Seca: Agricultores de Portugal e Espanha ‘aliam-se’ nas queixas, mas ‘romantismo’ prende-os ao campo
Produtores pecuários portugueses e espanhóis ‘aliam-se’ nas queixas sobre o setor, com o aumento de custos pela seca e guerra na Ucrânia. Uns acabam por desistir, outros resistem, ‘presos’ à esperança e ao ‘romantismo’ pelo campo.
Este “foi um ano para esquecer”, diz à agência Lusa, sem rodeios, o produtor pecuário Agustín González, à margem de um congresso luso-espanhol sobre pecuária extensiva, que acaba hoje em Cáceres, na Estremadura espanhola.
“Para a pecuária extensiva, é a tempestade perfeita. Subiram muito os custos de produção, os mercados pararam com a covid-19, houve a seca, falta de ajuda dos governos”, exemplifica o criador, da vizinha região da Andaluzia.
Por isso, hoje, “o produtor está praticamente arruinado e não é capaz de obter rentabilidade”, conta Agustín, dono de uma herdade na zona de Ándevalo, perto da fronteira com Portugal, na província de Huelva, onde cria ovinos, caprinos e porcos ibéricos.
“Muitos produtores pequenos e medianos não vão aguentar e muitas explorações vão ser abandonadas”, vaticina.
Com uma entrevista meio em português, meio em castelhano, para a Lusa e para uma jornalista espanhola, para a mensagem chegar mais longe, a agricultora alentejana Paula Conduto Mira, do concelho de Beja, confirma o ‘carimbo’ de “terrível” aplicado a este ano.
“Ainda estou a transportar água para abeberamento do gado. Há um ano que transporto água, as pastagens estão mínimas”, indica, defendendo que é preciso “investir cada vez mais em bacias de retenção de água” em Portugal e em Espanha.
Os produtores “precisam de água, senão desistem” da atividade”, alerta, defensora de que a pecuária extensiva, com o gado pastoreado ao ar livre, num ecossistema complexo como o do montado, precisa de “uma comunicação assertiva e correta”, porque “que não é valorizada”.
“Os nossos produtos são de extrema qualidade”, mas “temos que ter ajuda dos governos para que os custos não sejam tão altos e para que todos possam aceder aos produtos”, diz. Agora, “quem ganha são as cadeias de supermercados”, não os consumidores, nem os produtores, o que “não é justo”.
Outra agricultora, Maria Fernández-Trejo, com a sua exploração de gado bovino na zona de Cáceres, também está farta de “carregar água para cima e para baixo” para os animais, alimentados a ração devido à seca, e admite que houve subida de preços junto do consumidor, tendência que vai manter-se, por causa da guerra e da crise.
Tem sido “um ano duríssimo” e “muita gente está a fechar explorações” ou a “vender gado, porque não o consegue manter, e a preços baixos. É uma pescadinha de rabo na boca, mas temos que continuar a lutar”, promete.
O seu colega andaluz, o produtor pecuário Agustín González, apesar do panorama negro que traça do setor, é dos que não consegue baixar os braços. E confessa-se “um romântico. Totalmente romântico”.
“Não há quem queira continuar com a pecuária, porque não há rentabilidade, é um trabalho duro e depende sempre do céu”, admite. Mas “há gente que ainda tem aquele romantismo de fazer as coisas” como no tempo dos avós e, “quem fica no campo, é apenas por romantismo”.
E, “quando chove e vemos o campo verde”, vão-se as agruras. “Se não chove, é a ruína, a lágrima está à flor da pele”, afiança Agustín.
‘Batido’ pelos anos, uns de seca, outros chuvosos, está o agricultor alentejano José Cândido Rodrigues, da zona de Salvada, no concelho de Beja, criador de bovinos, ovinos e porcos de raça alentejana que exporta para Espanha.
Deste ano, admite as “muitas dificuldades e problemas”, embora, com a alimentação dos seus animais, não se ponha a “fazer contas”. Com palhas e fenos que tinha guardados e rações compradas, lá ultrapassou a situação e, agora, com as chuvas recentes, já está a fazer novas pastagens e semeou fenos e cereais.
Se o próximo ano não melhorar, “se calhar, não aguentamos esta embalagem, porque se vão esgotando as reservas”, confessa.
“Mas ainda vamos tendo esperança, a nossa vida é de esperança e é sempre no amanhã, melhor amanhã. É a razão porque não tenho vendido o efetivo e vamos aguentando”.