12 anos depois o Minuto Verde continua a ajudar portugueses a proteger o ambiente



Entrevista feita com Sara Campos, Coordenadora do Minuto Verde e Técnica de comunicação no Grupo de Energia e Alterações Climáticas da Quercus.
Foto: Américo Simas/CML

“Enquanto cidadãos-consumidores e cidadãos-eleitores temos muito mais poder nas nossas mãos do que imaginamos se começarmos a pensar diferente e a exigir mudanças.”

 

Como começou do Minuto Verde?
O Minuto Verde começou em 2006, fruto das boas relações entre a Quercus e a RTP, nomeadamente a coordenação do programa Bom Dia Portugal, no qual a rubrica é emitida todos os dias úteis. A ideia surgiu pela necessidade de criar um formato que aproximasse os temas ambientais dos cidadãos e ao mesmo tempo possibilitasse uma abordagem prática, com uma linguagem simples e conselhos muito ligados ao nosso dia-a-dia. Em 12 anos de emissão, alcançaremos mais de 3300 episódios emitidos e esperamos continuar a aumentar este número.

Qual o episódio que teve mais repercussão?
Não é fácil destacar um episódio em particular mas, de uma forma geral, registamos um maior número de reações ou pedidos de informação nos temas ligados ao quotidiano, relacionados com métodos de poupança, com produtos e experiências ecológicas. Coisas que, no fundo, podemos adotar ou implementar imediatamente na nossa vida, no dia seguinte se quisermos. A título de curiosidade, um episódio engraçado emitido em 2015 que não esperávamos que gerasse tanta curiosidade, relacionava-se com a “luffa” (ou bucha), que é uma esponja de origem vegetal resultante de um tipo de abóbora depois de seca. Esta esponja natural que pode ser usada para tomar duche e lavar loiça (em alternativa às esponjas comuns sintéticas, feitas de plástico).

Qual o episódio pelo qual tem mais carinho?
É difícil escolher um episódio, mas pessoalmente posso destacar o conjunto de episódios que realizámos nos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, que nos permitiram descobrir e divulgar a beleza natural das várias ilhas, que são também uma importante expressão do nosso país, bem como vários projetos ambientais muito interessantes que nelas são desenvolvidos.

Acha que o Minuto Verde tem impacto real na sociedade portuguesa?
Pelo feedback diário que recebemos, pedidos de colaboração e também pela longevidade que o programa já alcançou, acreditamos que o Minuto Verde tem vindo a mudar os hábitos de quem o vê e tem contribuído para que a noção de responsabilidade ambiental esteja cada vez mais enraizada nas nossas decisões diárias. Muitas pessoas comentam que já ganharam o hábito de seguir o programa de manhã enquanto se preparam para sair de casa, ou enquanto tomam o pequeno almoço, e que gostam muito do formato por ser curto, simples, direto e com recomendações aplicáveis no seu quotidiano. Acho que esse é um dos segredos, mostrar que o ambiente é de todos e falar uma linguagem que as pessoas percebam. Até porque enquanto cidadãos-consumidores e cidadãos-eleitores temos muito mais poder nas nossas mãos do que imaginamos se começarmos a pensar diferente e a exigir mudanças.

Acha que Portugal é um país consciente em relação à sustentabilidade?
Portugal tem dado passos interessantes em algumas áreas e mostrado sinais de querer fazer a transição  para a economia verde e circular. Ao nível da energia, por exemplo, somos o terceiro país da UE que mais usa energia renovável, com mais de 50% do consumo assegurado a partir destas fontes não poluentes.

Também ao nível da mobilidade elétrica, destaca-se o investimento que tem sido feito em várias medidas, como o alargamento da rede de carregamento de veículos elétricos a nível nacional; os incentivos fiscais aos proprietários de veículos elétricos; o investimento também em veículos elétricos para vários organismos da Administração Pública; a própria meta assumida pelo Governo de proibir a venda de veículos poluentes novos a partir de 2040. Isto sem esquecer o aparecimento de inúmeros serviços de mobilidade partilhada e elétrica a nível municipal. Todos estes são sinais positivos para descarbonizar o setor dos transportes, reduzir a dependência do automóvel particular e acelerar em parte o cumprimento das nossas metas climáticas.

Outro sinal positivo recente, fruto também da enorme pressão feita pela sociedade civil, foi o abandono do projeto de prospecção e exploraçãode petróleoao largo de Aljezur, embora esteja ainda em aberto que isso possa acontecer no centro do país, o que esperamos que não venha a acontecer, pois contradiz os nossos compromissos.

Portugal assumiu a meta de ser neutro em emissões de carbono em 2050. Isso implica descarbonizar rapidamente (portanto, eliminar de vez o uso de combustíveis fósseis) setores como o da mobilidade e o da produção de energia, a qual deverá, neste cenário, corresponder a eletricidade 100% produzida a partir de fontes renováveis. Para que isso seja possível e até, desejavelmente, alcançável antes de 2050, é preciso acelerar o passo e aumentar a ambição no curto prazo.

“O aterro ainda é o destino de mais de 57% do lixo que produzimos e apenas 22% do mesmo é reciclado.”

Qual o maior problema que o Portugal enfrenta nesta temática e o que poderia ser feito para melhorar?
Ao nível da gestão de resíduos, por exemplo, Portugal ainda está bastante longe de cumprir as suas metas para 2020 de reciclar metade dos seus resíduos recicláveis e limitar a 10% o lixo enviado para aterro. Infelizmente, o aterro ainda é o destino de mais de 57% do lixo que produzimos e apenas 22% do mesmo é reciclado. Por um lado, há um trabalho que deve ser feito a nível municipal no sentido de atualizar e melhorar os métodos de recolha de resíduos sólidos urbanos (apostando nos sistemas porta-a-porta) para que as taxas de reciclagem e valorização orgânica aumentem. Também é necessário acelerar os processos da economia circular, para que os resíduos recolhidos de forma seletiva possam ser reintegrados na economia sob novas formas e utilidades.

A gestão florestal é também um dos grandes desafios para Portugal, na medida em que estamos muito vulneráveis aos impactos das alterações climáticas e a fenómenos extremos como os incêndios violentos de 2017, que acabaram por penalizar o saldo de carbono, aumentando as emissões de CO2. É preciso não deixar a floresta entregue a si própria, desordenada e à mercê dos interesses económicos privados. Falamos de um importante recurso no combate às alterações climáticas pelo papel que desempenha no sequestro de carbono, entre muitos outros.

Acha que as novas gerações, com os muitos dispositivos que carregam consigo e todo o acesso à informação que têm, estão mais conscientes e fazem mais pelo bem do planeta?
Creio que as novas gerações estão conscientes de que a defesa do ambiente e a salvaguarda do planeta são grandes desafios porque, de certo modo, já nasceram com estes temas presentes na agenda mediática. Contudo, o excesso e a volatilidade da informação também fazem com que a geração jovem seja o público mais exigente e difícil de alcançar quando se fala de ambiente. Tem havido um grande investimento em ações e projetos de sensibilização ambiental nas escolas (e a Quercus tem vários projetos neste sentido), mas é preciso fazer com que o ambiente entre nas suas rotinas e não fique apenas associado a ações simbólicas ou a datas comemorativas. Isso pode passar por integrar cada vez mais uma componente teórico-prática sobre sustentabilidade nos conteúdos curriculares de vários anos de escolaridade, e também por criar formas de comunicação atrativas (nem demasiado adultas, nem demasiado infantis) para cativar as camadas jovens da população, que começam a desenvolver a sua personalidade cívica e que serão os adultos de “amanhã”.

“Explorar os ecossistemas a uma velocidade superior à sua capacidade de renovação é hipotecar o nosso futuro.”

A WWF publicou o Relatório Planeta Vivo, onde é indicado que os portugueses precisam de 2,19 planetas para manterem o seu estilo de vida. O que que pode ser feito para melhorar esta situação?
A pegada ecológica mede o equilíbrio entre a procura de recursos e a sua disponibilidade no planeta, por isso, se precisamos de 2,19 planetas para mantermos o nosso estilo de vida, isso significa que os nossos hábitos de consumo são insustentáveis. Ou seja, significa que estamos a viver “a crédito” ambientalmente falando, ultrapassando a capacidade do planeta renovar esses recursos.

Explorar os ecossistemas a uma velocidade superior à sua capacidade de renovação é hipotecar o nosso futuro. Portanto, a solução é mudar hábitos. Consumir menos e melhor; mudar a nossa alimentação; encontrar fontes não poluentes para produzir a nossa energia e para mover os nossos meios de transporte; defender de forma muito mais séria e eficaz a preservação da biodiversidade, da floresta, dos oceanos, de modo a aumentar os nossos sumidouros de carbono; melhorar a legislação para premiar ou incentivar quem aposta na sustentabilidade, penalizar quem insiste em atividades poluentes e punir quem infringe a lei, poluindo e destruindo os recursos naturais. São apenas alguns exemplos para inverter esta sobrecarga que estamos a impor ao planeta.

Pode dar-nos dicas do que faz no seu dia a dia para reduzir a sua pegada ambiental?
Além de reciclar tudo o que posso, estou numa missão para eliminar totalmente artigos de uso  descartável em casa ou, pelo menos, encontrar alternativas ao plástico; não uso automóvel particular no dia-a-dia, recorro a serviços de carsharinge aos transportes públicos; instalei diversos equipamentos e dispositivos para monitorizar e reduzir os consumos de água e energia cá em casa.





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