“Surto multiespécies”: Gripe das aves já é uma “ameaça imediata” à conservação de mamíferos marinhos
O vírus H5N1, vulgarmente conhecido como gripe das aves, está a adaptar-se para saltar das aves para mamíferos marinhos, alerta novo estudo. Cientistas admitem preocupação sobre “ameaça imediata” à conservação de animais selvagens.
Um grupo de cientistas viajou até à Argentina para estudar os impactos do vírus nas populações de animais selvagens, e concentraram o trabalho numa colónia de leões-marinhos em Punta Bermeja, a maior do país e também a mais afetada.
Ao analisarem o tecido cerebral dos cadáveres de quatro leões-marinhos (Otaria byronia), de um lobo-marinho (Arctocephalus australis) e de uma ave marinha conhecida como trinta-réis-de-bico-vermelho (Sterna hirundinacea), confirmaram que todos estavam infetados com o H5N1.
A sequenciação genómica revelou que as amostras do vírus recolhidas eram praticamente idênticas, apresentando o mesmo tipo de mutações que tinham sido identificadas já em leões-marinhos no Peru e no Chile. A investigação, cujos resultados são apresentados num artigo publicado na revista ‘Emerging Infections Diseases’, revelou ainda que as mutações do H5N1, que se pensa terem permitido ao vírus ‘saltar’ das aves para os mamíferos, foram também identificadas na amostra de vírus recolhida do trinta-réis-de-bico-vermelho.
A virologista Agustina Rimondi, do Robert Koch Institute e que é também a primeira autora do estudo, assinala, em comunicado, que os resultados obtidos confirmam que “embora o vírus se possa ter adaptado aos mamíferos marinhos, ainda é capaz de infestar aves”. Por isso, classifica a situação como “um surto multiespécies”.
No entanto, parece ainda não representar uma ameaça imediata para os humanos. Marcela Uhart, outra das principais autoras, assegura que “o vírus é ainda de risco relativamente baixo para os humanos”. Ainda assim, avisa que “enquanto o vírus continuar a replicar-se nos mamíferos” poderá, eventualmente, ser capaz de infetar-nos também.
“Por isso é que é tão importante fazer vigilância e fornecer alertas precoces”, salienta a veterinária de animais selvagens.
A atual variante do H5N1, com a designação 2.3.4.4b, surgiu em 2020, e desde então tem causado a morte de dezenas de milhares de aves marinhas, da Europa à África do Sul, tendo em 2022 sido detetada nos Estados Unidos e no Canadá. No final desse ano, tinha alcançado a América do Sul.
Num outro artigo, Uhart e colegas mostravam a força do vírus, quando revelaram que um surto viral terá sido responsável pela morte de 70% de crias de elefante-marinho em 2023.
A investigadora diz que, quando o vírus entra em populações selvagens “não há muito que possamos fazer”, salientando, no entanto, a importância de esforços para reduzir os impactos, como controlar a biossegurança em produções aviárias “para reduzir a probabilidade de um ciclo contínuo de propagação da doença”.