Terras dos povos indígenas isolados são as mais ameaçadas na Amazónia, denunciam ativistas



O Brasil é um dos países do mundo com mais povos indígenas isolados, ou seja, que não contactam com a restante sociedade nacional, como forma de manterem os seus modos de vida, os seus territórios e as suas culturas. No entanto, as terras onde vivem, áreas com uma grande biodiversidade, são as mais ameaçadas.

A conclusão é de um estudo publicado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazónia (IPAM) e pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazónia Brasileira (COIAB), no qual alertam que esses povos “estão isolados por um fio” e que enfrentam ameaças aos seus direitos fundamentais reconhecidos na Constituição Federal. Entre os maiores riscos a esses grupos, os relatores apontam a desflorestação, os incêndios, a apropriação ilegal de terras (a grilagem) e a exploração mineira.

Além disso, dizem que o enfraquecimento das políticas de proteção dos indígenas e dos seus territórios ancestrais é “um risco jurídico-institucional” e agrava “a exposição de territórios” a essas ameaças.

A análise indica que entre 2019 e 2021 esses riscos consolidaram-se “de maneira expressiva”, pois “seis das dez terras indígenas com maior aumento no desmatamento no bioma [Amazónia] têm povos isolados”. Adicionalmente, 48% dos incêndios registados nesse período, que os ativistas associam à grilagem e à mineração que deitam fogo para ‘limpar’ áreas florestais e abrir caminho às suas operações, deflagraram nessas terras de indígenas isolados, e “além de degradarem a biodiversidade, tais fatores podem ter consequências irreversíveis para a vida humana, como a dizimação de povos isolados”.

Élcio Manchineri, responsável da COIAB, afirma, em comunicado, que “a Amazônia brasileira é o lugar do mundo com a maior concentração de populações indígenas em situação de isolamento” e exige ao novo governo brasileiro, chefiado por Lula da Silva, a reversão do “legado de destruição deixado pelo anterior, que desmantelou as políticas indigenistas e os nossos direitos”.

E garante que “o movimento indígena está organizado para enfrentar as ameaças aos nossos territórios e à autodeterminação dos povos indígenas, e para defender a vida dos povos isolados”.

As terras indígenas com povos isolados estão mais expostas a ameaças do que terras que não registam a presença desses grupos, dizem o IPAM e a COIAB.
Crédito: Ricardo Stuckert. Fonte: IPAM

Segundo o relatório, atualmente há registo de 44 terras indígenas no Brasil nas quais residem povos isolados, uma área de cerca de 653 quilómetros quadrados, o que equivale a 62% da área total de terras indígenas na Amazónia brasileira.

E os investigadores classificam 12 desses territórios indígenas com povos isolados como estando em risco “alto” ou “muito alto”, destacando em particular quatro “em situação crítica”: a terra indígena (TI) Ituna/Itatá, no estado do Pará; a TI Jacareúba/Katawixi, no Amazonas, a TI Piripkura, no Mato Grosso, e a TI Pirititi, em Roraima.

“As terras indígenas no Brasil estão sendo usurpadas e a fragilidade jurídico-institucional aumenta ainda mais a exposição de povos a terem suas terras invadidas pelo desmatamento, por incêndios criminosos e pela mineração ilegal”, denuncia Patrícia Pinho, responsável adjunta de investigação do IPAM, salientando que “os dados refletem a violação do direito ao uso territorial indígena em curso e indicam a necessidade de assegurar os direitos fundamentais de originárias e originários”.

Os ativistas chamam também a atenção para o papel que o Cadastro Ambiental Rural (CAR) está a desempenhar na ameaça à existência dos povos indígenas isolados na Amazónia, dizendo que esse mecanismo “um atestado de que o crime tem compensado, é uma forma de os criminosos ‘formalizarem’ as invasões”. Através do CAR, pessoas e corporações procuram legalizar a sua propriedade sobre terras indígenas através de documentos falsos (a grilagem), ao arrepio dos direitos de ancestralidade dos povos indígenas.

“Mas, por lei, essas terras são dos povos indígenas”, diz Rafaella Silvestrini, investigadora do IPAM, que acrescenta que “hoje, com a tecnologia, temos tudo mapeado, sabemos exatamente onde os crimes ambientais vêm acontecendo” e que cabe agora ao governo federal “agir, restabelecendo instrumentos de fiscalização já existentes nas políticas ambientais, com responsabilização de infratores”.

“Os nossos territórios e dos nossos parentes isolados estão cada vez mais sendo invadidos por madeireiros, narcotraficantes, garimpeiros, e outros predadores de floresta, colocando em risco nossas vidas e daqueles que optaram por não interagir com a sociedade ocidental, após traumáticos encontros com os não indígenas”, alerta Élcio Manchineri, que defende que “A sociedade e o Estado têm o dever de respeitar essa escolha e proteger os seus territórios de invasões”.

Os ativistas defendem que a demarcação, por parte do governo federal, das terras dos povos indígenas, especialmente dos que estão isolados, é fundamental para proteger essas áreas da apropriação ilegal e de atividades económicas que destroem não só a imensa biodiversidade que caracteriza a Amazónia, mas que também colocam em risco a sobrevivência desses grupos humanos.

No início deste mês, a nova presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, ela própria indígena, assumiu como um das principais prioridades do seu mandato a demarcação dos territórios indígenas do Brasil como medida essencial para a proteção desses povos contra a apropriação ilegal.





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