Um caso de “poluição biológica”: Fungo mortífero que ameaça morcegos nos EUA teve origem em grutas na Ucrânia



Os morcegos são um dos grupos de mamíferos mais diversos da Terra, com mais espécies do que qualquer outra ordem, à exceção dos roedores. Contudo, por viverem em habitats relativamente isolados, as grutas, e com condições ambientais de um equilíbrio delicado, são altamente suscetíveis a perturbações e, claro, a doenças.

A doença do nariz branco, provocada por um fungo chamado Pseudogymnoascus destructans, é uma das principais ameaças à sobrevivência dos morcegos e a causa da maior mortalidade relacionada com patógenos alguma vez registada em mamíferos. Começou a ser detetada, pela primeira vez, nos Estados Unidos da América (EUA), e depois também no Canadá, em 2006, tendo resultado na morte de vários milhões de morcegos, quase dizimando populações inteiras de morcegos hibernantes.

O Pseudogymnoascus destructans cresce na face e nas asas de morcegos que estão a hibernar, dando origem a estruturas que se assemelham a pelos brancos, daí o nome “doença do nariz branco”. Se a infeção se tornar realmente grave, os animais são forçados a despertar mais cedo do seu torpor invernal e a gastar as suas escassas reservas de energia, podendo morrer de fome ou de frio.

O fungo é originário da Eurásia, onde coexiste com espécies nativas de morcegos que não parecem ser afetados por ele. Contudo, quando foi acidentalmente introduzido nos ecossistemas norte-americanos, espoletou o que um grupo de cientistas descreve como “uma das mais devastadoras epidemias alguma vez registadas em mamíferos”.

Esses mesmos investigadores acreditam, por fim, ter descoberto como é que esse fungo mortífero chegou à América do Norte. Num artigo publicado recentemente na revista ‘Nature’, sugerem que tudo terá começado há algumas décadas em grutas na Ucrânia, mais especificamente na região de Podillia, visitadas por exploradores que levaram para os EUA esporos do Pseudogymnoascus destructans.

Os cientistas dizem que na região de Podillia, no sudoeste ucraniano, existem alguns dos maiores sistemas de cavernas do mundo, muito procurados por exploradores, especialmente dos EUA, desde a queda da União Soviética no início da década de 1990. Agora, ao fim de muitos anos de questionamento sobre a origem do fungo devastador, eis a resposta. No artigo, os investigadores sugerem que os exploradores terão vivido algures no estado de Nova Iorque, onde o fungo foi detetado pela primeira vez, e que se terá tratado de um evento único.

“Este trabalho põe fim a quase duas décadas de especulação sobre a origem da doença do nariz branco na América do Norte e ilustra, de forma poderosa, o impacto profundo que um único evento de translocação pode ter na vida selvagem”, destaca Sébastien Puechmaille, da Universidade de Montpellier (França) e um dos principais autores do estudo.

No entanto, esta investigação revelou algo igualmente surpreendente. Pensava-se que o fungo Pseudogymnoascus destructans era o único capaz de causar a doença do nariz branco, mas, ao que parece, há uma segunda espécie patogénica que também é responsável por essa enfermidade, embora apenas uma, a P. destructans, tenha, pelo menos para já, encontrado forma de chegar aos EUA.

“Pensávamos conhecer o nosso inimigo, mas descobrimos agora que ele tem o dobro do tamanho e é potencialmente mais complexo do que imaginávamos”, reconhece Nicola Fischer, da Universidade de Greifswald (Alemanha) e primeira autora do artigo.

Com este trabalho, os investigadores chamam a atenção para os “grandes riscos” que as atividades em grutas podem representar para os animais selvagens devido à disseminação de patógenos, e salientam a importância e a “urgência” de uma melhor compreensão da “poluição biológica” associada às viagens humanas.

“Prevenir o transporte não intencional de fungos patogénicos como o Pseudogymnoascus destructans deve tornar-se uma prioridade nas estratégias de gestão da conservação e da saúde, pela proteção tanto da vida selvagem como dos humanos”, assevera Puechmaille.






Notícias relacionadas



Comentários
Loading...