‘Transplantes’ podem salvar recifes de coral mas só se houver diversidade genética
Os recifes de coral, tal como tantos outros ecossistemas por todo o planeta, enfrentam ameaças cada vez mais intensas à medida que a Terra aquece, fruto das emissões de gases com efeito de estufa gerados por atividades humanas, e devido a eventos climáticos extremos, como tempestades, e à subida da temperatura dos mares.
Considerados pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) como os ecossistemas que albergam a maior biodiversidade a nível global e destacando a sua importância para a subsistência de mais de 500 milhões de pessoas em todo o mundo, que deles dependem para atividades fundamentais como a pesca, os recifes de coral estão sob ataque.
Estima-se que, nos últimos 30 anos, recifes em todo o mundo tenham sofrido o que é conhecido como ‘branqueamento’, um fenómeno através do qual, sob condições de stress térmico, é quebrada a relação simbiótica entre os corais e pequenos organismos unicelulares fotossintéticos chamados zooxantelas. Dessa forma, os recifes adquirem uma cor esbranquiçada, e de pontos centrais de biodiversidade, transformam-se em verdadeiras ‘florestas fantasma’, formadas por estruturas calcárias desprovidas de vida.
De acordo com a UICN, um aumento entre um e dois graus Celsius da temperatura da água do mar que se mantenha durante várias semanas poderá causar o branqueamento dos corais, que se persistir durante longos períodos pode mesmo resultar na morte dos corais. Acredita-se que os eventos de branqueamento possam, de um só assentada, dizimar incontáveis corais.
Desde a década de 1950, que a Terra perdeu metade dos seus recifes de coral, com consequências significativas para a natureza, bem como para as sociedades humanas.
Tendo como pano de fundo o aquecimento aparentemente imparável do planeta, um grupo de cientistas dos Estados Unidos acredita ter encontrado a solução para recuperar os recifes em declínio: transplantes.
Contudo, as experiências geraram resultados díspares. Ao passo que alguns corais saudáveis transplantados tenham conseguido estabelecer-se e singrar onde antes só existiam corais branqueados, outros não conseguiram sobreviver. Ainda assim, foi possível perceber que a solução para o sucesso dos transplantes de corais reside na diversidade genética.
A investigação focou-se na espécie Acropora cervicornis, originária das Caraíbas e atualmente com o estatuto de ‘criticamente em perigo’.
Depois de algumas experiências que geraram mais questões do que respostas, Carly Kenkel e Wyatt Million, dois dos autores do artigo publicado na revista ‘Proceedings of the National Academy of Sciences’, usaram clones de apenas 10 indivíduos dessa espécie como transplantes, para poderem perceber quais os fatores que determinam o sucesso, ou insucesso, da implantação.
Os cientistas perceberam que as condições ambientais, bem como as características do próprio coral transplantado, são fundamentais para os esforços de recuperação de recifes em risco. Destacando a importância da “diversidade genética dos transplantes de coral”, Kenkel sugere que o sucesso do restauro dos recifes dependerá, em grande medida, “da variedade de indivíduos” que são transplantados, para assegurar que “pelo menos um consegue adaptar-se à sua nova casa”.
Os cientistas estudaram também a plasticidade dos corais, isto é, examinaram a capacidade que esses seres vivos têm para se adaptarem às condições do meio que habitam, mudando caraterísticas como a sua forma ou o seu tamanho. Assim, quanto maior a plasticidade, maior a resiliência e maior será a capacidade que os corais terão para sobreviver às alterações das condições ambientais.
Kenkel diz que os corais mais ‘plásticos’ foram os que apresentaram maiores taxas de sobrevivência quando transplantados para novos ambientes.
Contudo, Wyatt Million avisa que, apesar de alguns corais demonstrarem uma grande capacidade de adaptação, é preciso combater as alterações climáticas, pois mesmo essa plasticidade terá os seus limites.
Argumenta que “a plasticidade adaptativa não é uma ‘solução mágica’ para os corais” e que não se pode descurar a importância de reverter os efeitos das alterações climáticas se, realmente, queremos que os corais sobrevivam.
A equipa de investigadores quer agora tentar perceber se essa plasticidade dos corais é fornecida pelo próprio animal ou se, por outro lado, é permitida pela alga microscópica que com ele vive em simbiose.
Compreender com maior detalhe como esses dois seres vivos se relacionam é imprescindível para que se possa prever a capacidade que os corais terão para se adaptarem e, em última análise, sobreviverem a um clima em transformação.
Em 2020, um relatório do Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP) apontava que, num cenário em que o mundo continue fortemente dependente dos combustíveis fósseis, todos os recifes desaparecerão até 2100, com as maiores perdas a serem registadas em 2034. Caso os países reduzam para metade as suas emissões de gases com efeito de estufa até ao final do século, esse ponto alto da devastação seria adiado para o ano de 2045.
De qualquer das formas, e tendo em conta que na última cimeira mundial do clima, a COP27, que decorreu em novembro no Egito, os líderes mundiais não quiseram assumir um compromisso claro e vinculativo para abandonar, ainda que gradualmente, o consumo de energia fóssil, os recifes de coral parecem ter os dias contados, a menos que se tomem medidas urgentes antes que seja demasiado tarde.