Rui Cabral, ANREEE: “Estamos a identificar e sensibilizar 1000 [novas] empresas”
O director-geral da Associação Nacional para o Registo de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos (ANREEE) explicou ao Green Savers que, se a nova directiva europeia fosse hoje aplicada, os portugueses teriam de elevar a taxa de recolha para 7kg em 2014 e 10kg em 2018.
Hoje, esta taxa encontra-se nos 4kg por habitante, pelo que os desafios são muitos para o sector do registo de equipamentos eléctricos e electrónicos.
Quais as principais tendências do sector dos resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos, em Portugal e na Europa?
As principais tendências do sector, a nível nacional e europeu, espelham-se na nova directiva dos REEE (Resíduos de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos), Directiva 2012/19/EC publicada em Julho do ano passado no jornal das comunidades.
Basicamente, pretende-se diminuir o impacto dos resíduos na natureza, através de uma maior abrangência de aplicação da directiva e de metas de recolha mais ambiciosa; estimular o reaproveitamento de materiais, quer pelo aumento de metas já referido quer ainda por um maior controlo ao nível da exportação de resíduos; e por último, diminuir encargos e cargas administrativas desnecessárias para as empresas, através da harmonização e simplificação de procedimentos e interação entre entidades.
Na sua óptica, o que tem de mudar na actual legislação para que este mercado funcione de forma menos dispendiosa e mais harmoniosa?
Um dos aspectos que é imperativo mudar é dar condições às empresas para cumprirem de uma forma eficaz, rápida e barata. Hoje, qualquer empresa tem que estar inscrita, declarar e pagar a várias entidades para cumprir uma série de legislação ambiental a que está sujeita – são os resíduos da própria actividade, as embalagens com que embala os seus produtos, os equipamentos eléctricos, as pilhas ou os óleos, entre outros. Esta dispersão obriga não só um custo desnecessário em dinheiro e tempo envolvido, como também, pela falta de visão de conjunto, dificulta o cumprimento e detecção de incumpridores – os quais, não esqueçamos, estão a onerar os custos de todas as empresas cumpridoras.
Por estas razões, a ANREEE apresentou, já em 2010, um projecto que passa, justamente, pela concentração de todas as obrigações numa única plataforma onde as empresas podem aceder, com uma única password e onde são informados e notificados de todas as suas obrigações.
Este é um projecto que faz todo o sentido porque irá, de forma imediata, poupar tempo e dinheiro. Podemos afirmá-lo com base num estudo e projeções realizadas, onde se concluiu que é possível reduzir pelo menos para metade o valor das taxas pagas por todas as empresas.
Outro aspeto é termos uma fiscalização mais eficiente. Uma fiscalização que actue mais rapidamente sobre os incumpridores e que evite fugas a nível das recolhas de resíduos.
Também aqui o projecto apresentado pela ANREEE iria, pela concentração e depuração de informação precisa, facilitar e rentabilizar o trabalho desenvolvido pelas entidades fiscalizadoras o qual é de capital importância para todo o funcionamento do sistema.
Quais os grandes desafios do sector – e como podem estes ser colocados em prática?
O sector dos equipamentos eléctricos e electrónicos vem, desde 2011 em Portugal e em consequência directa da crise, sofrendo reduções no número e peso dos equipamentos colocados no mercado. Em média, essas reduções têm sido de 14%/ano. Com esta diminuição assistimos a um número crescente de empresas que abandonaram o sector, quer por fecho de actividade quer por deslocalização da delegação para outros países.
As novas empresas que, felizmente, também têm sido criadas, possuem modelos de negócio diferentes. São mais pequenas e flexíveis, elegem as vendas pela internet como o seu canal de vendas e desmaterializam a sua existência, a qual tanto pode estar em Portugal como em qualquer país do mundo.
Chegar a estas empresas e trazê-las para o sistema, é um verdadeiro desafio que envolve relações internacionais – quer dentro da Europa quer com países terceiros – e uma interação mais fina com várias entidades as quais têm mostrado ter uma velocidade bem mais lenta do que a rapidez com que estas empresas aparecem e desaparecem.
Se do lado das colocações no mercado (EEE) o desafio é trazer todos os outsiders para o sistema, já do lado das recolhas (REEE) o desafio é garantir que cada vez menos REEE sejam perdidos.
É um desafio que tem várias variáveis – exportação ilegal de REEE para países em vias de desenvolvimento, roubo de REEE de redes de transporte e centros de recolha, com consequente canibalização dos materiais valiosos e abandono das carcaças em qualquer berma de estrada.
A nível da Europa, embora actualmente 65% dos REEE já sejam devidamente separados, só cerca de 33% chega a um centro de tratamento adequado.
Nova directiva muda tudo
A nova directiva REEE 2012/19/EU entrou em vigor em Julho, devendo ser transposta para direito nacional até Dezembro de 2013. O que já foi feito neste aspecto?
Portugal tem até Fevereiro de 2014 para transpor a nova diretiva europeia para o ordenamento jurídico nacional, num processo que está a ser liderado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Esta instituição já lançou uma consulta pública e tomou medidas para a criação de um grupo de trabalho, que deverá reunir-se proximamente.
Com mais avanços e atrasos esta é a situação em que se encontram actualmente todos os Estados Membros. Da nossa parte, temos estado a trabalhar junto da Comissão na preparação de um documento de perguntas (FAQ) que irá, assim o esperamos, ajudar todas as empresas e intervenientes a fazerem a passagem para a nova Diretiva
Com as entidades de registo congéneres Europeias, através da EWRN – European WEEE Register Network – temos vindo a desenvolver trabalho no sentido de harmonizarmos ao máximo processos e entendimentos, aproveitando a janela de oportunidade que a transposição da nova directiva nos possibilita
A nível nacional, temos desde 2012 realizado um roadShow por várias regiões de Portugal Continental e ilhas, com a intenção de actualizar e reforçar o conhecimento, junto dos empresários regionais,sobre a nova diretiva reguladora de Resíduos de EEE. Esta iniciativa pretendeu sobretudo alertar sobre a existência de obrigações para quem coloca equipamentos eléctricos e electrónicos no mercado, sendo que só o registo é a garantia perante os seus clientes e parceiros de que estão a cumprir a legislação e a contribuir para a sustentabilidade e conservação do ambiente.
Para a ANREEE é muito importante este diálogo, pois representa uma forma rápida e eficaz de esclarecer dúvidas e de recolher opiniões e sugestões das empresas. Esta campanha, que teve o nome de “registo único”, permitiu também realizar com as empresas um balanço do que têm sido todos estes anos, desde 2005, como ainda apresentar o nosso projeto de entidade única de registo. Os resultados e o feedback foram muito positivos.
A nova directiva vai pressionar para metas bem mais ambiciosas que a recolha dos actuais 4 kg por habitante/ano. Como se está a preparar a ANREEE para esta nova fase?
Efectivamente, a nova directiva vai trazer-nos metas que vão passar de um valor fixo – os actuais 4kg por habitante – para um valor variável em função do mercado. É mais justo, mas muito ambicioso. Os actuais 4kg por habitante irão ter que crescer para 45% do peso médio dos equipamentos colocados no mercado nos últimos três anos, em 2016 e para 65% em 2019.
Se aplicássemos hoje estas novas regras, seriamos obrigados a elevar a taxa de recolha para 7 e 10 Kg/habitante respectivamente. São grandes saltos quantitativos, num espaço de tempo muito curto. Para o conseguirmos vamos ter que necessariamente aumentar capilaridade e sobretudo diminuir as fugas ao sistema de recolha existente.
Não tendo a ANREEE actuação em nenhuma dessas áreas, estamos a concentrar os nossos esforços em trazer mais empresas ao cumprimento das suas obrigações, garantindo que mais resíduos sejam recolhidos pelas vias correctas e contem para as metas. Temos neste momento, em processo de identificação e sensibilização, cerca de 1.000 potenciais empresas.
Chamar mais empresas
Que balanço faz da actuação da ANREEE nestes últimos anos?
Temos mais de 1.700 empresas registadas, o que comparativamente a outros Estados membros e aplicando um rácio de população, nos coloca em terceiro lugar. Se aplicássemos um rácio que entre em conta com o PIB, ainda mais favorável seria a nossa posição.
Não só temos proporcionalmente mais empresas registadas por habitante, como também estamos a conseguir números de mercado com taxas declarativas superiores a 90%. Isto é, recebemos declarações de actividade, dentro do tempo, de mais de 90% das empresas registadas. Como consequência, os números que fornecemos à tutela – e que são de capital importância para validação de metas e atribuição de quotas de mercado – são fidedignos e retratam com rigor o mercado nacional.
E é rigor e segurança que vimos imprimindo a todos os aspetos do nosso serviço. Em 2012, iniciámos processos de qualidade e segurança de informação. Somos atualmente a única entidade de registo Europeia certificada em ISO 9001 (qualidade) e Segurança de Informação (ISO 27001).
Criámos em 2007, com outras entidades de registo, uma rede de registos europeus – A EWRN – a qual não só têm ajudado a aplainar diferenças entre os vários estados membros, como é atualmente usada e citada pela Comissão como um parceiro fiável. Ao longo destes temos vindo sistematicamente a baixar taxas – nem a crise nos fez aumentar – tendo já realizado quatro reduções em cinco anos consecutivos.
Iniciámos no ano passado um processo de internacionalização, levando a nossa experiência a outros países de expressão oficial Portuguesa, os quais começam agora a sentir necessidades de começarem a controlarem mercados. Mais que uma aplicação de registo, a ANREEE foi criada por Associações de empresas e entidades gestoras, para servir empresas ajudando-as a cumprir as obrigações que a legislação em matéria de ambiente vai criando. Por todos estes factos, terei que considerar como muito positiva a atuação da ANREEE.
Em relação aos nossos congéneres europeus, Portugal está adiantado/atrasado no registo de resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos?
Como já referi, estamos muito bem em termos de números. Geralmente, quando nos pedem comparações com outros países, é referida a Espanha. Relativamente a este vizinho não só começámos mais cedo a operar como temos muito mais empresas registadas por habitante.
Mas não nos devemos comparar só em números. O nosso sistema de registo é desde o início totalmente online e usado para todo o diálogo e interação com as nossa empresas.
Realização de declarações, emissões de taxas, envio de mensagens… tudo é feito através do sistema de registo da ANREEE que, num inquérito realizado no ano passado junto dos utilizadores e que teve mais de 500 respostas, obteve nota máxima quanto à sua usabilidade e facilidade.
Um sistema a funcionar de forma contínua, sem dificuldades nem interrupções, declarações feitas dentro dos calendários previstos e, como já citei, com taxas de cumprimento superiores a 90%, são motivos que nos ajudam a sentirmo-nos bem face aos nossos congéneres.
Costuma dizer que há muitos “esconderijos cinzentos” usados por empresas para evitar o registo e coparticipação nos custos da recolha e tratamento de resíduos que elas estão a gerar. Como poderemos alterar esta situação antes de 2018?
Antevejo duas formas: clarificação da nova directiva e harmonização de entendimentos com outras entidades de registo.
Historicamente houve muitas empresas que dizem não se reverem na atual directiva – fugindo ao registo e às suas obrigações – pela existência de alguma linguagem dúbia no seu texto, que dá azo a diferentes interpretações, quer ainda pela existência de equipamentos que não são considerados no âmbito, em alguns Estados Membros. Estamos por isso a fazer um esforço para que a Comissão possa colocar um documento de FAQ de aplicação mais direta.
Com as entidades de registo parceiras, estamos a desenvolver entendimentos e a acordar procedimentos comuns relativos a questões práticas que a Diretiva aflora, mas que não poderá dar resposta prática.
A nova directiva vai trazer, em 2018, o chamado âmbito aberto. Isto é tudo: o que depende de electricidade, correntes eléctricas ou campos electromagnéticos vai passar a estar incluído. À primeira vista temos seguramente mais equipamento abrangido mas, com o âmbito aberto vêm também novas exclusões que, se não tivermos cuidado, podem igualmente excluir muito equipamento. O esforço de um entendimento prévio e comum entre as várias entidades de registo é por isso fundamental.
O registo de produtores de EEE é um passo fundamental em toda a cadeia de sustentabilidade, uma vez que só sabendo quantas empresas existem e o que colocam no mercado poderemos assegurar a recolha e reciclagem adequada, um sistema justo para todos, números fidedignos e uma correta contabilização de resultados face às metas europeias.