7º Colóquio Hortofrutícola Lusomorango: A água que não chega hoje, é produção que se perde amanhã



Odemira foi palco do 7º Colóquio Hortofrutícola da Lusomorango – Organização de Produtores de Pequenos Frutos, em parceria com a Universidade Católica Portuguesa e o apoio da EY, num momento crucial para o debate sobre segurança alimentar, sustentabilidade e inovação e marcado por incertezas geopolíticas, alterações climáticas e pressões económicas, foi divulgado em comunicado.

Segundo a mesma fonte, com o tema “Nutrir o Futuro: Produção Agrícola, Segurança, Autonomia e Soberania”, a sessão foi marcada por uma adesão recorde, presencial e online, com transmissão em direto, e reuniu figuras de destaque nacional e algumas das vozes mais influentes do setor agroalimentar de Portugal. Paulo Portas, Álvaro Mendonça e Moura, Gonçalo Santos Andrade, Susana Pombo, Eduardo Diniz, Nuno Canada, António Serrano, Ondina Afonso, Catarina Campos, Rute Xavier e Sandra Primitivo, partilharam perspetivas sobre os grandes desafios globais que impactam a produção agrícola e a cadeia alimentar, integrando o programa “Visão Estratégica para o Agroalimentar – Conhecer para Decidir, Planear para Agir”.

A sessão abriu com Loïc Oliveira, presidente da Lusomorango, que recordou o percurso da organização: “o que construímos não é obra do acaso. É fruto de trabalho, visão e persistência. Nestes 20 anos, ajudámos a transformar Odemira numa referência global na produção de pequenos frutos, mostrámos que Portugal pode liderar, que é possível criar valor, exportar, inovar e fazer tudo isto com sustentabilidade. Temos projetos, produtores, equipa, vontade de continuar a ser uma referência nacional e global, mas não podemos, não queremos e não devemos fazer o caminho sozinhos”.

Apelando à ação, Loïc Oliveira referiu que o potencial de produção está longe de ser esgotado: “podemos produzir mais, fazer mais, ir mais longe. Pedimos que as promessas deixem de ser promessas e passem à ação. O plano ‘Água que Une’ é um bom sinal, e a água que não chega hoje, é produção que se perde amanhã.”  O

presidente da Lusomorango alertou ainda para a necessidade de simplificação burocrática: “não há futuro sustentável com processos administrativos que pecam pela razoabilidade e, em alguns casos, até mesmo por entendimento lógico”.

A sessão de abertura contou ainda com as intervenções de Hélder Guerreiro, presidente da Câmara de Odemira, e Roberto Grilo, vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo.

Roberto Grilo referiu que “falar hoje do setor hortofrutícola é falar de soberania alimentar com rosto, com nome e com geografia, da força de resistir à independência externa, de garantir o abastecimento estável e de o fazer com rastreabilidade, sustentabilidade e valor social”.

“Portugal conta com 125 organizações de produtores, 53 das quais neste setor. São mais 20 milhões de euros investidos anualmente, com 50% de cofinanciamento europeu”, referiu, alertando que “a agricultura do futuro não se faz com distância nem com dogmas, faz-se com presença, com inteligência e com alianças”.

Hélder Guerreiro recordou que, perante um cenário de seca, “foi necessário encontrar soluções para que as empresas continuassem a produzir e a criar riqueza, apesar da falta inequívoca e absoluta de água”, cuja resposta esteve na “capacidade de autonomia, de diversidade de recursos, de não estar apenas dependente de uma fonte de água”.

Ainda que existam mais passos a dar e questões de eficiência a trabalhar, o autarca acredita que a experiência permitiu avanços importantes: “estamos muito mais bem preparados para o futuro do que estávamos há 4 anos”.

O programa prosseguiu com três mesas redondas. Paulo Portas, antigo Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros do XX Governo Constitucional Ministro de Estado e da Defesa Nacional nos XV e XVI Governos Constitucionais, iniciou os trabalhos dando destaque ao impacto geopolítico da atual crise: “a Europa precisou da guerra da Ucrânia para perceber que energia e alimentação são categorias geopolíticas”, enfatizando que “a sua postura, a partir de então, não pode ser mais ‘business as usual’”.

O ex-ministro alertou também para a transição global em curso: “vivemos um momento de transição e de substituição de um modelo de alianças por um de potências, em que a Europa não sai beneficiada”. A sua participação no evento reforçou a urgência de repensar a segurança energética e alimentar como vetores centrais da política europeia.

A primeira mesa-redonda, “Segurança Alimentar: O Desafio Global”, reuniu Paulo Portas, Susana Pombo, diretora-geral da Direção-Geral da Alimentação e Veterinária e presidente do Conselho da Organização Mundial de Saúde Animal, e António Serrano, CEO da Jerónimo Martins Agroalimentar e antigo Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas do XVIII Governo Constitucional, numa conversa sobre os riscos e responsabilidades crescentes no setor.

Susana Pombo destacou que, “neste momento, uma autoridade sanitária ou fitossanitária tem desafios muito grandes” e que “a previsibilidade é uma exceção neste contexto”. Defendeu que é essencial “ter a capacidade de antecipar problemas” e que “os próprios operadores têm uma responsabilidade muito grande”, sendo os primeiros responsáveis pela segurança alimentar.

António Serrano foi crítico quanto ao contexto europeu, afirmando que “o ambiente que temos criado na Europa não é um ambiente promotor da nossa produção”. Lamentou a “teia complexa de legislação” e alertou para “a ameaça brutal do dever de diligência”, que impõe exigências difíceis de cumprir. Reforçou ainda que “a conservação dos solos não está no nosso mindset político” e defendeu a necessidade de se criar “novos centros de investigação mais qualificados” em Portugal.

Seguiu-se a intervenção de Sandra Primitivo, responsável pela área de avaliação de políticas públicas da EY-Parthenon. “O aumento da população aumenta, o mercado é global, portanto não há um caminho para diminuir a produção”, mencionou, referindo que a procura está mais segmentada, com um foco crescente em “alimentação saudável, alimentos certificados, biológicos, vegan, sem glúten e superalimentos”.

Sandra Primitivo referiu também a redução da população ativa no setor, com a “saída das famílias e sobretudo dos jovens em direção a zonas mais urbanas”, e o impacto das alterações climáticas: “temos tido em Portugal períodos de seca cada vez mais frequentes, e mais prolongados”. Para avançar, Sandra Primitivo refere que é preciso evoluir para sistemas de produção mais sustentáveis: “a produtividade do setor tem vindo a aumentar, mas a um ritmo menor que a União Europeia (UE)”. O desafio, portanto, é “como aumentar a produtividade”.

A segunda mesa-redonda, “Investigação e Inovação como Resposta aos Desafios Alimentares”, trouxe à discussão Sandra Primitivo, Nuno Canada, presidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária e Catarina Campos, Raspberry Product Leader DEMEA da Driscoll’s.

Para Nuno Canada “o setor agroalimentar tem grandes desafios pela frente, sendo o maior a produção de mais alimentos, mantendo os elevados padrões de segurança e, no caso português, o foco na qualidade do produto e na valorização da produção nacional. Simultaneamente, é necessário evoluir para sistemas de produção mais sustentáveis, num contexto de maior dificuldade, enfrentando as alterações climáticas, o aumento de pragas e doenças, e os próprios desafios da sustentabilidade. Ainda não temos conhecimento suficiente no terreno para abordar estes desafios da melhor forma”.

Nuno Canada acrescenta que “hoje, mais do que nunca, é importante termos lideranças capazes de fazer pontes e promover o trabalho colaborativo entre agentes do território, municípios, organizações de desenvolvimento regional, produtores, distribuidores, mas acima de tudo densificar a interface entre o sistema científico e tecnológico e as empresas. Este tem sido o trabalho feito em Portugal”.

Catarina Campos explicou que “as restrições de água dos últimos tempos, os desafios que o Green Deal pressupõe e até mesmo algumas más perceções relativas à ‘agricultura de precisão’ e à ‘agricultura moderna’, levaram à criação do Centro de Inovação para a Sustentabilidade, uma colaboração entre a Lusomorango, Driscoll’s, INIAV e Maravilha Farms, que procura criar conhecimento e tecnologia para otimização da utilização de água, redução de pesticidas e aumento da biodiversidade, em benefício do trabalho dos produtores”.

A Driscoll’s está atenta às exigências dos consumidores e sabe que a forma de produzir tem de ser mais sustentável: “o nosso compromisso é reduzir o impacto ambiental nas operações e trazer valor para as comunidades onde estamos inseridos”, afirmou.

Seguiu-se a intervenção de Álvaro Mendonça e Moura, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), que refletiu sobre “a importância estratégica da Agricultura, que significa ‘abastecimento alimentar, relação equilibrada com o ambiente e desenvolvimento do território rural’, em contexto europeu. Para haver soberania estratégica da UE, tem de haver autonomia alimentar. Não é só a agricultura que tem importância estratégica, as florestas também. O que temos de ter como preocupação é caminhar para a autossuficiência de valor acrescentado, a nível nacional. Temos assistido a uma evolução muito positiva nos últimos anos, desde o aumento físico e económico das explorações agrícolas ao reforço da especialização produtiva, que abrange 75% das produções. O setor modernizou-se. O complexo agroflorestal pesa mais de 5% no PIB, com 16 mil milhões de euros”.

“Há duas formas de gerir o país: fazer umas coisas antes das eleições para as ganhar, ou fazer um trabalho estrutural. Na questão da água, houve a coragem de colocar em cima da mesa a estratégia ‘Água que Une’, que pode mudar as condições globais com que se faz agricultura no país. Este é o ponto de partida, mas não pode ficar como o novo aeroporto de Lisboa. Os pequenos poderes instalados podem impedir que isto se faça, por isso tem de se centralizar a estratégia ‘Água que Une’. Não vejo uma mudança tão radical em nenhum outro sector da economia”, salientou.

Sobre a mão de obra e a imigração, o presidente da CAP garantiu que, “se queremos crescer, precisamos de mão-de-obra. Mas temos de a receber com dignidade e condições. Quem disser que se pode viver sem mais imigrantes está a mentir. E devem ter família com eles, isso é essencial: dar estabilidade a estas pessoas”.

A última mesa-redonda, “Produção Agrícola Nacional, Promover a Autonomia e Soberania Estratégica Alimentar, a Sustentabilidade da Agricultura e do Território Rural”, reuniu Álvaro Mendonça e Moura, Ondina Afonso, presidente do Clube de Produtores Continente e Eduardo Diniz, diretor-geral do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral do Ministério da Agricultura e Mar.

Ondina Afonso referiu que “Portugal tem níveis de autossuficiência muito diferentes, dependendo de categoria. O primeiro objetivo, não conseguindo crescer, é reter e fortalecer o que temos. Estamos a posicionar-nos num modelo que não existe a nível europeu, que consiste no próprio retalho ser o acelerador de incorporação de conhecimento e inovação, e implementar ações para sermos mais sustentáveis ambientalmente, socialmente e financeiramente”.

Referiu que existem lacunas na tecnologia que têm de ser colmatadas, exemplificando com casos de alimentos produzidos em Portugal, comprados e transformados em Espanha, e cujo produto final é importado para Portugal. Reforçou também a importância da mão de obra estrangeira: “sem trabalhadores estrangeiros não há comida”.

Para Eduardo Diniz, “o que as políticas públicas têm de fazer para a agricultura ser mais competitiva, está ao nível da modernização e das infraestruturas, e da viabilização. Os dois pontos mais fortes nos tempos que correm, como objetivos das políticas públicas do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC), são a questão ambiental e a questão alimentar. A questão social, cada vez mais, está a ir para outras políticas. Grande parte do nosso território tem grandes capacidades de contribuir para esses objetivos. E daí uma parte significativa da política agrícola comum estar também relacionada com a ajuda ao rendimento, necessariamente para a viabilização de grande parte deste espaço territorial dentro da UE”.

Gonçalo Santos Andrade, presidente da Portugal Fresh, e Rute Xavier, Advisor da Universidade Católica Portuguesa, encerraram a sessão.

De acordo com Gonçalo Santos Andrade, a segurança alimentar é hoje central para a UE, num contexto em que “um mercado global aberto deve ser também um mercado justo nas exigências impostas aos produtores europeus”.

As metas ambientais do Pacto Ecológico e da Estratégia do Prado ao Prato, se aplicadas como previsto, poderiam provocar “uma diminuição da produção e o consequente aumento significativo de importação de alimentos a países terceiros, muitas vezes com padrões menos exigentes em termos ambientais, sociais e sanitários”.

O presidente da Portugal Fresh referiu ainda que, em 2024, a UE manteve-se como o maior exportador mundial, com 235,4 mil milhões de euros em exportações agroalimentares, mas viu o seu saldo comercial diminuir devido a importações que cresceram 8%, para 171,8 mil milhões de euros.

Num cenário de instabilidade e nova realidade de consumo, Gonçalo Santos Andrade refere que “os consumidores são mais exigentes, procuram produtos seguros, saudáveis e produzidos de forma sustentável”, enquanto a escassez alimentar começa a ser visível: “No Reino Unido já assistimos, por diversas vezes, a prateleiras vazias de produtos agrícolas”. Produzir mais com menos, combater o desperdício e reforçar a autonomia alimentar são desafios que exigem “investir em I&D, adotar tecnologias digitais e reforçar o papel da ciência”.

Portugal tem-se destacado: “em 2024, as exportações portuguesas de frutas, legumes e flores atingiram o valor mais alto de sempre: 2,5 mil milhões de euros”, com os pequenos frutos a liderarem. O sucesso, reforça, deve-se à promoção estruturada e contínua, sendo a Lusomorango de extrema relevância neste crescimento.

Para Rute Xavier, “a segurança agroalimentar é aquele fardo que nos abre portas. Não existe segurança sem existirem processos que a garantam. É necessário começarmos a pensar como é que garantimos que estes selos de qualidade ao mesmo tempo que simplificamos a vida aos agricultores. Isto porque esta certificação é o que permite entrar e estar nos mercados de forma segura e estruturada. Este é o apelo que deixo aos decisores: como é que simplificamos mecanismos – a papelada – para agilizar a vida dos agricultores, ao mesmo tempo que garantimos a qualidade para a segurança. Por outro lado, existe uma oportunidade enorme numa maior proximidade entre a academia e as empresas. A investigação fundamental é muito importante, mas precisamos muito de investigação aplicada, na ciência aplicada à atividade das empresas. Finalmente, a soberania e a sustentabilidade alimentar. Não se trata de ter uma horta em cada casa, mas é necessária mais agricultura em Portugal e na Europa. Igualmente, ao nível da sustentabilidade, quando estamos a falar de agricultura, se não tivermos práticas sustentáveis, estaremos a comprometer a próxima colheita. A agricultura é das indústrias com maior interesse em promover práticas sustentáveis.”

A sessão culminou com uma mensagem de vídeo do Ministro da Agricultura e Mar, José Manuel Fernandes, que afirmou que “a segurança alimentar significa ‘comida no prato’”, o que também exige inovação e investigação, pilares fundamentais para enfrentar desafios e reduzir o défice agroalimentar.

Nesse sentido, “as organizações de produtores têm um papel determinante, e a Lusomorango mostra que é possível unir forças e produtores para criar mais valor com base na formação, na inovação e na cooperação.” Os resultados são claros: “em 2024 as exportações de frutas e legumes atingiram o valor de 2,5 mil milhões de euros, e os pequenos frutos foram o segmento que mais cresceu, com um aumento de 18%”.

“O Programa Nacional de Apoio ao Setor da Fruta e Produtos Hortícolas, integrado no PEPAC, está alinhado com o que a Europa precisa de nós: modernizar, tornar mais sustentável e menos burocrático”, referiu. O setor avança com mais de 50 ações apoiadas pelo PEPAC, promovendo modernização, sustentabilidade e menos burocracia. Projetos como a ‘Água que Une’ e a simplificação de processos entre as empresas e o Estado são fundamentais, porque “o combate à burocracia é uma urgência”.

A agricultura de hoje aposta em produção experimental, ensaios, novas soluções, e tem um papel central no país: “a agricultura do futuro não se faz com distância nem com dogmas, faz-se com presença, com inteligência e com alianças”, concluiu.

 






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