Uma cidade mais tecnológica não é necessariamente mais inteligente
A arquiteta Meejin Yoon, vencedora do prémio Leonardo da Vinci atribuído pelo Conselho Cultural Mundial, defendeu hoje que o conceito de ‘smart city’ não deveria estar associado a tecnologia e dados, mas a planeamento e gestão do espaço público.
A diretora da Faculdade de Arquitetura, Arte e Planeamento da Universidade de Cornell (Estados Unidos), Meejin Yoon, é a vencedora do Prémio Mundial de Artes Leonardo da Vinci, cuja cerimónia de entrega deste e doutros galardões atribuídos pelo Conselho Cultural Mundial vai decorrer na Universidade de Coimbra, na quarta-feira.
A arquiteta e docente natural da Coreia do Sul mas que cresceu nos Estados Unidos trabalha, entre outros temas, a interceção da arquitetura com a inovação tecnológica, o design e o urbanismo, tendo em mente os presentes desafios sociais e ambientais que o mundo enfrenta.
Apesar dessa relação próxima com a tecnologia, Meejin Yoon considera que, depois de vários anos de “grande excitação” com o impacto que a internet, a ciência de dados e a computação poderiam trazer para a arquitetura, o tempo atual promove a necessidade de reflexão sobre o papel da tecnologia na sociedade, mas também na arquitetura e planeamento urbano.
“Às vezes a tecnologia menos ‘tech’ e mais básica pode ser o que precisamos num determinado tempo e contexto para moldar o ambiente da melhor forma possível”, disse à agência Lusa a especialista.
Nesse sentido, a arquiteta questiona se as cidades com o rótulo de ‘smart cities’ serão na verdade “mais inteligentes”.
“Quando adicionamos tecnologia como um aditivo, como algo para nós pensarmos que as coisas estão a avançar, é quando há um falhanço da imaginação e da forma como pensamos a tecnologia. A tecnologia, quando é integrada e permite outras possibilidades, isso ajuda a sociedade e o meio ambiente. É aí que deveríamos colocar a nossa energia”, salientou.
Na verdade, notou, o conceito de ‘smart cities’ “é um termo que quer dizer que há mais sensores, mais aplicações e mais dados em tempo real”, que pode ser algo que as cidades precisam, mas que não as torna por si só em cidades inteligentes.
“O planeamento, a forma como se olha para a malha urbana, para o uso misto de espaços, para o aproveitamento do espaço público, isso sim, cria uma cidade vibrante a longo prazo e isso é, para mim, uma cidade inteligente”, realçou, apontando para inovações do passado, como a criação das praças públicas, como evoluções que tornaram o espaço urbano melhor.
“Devemos pensar em cidades mais saudáveis e mais sustentáveis. É aí que acho que temos cidades mais inteligentes. Não é a partir de sensores, ‘gadgets’ e aplicações”, asseverou.
Nesse sentido, Meejin Yoon realça também a crescente consciencialização da arquitetura para as alterações climáticas, fenómeno perante o qual a disciplina terá de se adaptar.
“É muito importante que a disciplina se adapte, porque a arquitetura implica, tradicionalmente, uma pegada ecológica grande, face ao uso de materiais na construção, com o aço e o betão a serem materiais cuja produção é responsável por muitas emissões”, alertou.
Para a docente, esse processo de adaptação a novos desafios já está a decorrer, com os arquitetos cada vez mais conscientes do impacto do seu trabalho.
A concentração na requalificação de edifícios em vez de novas construções, questionar a origem dos materiais e a sua sustentabilidade e a possível reutilização de materiais em construção são algumas das questões que começam a estar cada vez mais presentes, constatou.
“Os arquitetos têm de começar a pensar como construir algo que dure mais tempo, com materiais mais sustentáveis e menos desperdício”, referiu a especialista adepta de uma arquitetura que não vive centrada em grandes projetos, mas em ações quase de “acupuntura”, como aquela que fez na entrada de uma estação de metro em Boston, nos Estados Unidos, em que o telhado serve de pequeno anfiteatro que é usado todos os dias por quem ali passa.
“Para a arquitetura não é apenas importante o que desenhamos, mas como desenhamos e com quem. Quem é que trazemos para a mesa? É a única forma de se poder usar a arquitetura para melhorar a vida dos outros é ouvindo os outros”, vincou.