Saúde das plantas é “pilar fundamental” para pessoas, animais e planeta



Proteger a saúde das plantas é também proteger a saúde humana, dos animais e do planeta Terra. Para Paula Garcia, Subdiretora da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), isso é claro e é uma mensagem importante que deve ser transmitida a toda a população.

Em entrevista à Green Savers, a engenheira agronómica ajuda-nos a refletir sobre como a saúde das plantas está a ser afetada num mundo em transformação e que desafios se podem desde já antever para o futuro.

Fala-nos também da terceira e última edição da campanha PlantHealth4Life, uma iniciativa internacional promovida pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e pela Comissão Europeia, em colaboração com parceiros em toda a região.

O grande objetivo é sensibilizar sobre a importância da saúde das plantas na segurança alimentar, na proteção ambiental e no bem-estar humano. Como nos diz Paula Garcia, “sem plantas saudáveis, não só a segurança alimentar estaria em risco, mas também a estabilidade dos ambientes naturais dos quais dependemos”.

 

Paula Garcia, Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV).

Green Savers (GS): 2025 é o terceiro e último ano da campanha PlantHealth4Life. Por que razão é importante sensibilizar para a saúde das plantas? Essa importância esgota-se na alimentação humana ou vai mais além, como questões de proteção ambiental?

Paula Garcia (PG): A saúde das plantas é um pilar fundamental não só para a alimentação humana e animal, mas para todo o equilíbrio ambiental. Sensibilizar para a sua importância significa reconhecer que as plantas são a base das cadeias alimentares e fornecem os recursos essenciais para a vida no planeta, incluindo oxigénio, matérias-primas e habitats para inúmeras espécies. No entanto, o seu papel vai muito além do prato: plantas saudáveis são peças centrais na preservação dos solos, na regulação dos ciclos da água e na mitigação das alterações climáticas, ao absorverem carbono atmosférico. A saúde das plantas faz parte do conceito global de «Uma só Saúde», e prevenir e/ou combater pragas e doenças das plantas é investir na preservação da biodiversidade, na resiliência dos ecossistemas e, consequentemente, na qualidade de vida das populações. Sem plantas saudáveis, não só a segurança alimentar estaria em risco, mas também a estabilidade dos ambientes naturais dos quais dependemos.

 

GS: Como é que atentar na saúde das plantas pode ajudar, por exemplo, a promover a segurança alimentar e a proteger a biodiversidade?

PG: Quando protegemos as plantas, reduzimos as perdas agrícolas e aumentamos a disponibilidade e a variedade de alimentos, o que é vital para combater a fome e a desnutrição. Os ataques de pragas e doenças podem ser devastadores levando a perdas muito significativas da produção ou mesmo à sua perda total, com efeito, segundo a FAO estima-se a perda de cerca de 40% de alimentos a nível global.

Ao mesmo tempo, práticas que promovem a sanidade vegetal evitam o uso excessivo de pesticidas e preservam o ambiente, nomeadamente os insetos benéficos, como sejam os polinizadores, protegendo assim a biodiversidade. A diversidade de espécies vegetais oferece habitats, alimento e recursos para inúmeros organismos, sustentando ecossistemas equilibrados. Assim, investir na saúde das plantas é investir num sistema alimentar mais resiliente, diverso e sustentável, e também num ambiente mais rico e protegido.

 

GS: Que efeitos podem ter as alterações climáticas na saúde das plantas e, consequentemente, na saúde humana e no ambiente mais vasto? Portugal está especialmente vulnerável a esses riscos?

PG: As alterações climáticas representam uma ameaça crescente à saúde das plantas, com impactos diretos e indiretos que se refletem em toda a cadeia alimentar e na própria saúde humana. O aumento das temperaturas, a variabilidade dos padrões de precipitação e a ocorrência de fenómenos extremos, como secas e cheias, favorecem o aparecimento e disseminação de pragas e doenças que antes estavam limitadas a determinadas regiões, assim como são alterados os seus ciclos biológicos, por exemplo, no caso das pragas, poder aumentar o número de gerações por ano. Portugal, assim como a generalidade dos países do sul da UE, encontra-se particularmente vulnerável a estes desafios a que acresce a grande diversidade de culturas, tornando assim mais difícil o combate às pragas e doenças já existentes e facilitando o estabelecimento e a dispersão de novos problemas fitossanitários.

 

GS: Os movimentos globais de pessoas e bens podem gerar introduções perigosas de organismos que põem em risco espécies e ecossistemas inteiros. Considera que é preciso haver um reforço da atenção prestada às plantas que são comercializadas internacionalmente?

PG: Sem dúvida, é fundamental reforçar a atenção dedicada ao movimento transfronteiriço de vegetais e produtos vegetais.  O comércio global facilita a movimentação de pessoas e mercadorias entre diferentes continentes, e consequentemente de espécies vegetais, criando portas de entrada para pragas, doenças e organismos nocivos que podem ameaçar não só a agricultura, mas também ecossistemas naturais. Inspeções rigorosas, quarentenas e a adoção de normas fitossanitárias internacionais, nomeadamente no contexto da Convenção Internacional da Proteção das Plantas (https://www.ippc.int/) , são medidas essenciais para minimizar o risco de introdução e dispersão de organismos prejudiciais. Assim, o papel das autoridades fitossanitárias nacionais, no caso nacional da Direção Geral de Alimentação e Veterinária, assume uma importância crescente, quer nos controlos fitossanitários nas fronteiras, quer na vigilância fitossanitária no território e aplicação de medidas de controlo.

Além disso, campanhas de sensibilização junto de produtores, importadores e consumidores desempenham um papel importante na identificação precoce de potenciais ameaças e na promoção de práticas responsáveis. Este reforço na vigilância e na regulamentação é, portanto, imprescindível para proteger a produção agrícola, a biodiversidade e a sustentabilidade dos recursos naturais, especialmente num contexto de crescentes desafios ambientais e de globalização dos mercados.

 

GS: Não podemos falar de comércio global sem falar também do tráfico ilegal. Diversas espécies entram ilegalmente nos países, incluindo Portugal, oriundas de outras regiões, e a UE tem sido apontada como um dos pontos de passagem de importantes rotas internacionais de tráfico de vida selvagem. Esse tráfico pode ser uma ameaça para a saúde das plantas?

PG: Sim, a entrada clandestina de plantas, sementes ou outros produtos vegetais, sem o devido controlo fitossanitário, facilita a introdução de pragas e doenças exóticas que podem ser devastadoras para a agricultura e os ecossistemas naturais. Estes agentes patogénicos, ou mesmo determinados animais que podem vir a constituir pragas das plantas, muitas vezes desconhecidos e sem inimigos naturais nos novos ambientes, têm potencial para se estabelecerem e disseminar rapidamente, comprometendo colheitas, afetando espécies autóctones e desequilibrando habitats. Proteger os territórios nacionais exige, por isso, colaboração entre autoridades, sensibilização do público e o reforço das políticas de controlo fitossanitário a nível regional, nacional e global, essenciais para preservar a saúde das plantas e, consequentemente, a segurança alimentar e ambiental.

 

GS: Com um planeta em transformação e em crise, é expectável o surgimento de cada vez mais surtos de doenças das plantas? O que poderá reservar o futuro e como nos podemos precaver devidamente?

PG: É de facto expectável que, num cenário de alterações climáticas, globalização e mobilidade acrescida, surjam mais surtos de doenças das plantas. As mudanças ambientais criam condições favoráveis à proliferação de novos agentes patogénicos e pragas, bem como à expansão da sua área de distribuição geográfica. O aumento da temperatura e a alteração dos padrões de precipitação muitas vezes enfraquecem as plantas, tornando-as mais suscetíveis a infeções e a outros tipos de stress biótico e abiótico.

Para nos precavermos, é fundamental investir na prevenção, investigação científica, na monitorização contínua dos campos agrícolas e dos ecossistemas naturais, bem como no incremento de estratégias de resposta rápida a emergências fitossanitárias. O reforço da cooperação internacional, a partilha de informação entre países e a implementação rigorosa de políticas de prevenção e controlo são igualmente essenciais. Apostar na formação de produtores e técnicos agrícolas, envolvendo toda a sociedade na prevenção e identificação precoce de ameaças, pode fazer a diferença na sustentabilidade da produção alimentar e na preservação da biodiversidade.

 

GS: Com a campanha PlantHealth4Life a chegar ao fim, que marcos destacaria, especialmente em Portugal? Considera que se conseguiu, de alguma forma, alcançar os objetivos, de uma maior consciencialização do público para a promoção e proteção da saúde das plantas?

PG: Embora a campanha PlantHealth4Life tenha desempenhado um papel relevante na divulgação da importância da saúde das plantas e na sensibilização de diferentes públicos, é importante reconhecer que o impacto concreto destas iniciativas ainda não é plenamente visível no terreno. A mudança de mentalidades e de práticas requer tempo e persistência, pelo que se torna imprescindível dar continuidade ao trabalho iniciado, intensificando ações educativas e reforçando parcerias entre entidades públicas, setor privado e sociedade civil. Só através da manutenção deste esforço coletivo será possível consolidar uma verdadeira cultura de prevenção e proteção fitossanitária, capaz de responder aos desafios presentes e futuros da sustentabilidade agrícola e ambiental em Portugal.






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