Vários fatores tornam pouco provável a substituição de consumo de carne por insetos

Substituir o consumo de carne de vacas, porcos e aves pelo consumo de insetos tem sido apontado por alguns como um possível caminho para uma maior sustentabilidade dos sistemas alimentares.
Criar insetos em cativeiro pode ser ambientalmente menos prejudicial do que a pecuária intensiva, que tem impactos negativos ao nível, por exemplo, da desflorestação, das emissões de gases com efeito de estufa para a atmosfera e da poluição de ecossistemas aquáticos.
No entanto, é pouco provável que essa transição venha a acontecer, pelo menos na escala necessária para realmente ter os efeitos benéficos que os seus proponentes advogam. Embora o consumo de insetos tenha vindo a ganhar adeptos nos últimos tempos e de ser prática firmemente alicerçada em algumas culturas pelo mundo fora, nas sociedades ocidentais comer insetos continua a ser visto como algo repulsivo.
Num artigo publicado esta semana na revista ‘npj Sustainable Agricuculture’, investigadores dos Estados Unidos da América, França e Reino Unido revelam que diversos fatores, incluindo normas culturais fortemente enraizadas e sentimentos de repulsa, representam “obstáculos significativos à adoção disseminada” da entomofagia nas culturas ocidentais.
Cada cultura tem os seus próprios tabus alimentares, resultantes de múltiplas gerações e atravessando outras tantas. Ao passo que numa determinada região do planeta, grupos humanos comem certos animais, numa outra tal consumo é visto como impensável ou até mesmo como grotesco. O consumo de insetos é prática assente em países de África, Ásia e América Latina, com cerca de dois mil milhões de pessoas a fazê-lo, mas importá-la para regiões e países onde tal não tem fundações culturais poderá ser, no mínimo, difícil, apesar de todos os benefícios ambientais que possam ser reconhecidos.
Na União Europeia existem já algumas dezenas de empresas que se dedicam à criação de insetos para a alimentação humana, com a organização IPIFF, que representa o setor junto das instituições europeias, a dizer que tem atualmente 64 membros. Duas delas estão sediadas em Portugal: a Entogreen e a Tecmafoods.
No entanto, as barreiras ao consumo de insetos não se limitam à repulsa, ou ao fator “yuck” como também é conhecido. Também o sabor, a textura, a disponibilidade, a acessibilidade e a conveniência são elementos que pesam.
Assim, o facto de ser uma alternativa mais sustentável à produção e consumo de carne “convencional” não parece ser suficiente para convencer as pessoas a integrarem insetos nas suas dietas. Os autores dizem que fontes de proteína vegetal, que já existem em muitas superfícies comerciais e já foram adotadas por muitos, são uma alternativa mais ambientalmente positiva já disponível.
Embora salientem que poucos foram ainda os consumidores que abandonaram totalmente a carne, os investigadores apontam que “carnes” à base de plantas recebem uma maior aceitação por parte dos consumidores e parecem, por isso, ter um potencial muito maior para substituírem a carne de vaca, porco e aves do que os insetos.
O artigo refere que a incapacidade para atrair consumidores de proteína de insetos levou a indústria a reorientar-se, produzindo insetos para a produção de alimentação altamente proteica para o gado, para animais domésticos e para peixes de aquacultura. Contudo, esta equipa de cientistas diz que esses usos desvirtuam a criação de insetos como uma alternativa mais ambientalmente sustentável, pois exige uma maior quantidade de recursos e poderá acabar por ter os mesmos impactos negativos da produção de soja para alimentação de gado.
Os investigadores argumentam, assim, que os benefícios ambientais da criação de insetos limitam-se à sua dimensão como substitutos de carne para consumo humano, e não se refletem da mesma forma no uso de proteína de insetos para alimentação de animais.