“Saber ler salvou a vida ao meu avô na Primeira Guerra Mundial”



“O MEU AVÔ TEVE UMA MORTE SANTA AOS 92 ANOS. CONTUDO, SE CHEGOU AOS 30, foi porque sabia ler.

Imaginem-se em 1916. Os alemães olhavam gulosos para as colónias portuguesas em África. O governo de Lisboa, sem cheta e sem capacidade militar, cerrou fileiras do lado dos Aliados, na esperança de manter a posse desses territórios.

Mas o Exército português estava tão mal equipado e pior treinado que ninguém os queria a combater. Os ingleses e os franceses achavam que eles só iriam atrapalhar. Assim, foi encontrada uma solução para o Corpo Expedicionário Português, o nome pomposo com que o grupo de soldados portugueses, quase menores, arrancados às suas famílias e enviados para o estrangeiro foi baptizado: iriam para as trincheiras em França impedir o avanço dos alemães. Com equipamento deficiente e negligenciados pela máquina de guerra aliada, dos duzentos mil que partiram, morreram dez mil. Muitos milhares ficaram feridos. O meu avô voltou. Ileso.

Como era dos poucos portugueses que sabia ler e escrever, enviaram-no para Inglaterra. Formaram-no para liderar uma equipa de oito pessoas, encarregue de manobrar uma peça de artilharia. Era um daqueles canhões grandes montado em rodas de diligência.

Como esses canhões estavam situados a centenas de metros da frente de batalha, o meu avô passou a Primeira Guerra Mundial a uma distância de segurança do matadouro em que os seus compatriotas se moviam. Na verdade, foi por saber ler que se safou.

A educação é fundamental. Para uma sociedade e para cada indivíduo. Em 1998, apenas 24% dos portugueses tinha completado o ensino secundário e 6% cumprira o superior. Em 2014, esses números subiram para 43%, em relação ao secundário, e 19% para o ensino superior. Os avanços foram enormes! Mas a verdade, pura e dura, é que essa melhoria não chega.

O saber não ocupa lugar, mas as prioridades estão trocadas.

A “geração mais bem preparada de sempre” está abaixo da média europeia: numa Europa a 28, 76% completou o secundário e 27% o superior. Assim, é natural que os portugueses continuem a ser enviados para as trincheiras. Poucos ficarão cá atrás a disparar os canhões.

O saber não ocupa lugar, mas, por vezes, as prioridades estão trocadas. Ensina-se o que não interessa e o fundamental fica por aprender. O meu avô não sabia disparar uma arma. As armas do Exército português estavam encravadas ou tinham peças a menos e, por isso, ele não conseguiria treinar. À partida, iria mal preparado para a guerra. Mas sabia ler e escrever. E, naquele momento, foram essas competências que o salvaram. Aprendeu a manobrar uma máquina que nem existia no seu país.

Em Portugal, ainda se debate a idade com que as crianças devem aprender inglês, a língua franca do social media, dos halls de aeroporto e dos novos negócios. Se, em 2012, 37% dos miúdos na Primária portuguesa aprenderam inglês, na Europa a 28 esse valor era de 77%. Não se discute o ensino de programação (programação a sério, não é aprender a mexer no Office!). No entanto, esse é um objectivo já anunciado para as escolas públicas de Nova Iorque no lapso de uma década. O Reino Unido tem o ensino obrigatório de programação desde a… primária. São estes (entre outros) saberes que permitiriam aos portugueses aprender a fazer qualquer coisa.

É impossível preparar as pessoas para profissões que ainda não foram inventadas (e que constituirão a maioria da oferta de emprego daqui a duas ou três décadas), mas é possível dar ferramentas que permitam aos jovens aprender a desempenhá-las.

Não há dúvidas que a próxima geração de portugueses será mais bem preparada que a anterior. E a seguinte, ainda será melhor. Mas, sem uma aposta continuada, inovadora e corajosa no ensino, os portugueses continuarão atrás das outras gerações europeias que concorrem aos mesmos Erasmus, estágios e empregos. E nem toda a gente terá a sorte do meu avô.”

João Valente é leitor do Green Savers, autor e responsável pelo blog homónimo.  

Foto: Thomas Quine / Creative Commons





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