Reportagem: Plástico. E se fizéssemos dele arte?
Apesar de se ter tornado um alvo a abater, o plástico ainda pode servir para muitas outras funcionalidades se for reutilizado. O Green Savers foi conhecer um artista de reciclagem dinamarquês, que transforma o lixo em esplêndidas obras de arte.
O plástico é um material que desde cedo revolucionou a indústria. Permitiu produzir em maior escala milhares de objetos imprescindíveis para o nosso dia a dia, e a sua composição com derivados de petróleo possibilitou a sua grande durabilidade. Porém, o que não se pensava é que este material fosse tão prejudicial para o planeta. Um único saco de plástico pode levar 20 anos a decompor-se; uma palhinha 200 anos, e uma garrafa de plástico 450 anos.
Atualmente, estima-se que por ano se produzam mais de 300 milhões de toneladas de plástico. Não é por acaso que a poluição derivada do plástico e o lixo marinho tenham vindo a aumentar ao longo dos anos. A Grande Ilha de Lixo do Pacífico, uma zona no oceano em que existe uma grande quantidade de lixo a boiar, foi descoberta em 1997 por Charles Moore. Mas ao contrário do que se possa pensar, o lixo não fica parado. Os giros dos oceanos, que são no total cinco, fazem com que o lixo circule e vá parar a diferentes zonas do mundo. As Nações Unidas preveem que em 2050 a população mundial chegue aos 9,7 mil milhões de habitantes.
Isto torna-se um problema numa época em que cada vez mais é crucial reduzir a poluição e as emissões de gases poluentes no mundo, a fim de mitigar as alterações climáticas. O plástico afeta os seres humanos, mas também os animais e os seus habitats, os ecossistemas, a cadeia alimentar e todo o planeta. As imagens de praias repletas de embalagens ou animais marinhos que morrem devido ao plástico devem fazer-nos repensar as nossas escolhas e agir. Reduzir o plástico é cada vez mais premente, seja usando alternativas biodegradáveis como o plástico de cana-de-açúcar ou de milho, ou procurando dar-lhe uma nova vida. E é aqui que entra a arte e a criatividade.
Thomas Dambo é, como ele próprio se intitula, um artista de reciclagem. Nasceu em Odense, na Dinamarca, em 1979, e foi há mais de dez anos que começou a fazer a diferença, aliando a reciclagem à arte. Em entrevista à Green Savers, o artista confessa que tudo o que faz é influenciado pelo seu fascínio por contos de fadas e pela fantasia. A sua veia criativa uniu-se ao gosto pela natureza quando começou a ver no lixo a oportunidade de reciclar e reutilizar. Na procura de um bem maior, nasceram as esculturas em materiais reciclados. Tudo começou por volta de 2010, com o projeto Happy City Birds, um trabalho que até aos dias de hoje já colocou mais de 3.500 casas de pássaros em todo o mundo, feitas de materiais reciclados e pedaços de madeira.
Destacam-se alguns projetos em que o plástico esteve presente na composição de grandes esculturas, como o “Flamingo Flamingo” feito de plástico poliestireno, a cenografia do TEDx em Copenhaga, onde construiu 50 flores com vários objetos, como brinquedos e baldes, o “Elefante de Lixo – Skraldefanten” e a “Flor Gigante de Plástico Reciclado” em 2014; o “Cisne Nórdico” em 2015; o “Pássaro Preto” em 2016, e “A Floresta do Futuro” na Cidade do México em 2018, um projeto que reuniu 3 toneladas de plástico e centenas de voluntários. Há cerca de seis anos, em 2014, começou também a construir Trolls, grandes esculturas feitas de madeira reciclada, como paletes, paus, restos de soalho antigo e ramos de árvores. São estes os seus companheiros que atualmente têm feito sucesso.
O artista criou, em Copenhaga, uma espécie de caça ao tesouro com “Os Seis Gigantes Esquecidos”, figuras dispersas no meio da floresta. Como não se limita a um só material, gosta de ir juntando tudo o que encontra, desde cestos, tampas, baldes, copos. Quanto ao resto, a imaginação fala por si. Relativamente à dificuldade em arranjar materiais, admite que nunca é um problema. Sozinho, com amigos ou com a sua equipa, percorrem os contentores da cidade, ou outros lugares como festivais, onde possam encontrar materiais que tinham um só destino, o lixo.
Caso precise de um material mais específico, explica que as redes sociais são uma ferramenta bastante útil. “Escrevo ‘vou estar em Portugal na próxima semana, vou ficar em Lisboa, alguém sabe onde posso arranjar este tipo de material?’ e ajudam-me ou até mesmo as pessoas locais acabam por me direcionar.” Inicialmente, os seus trabalhos foram feitos na Dinamarca, mas desde 2012 que a sua criatividade tem viajado além-fronteiras. Já realizou vários projetos em países como Porto Rico, Brasil, Canadá, Bélgica, Esta dos Unidos da América, Austrália, China e Coreia do Sul. Quando questionado sobre uma vinda a Portugal, confirma que era um dos seus planos para o ano de 2020, mas devido à pandemia da covid-19 não foi possível. Ainda assim, garante que virá e que, brevemente, teremos uma escultura sua em terras portuguesas.
Será mais uma das suas esculturas espalhadas pelos quatro cantos do mundo? Thomas adora o que faz: “Muitas pessoas olham para o meu emprego como artista de reciclagem e dizem ‘Oh, isso é mesmo um trabalho fixe, é um trabalho muito interessante para se ter’”, explica. Porém “existe tanto lixo no mundo que toda a gente pode ter o mesmo trabalho que eu… existe lixo para um milhão de artistas de reciclagem”. Assim, o artista lembra que todos podem construir grandes obras de arte através do plástico e do lixo no geral. Tudo pode ter um novo futuro se assim o quisermos.
“Pode construir-se uma casa, um barco, uma garagem para o nosso carro, coisas realmente grandes, não é preciso pensar pequeno (usa a expressão inglesa, ‘think small’)”, afirma, acrescentando que a melhor parte é que não é preciso sentir-se mal em estar a usar um dado material, caso o protótipo não funcione ou o objeto não tenha o melhor aspeto. Tudo com o que se está a trabalhar já era lixo, simplesmente ia ganhar uma nova vida.
O artista de reciclagem espera influenciar outras pessoas, ou simplesmente deixá-las felizes ao observar e experienciar o seu trabalho. “Espero que, quando as pessoas virem a minha arte, percebam que podemos construir coisas realmente grandes e incríveis com algo que antes era apenas lixo.”
Notícia publicada na edição nº1 (Novembro 2020) da revista Green Savers.