Sustentabilidade: não à transição, sim à revolução
Já não basta alterar o comportamento do consumidor – embora continue a ser importante. Dado o cenário atual, só conseguiremos um planeta sustentável se alterarmos a estrutura sistémica da sociedade. Um esforço conjunto, entre governos, empresas e cidadãos, por forma a aumentar a economia circular, a reduzir a extração de materiais e a produção de energia através de materiais fósseis.
As alterações climáticas são reais, perigosas, vieram para ficar, e têm um custo brutal. Foi desta forma que Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais iniciou a sua apresentação, hoje, na primeira conferência da Green Savers, sob o tema “A Revolução da Sustentabilidade – Estamos preparados?”.
As perdas de riqueza associadas às alterações climáticas são de muitas centenas de milhares de milhões a nível mundial. Pelo que, para Carlos Carreiras, só há dois caminhos. Ou continuamos a depender dos combustíveis fósseis para o desenvolvimento a curto prazo – com todas as consequências ambientais inerentes – ou enveredamos por uma economia verde que “nos sustentará amanhã”. Independentemente da opção, há que ter consciência que há um longo caminho a percorrer, principalmente dado que, hoje, os combustíveis fósseis são ainda responsáveis por 85% da procura primária de energia.
Os transportes, ou mais especificamente a distribuição de produtos, tem um papel muito importante na descarbonização das cidades. Porque todos os dias se entregam milhares de produtos, na sua maioria na residência dos consumidores. Algo que, para Rui Nobre, COO da DPD, é preciso mudar. Os consumidores têm de perceber (e optar) pelos pontos de recolha e lockers (que começam a aparecer). Tratam-se de soluções mais convenientes para todas as partes e muito mais sustentáveis. Rui Nobre deu o exemplo da DPD. Sem os cerca de 700 pontos de entrega que existem hoje em Portugal a empresa teria a seu cargo um adicional de mais 7.000 entregas diárias. O que obrigaria a mais 70 carrinhas em circulação. Com todas as consequências inerentes. Por isso a estratégia da empresa passa, por um lado numa maior aposta (e comunicação do mesmo junto dos seus clientes) de pontos de entrega e lockers, e, por outro, na aquisição de viaturas (Lisboa e Porto incluídas), que a par da aquisição de 70 viaturas (de baixas emissões) e da obtenção de 80% da eletricidade em energias renováveis, lhes vai permitir reduzir as emissões de CO2 em 30%.
Sobre a mobilidade Emanuel Proença, CEO da PRIO Bio, relembrou que, durante nove anos, a empresa (e todos os outros fornecedores) não faturou com a mobilidade elétrica. A falta de regulação impediu a Prio de cobrar o carregamento dos veículos elétricos. Com a agravante que quem beneficiou foram, tipicamente, pessoas com melhor capacidade financeira, capazes de adquirir as viaturas.
A mobilidade é importante, mas quando se fala de sustentabilidade, principalmente associada à gestão quotidiana das cidades, há um tema que normalmente é esquecido: as perdas, designadamente de água. E, no caso de Portugal, o valor não é nada insignificante – 40%- como referiu Marcos Sá, diretor de comunicação, marketing e educação ambiental da Epal. Lisboa foge à regra, dado que a empresa, há cinco anos, investiu numa aplicação que permite, entre outras coisas, avisar o consumidor sempre que há uma fuga – convém referir que as fugas mais impactantes não são as visíveis, mas sim aquelas das quais não nos apercebemos e que, no fim do mês, têm um impacto significativo na fatura – ou mesmo permitir que, em determinado intervalo não há qualquer tipo de abastecimento de água. O serviço que 7 mil clientes em Lisboa consideram ser de valor acrescentado e que estão dispostos a pagar um pequeno valor mensal – cerca de um euro.
Pedro Fernandes, Climate Change Business Developer da APCER, por seu lado, apontou a mudança de comportamento das empresas, que começam a encarar a sustentabilidade não como um custo, mas sim como um apoio à gestão. Veja-se o caso da economia circular. Parece contrassenso uma empresa promover algo que, no fim, significa vender menos. Mas também implica comprar menos. E dá uma outra visão junto dos consumidores. Além disso, cada vez mais, defende Pedro Fernandes, quer empresas quer consumidores têm de dar primazia ao uso em vez da posse. Por exemplo, “alugar” um equipamento em vez de o comprar.
As alterações climáticas não se combatem apenas com medidas conceptuais. É necessária uma mudança estrutural, sistémica, que tem de ser incentivada. Esta é a opinião de Paula Sobral, presidente da Associação Portuguesa do Lixo Marinho. Isto porque os níveis de reciclagem são, ainda, incipientes. Apenas 9% a nível mundial. Portugal, no caso das embalagens, está bem posicionado. Mas apenas e unicamente nas embalagens. Tudo o resto segue o percurso normal. Diga-se, na maioria das vezes, vai para o aterro.
Na mesma linha Alexandra Azevedo, presidente da Quercus, afirma que mais do que mudar comportamentos – que está provado que não é suficiente – há que haver uma reaproximação à natureza. Um restauro dos ecossistemas. No entanto, alerta Joaquim Ramos Pinto, presidente da ASPEA, a educação ambiental só se consegue, hoje, se for assente em parcerias. Numa conjugação de esforço de entidades de vários setores da sociedade. Por outro lado, afirma Tiago Matos, engenheiro ambiental e ativista, não nos podemos esquecer que as alterações climáticas vão afetar, de forma diferente, diferentes grupos sociais. E dá o exemplo das mulheres. Tipicamente ainda são as que ficam em casa a tratar dos filhos e, com isso, têm menos capacidades económicas. O que as torna especialmente vulneráveis caso haja algum evento relacionado com as alterações climáticas – um furacão, uma inundação… A sociedade tem de estar preparada para dar resposta e apoiar estas “vítimas”.
Já Inês dos Santos Costa, Secretária do Estado do Ambiente, afirmou, de forma categórica, que “a sustentabilidade que nós todos queremos faz-se dentro de uma visão sistémica, de sociedade e economia, das quais dependem, literalmente, da saúde do sistema ambiental”. Falar de sustentabilidade como se a sociedade e a economia fossem independentes uma da outra e ambas fossem independentes do sistema natural é impossível. E essa ligação é importante. Principalmente tendo em conta o elevado índice de desperdício. Basta pensar que apenas 8,6% dos mais de 100 mil milhões de toneladas de recursos que entram todos os anos na economia global são reciclados. Feitas as contas, dado “nem dois planetas serão suficientes para este nível de utilização”, alerta a Secretária do Estado do Ambiente. Para que a neutralidade carbónica e os objetivos de sustentabilidade sejam cumpridos, sem que haja a despensa de uns face a outros, é necessário promover a redução da extração de matérias-primas e do consumo de energia. Esta é a convicção de Inês Santos Costa que afirma que, para isso, “nós precisamos de, pelo menos, aumentar a circularidade global dos 8,6% que hoje temos para, no mínimo, 17%”.