, medindo o seu impacto com o apoio dos nossos parceiros locais. Esta fase é essencial para avaliarmos os resultados e consolidarmos um modelo de atuação eficaz e replicável. Já temos definida uma segunda campanha, que será lançada no início do próximo ano, em colaboração com uma entidade que desenvolve um trabalho notável noutra zona rural do país — e que merece maior visibilidade e apoio. O nosso propósito é que o One Health Regenera se torne uma referência nacional de regeneração ambiental e social, apoiando organizações que trabalham sob o mesmo princípio e sensibilizando as comunidades para um futuro mais equilibrado e sustentável. Acreditamos que revitalizar ecossistemas e fortalecer comunidades é a base para construir um país mais resiliente, saudável e consciente do seu papel no planeta.
Enquanto médico veterinário, acredita que a relação entre saúde animal e ambiental ainda é subvalorizada em Portugal? O que seria necessário mudar para integrar melhor esta visão nas políticas públicas?
Mais do que subvalorizada, diria que é ainda largamente desconhecida. É essencial investir numa maior formação e informação credível junto dos diferentes públicos — desde cidadãos a decisores.
Na UPPartner, procuramos desempenhar o nosso papel como agentes ativos de mudança, comunicando e agindo para reforçar esta ligação entre saúde animal, humana e ambiental. Paralelamente, é urgente valorizar o papel do médico veterinário, que muitas vezes é reduzido à vertente clínica dos animais de companhia. A verdade é que o veterinário tem uma função decisiva na prevenção de doenças zoonóticas, no combate à resistência antimicrobiana e na garantia da segurança alimentar. É nesta interseção entre saúde pública, ambiente e bem-estar animal que o conceito One Health ganha todo o seu sentido — e onde as políticas públicas podem e devem evoluir.
O veterinário tem uma função decisiva na prevenção de doenças zoonóticas, no combate à resistência antimicrobiana e na garantia da segurança alimentar. É nesta interseção entre saúde pública, ambiente e bem-estar animal que o conceito One Health ganha todo o seu sentido — e onde as políticas públicas podem e devem evoluir
Em Arganil, a primeira ação traduziu-se na instalação de cem colmeias. Que resultados concretos esperam observar nos próximos meses — em termos de biodiversidade, polinização e impacto nas comunidades locais?
A instalação destas 100 colmeias representa um primeiro e importante passo para restaurar a biodiversidade e a atividade apícola na região. Prevemos que, com o contributo dos nossos parceiros, este número possa aumentar gradualmente, ampliando o impacto no território. Até janeiro, o solo estará em processo de regeneração natural, e a partir dessa altura as condições estarão reunidas para o regresso das abelhas. As novas colmeias permitirão não apenas retomar a produção de mel, mas também reiniciar a polinização, essencial para o equilíbrio dos ecossistemas locais. Com o aumento da produção, haverá maior sustentabilidade económica para os apicultores e outros agentes do setor, reforçando as cadeias locais de valor e beneficiando indiretamente toda a comunidade. Mais do que recuperar o que foi perdido, queremos restaurar um ciclo de vida que se perdeu temporariamente — e demonstrar que regenerar é possível quando se atua com visão e continuidade.