“Uma crise global”: ‘Corrida ao ouro’ e outros minerais ameaça rios nas regiões tropicais

Os rios nas regiões tropicais do planeta estão a ser degradados por causa de atividades de extração de ouro e outros minerais. Imagens de satélite mostram cursos de água lamacentos, repletos de sedimentos perturbados pela mineração, com impactos para a biodiversidade, para a paisagem e para as sociedades humanas.
Uma investigação liderada pela Universidade Wake Forest e pela Occidental College, nos Estados Unidos da América (EUA), revela que os rios, e as zonas adjacentes, em 49 países tropicais, da América do Sul à África central, passando pelo leste asiático, estão a ser contaminados, e aponta para um “problema à escala global”.

Imagem: Evan Dethier (coautor do artigo) / Twitter
Miles Silman, professor de Biologia da Conservação da Wake Forest e um dos principais autores do artigo publicado recentemente na ‘Nature’, explica que “apesar de trabalhos nossos anteriores se terem debruçado sobre como a mineração de ouro artesanal e de pequena escala na região de Madre de Dios, na Amazónia peruana, envenena a vida selvagem e as pessoas e destrói a paisagem, este estudo leva o problema à escala global”.
A mineração nos rios ou perto deles, além de poder causar desflorestação e agravar o risco de erosão dos solos, liberta sedimentos que entram nos rios e são transportados ao longo de todo o seu curso, amplificando os impactos das operações mineiras e “perturbando a vida aquática nos ecossistemas próximos e a jusante”, dizem os investigadores.
Além disso, os sedimentos podem levar com eles substâncias tóxicas, como o mercúrio, que, por exemplo, é usado nas explorações mineiras para separar o outro dos sedimentos, algo que “afeta ainda mais a qualidade da água e pode ser prejudicial para a saúde humana e para o ambiente”.
Evan Dethier, da Occidental College e primeiro autor do artigo, recorda que “durante séculos, se não mesmo milénios, a mineração tem ocorrido em locais nos trópicos, mas nunca à escala que temos visto nas últimas duas décadas”.
Através imagens capturadas por satélites e da análise de milhões de medições feitas em rios por todo o mundo, os investigadores dizem que a degradação dos habitats fluviais decorrente dessa atividade é “uma crise global”.
No século XXI, observou-se um aumento da atividade mineira, sendo que em 60% dos locais estudados a mineração começou depois de 2000, e nos restantes após 2006. Isso faz com que hoje mais de 35 mil quilómetros de rios tropicais nos países abrangidos estejam a ser afetados pela mineração de ouro e outros minerais, mais do que duplicando a quantidade de sedimentos em 80% dos 173 rios analisados.
Numa publicação na rede social Twitter, o coautor Evan Dethier mostra uma imagem em ‘time lapse’ do impacto de uma operação de mineração em Myanmar nas áreas florestais envolventes.
Mining usually begins by cutting down all the trees along a targeted area, leading to landscape change like we see here in Myanmar: pic.twitter.com/Ja49jqvPfP
— Evan Dethier (@evandethier) August 23, 2023
Com a ajuda dos satélites, os investigadores dizem que é possível perceber melhor os impactos das explorações mineiras no ambiente, especialmente nos rios, algo que antes não era possível a não ser no terreno.
No que toca à vida aquática, David Lutz, da Dartmouth College e outro dos autores, afirma que “quando os rios e ribeiras experienciam altos níveis de sedimentos em suspensão, os peixes não conseguem ver as suas presas nem os predadores, e as suas guelras podem ficar repletas de sedimentos e danificadas, o que pode levar a doenças ou mesmo à morte”.
Os cientistas pedem que sejam tomadas as medidas necessárias para combater a degradação dos rios causada pela mineração. Luis Fernandez, da Wake Forest, acredita que “se tivermos as políticas certas e se forem implementadas no tempo certo, podemos reverter a tendência” e contraria a maré de destruição.