Cientistas exigem moratória sobre a pesca na Antártida e mais proteção do ecossistema e da vida marinha
O Oceano Meridional, na região da Antártida, é um importante sistema de regulação da temperatura da Terra, constituindo cerca de 10% do total da massa oceânica que cobre o planeta, e alberga uma grande diversidade de animais marinhos.
Contudo, um grupo de investigadores científicos dos Estados Unidos, Canadá, Austrália, África do Sul, Suíça e Noruega considera que a Antártida “está criticamente ameaçada pelas alterações climáticas”, um perigo que é intensificado pela pesca comercial, “uma atividade que fornece valor para relativamente poucos atores industriais” e compromete os serviços que o ecossistema do Oceano Meridional disponibiliza ao mundo.
“Essas águas albergam alguns dos mais saudáveis ecossistemas marinhos que restam no mundo”, salientam, apontando como exemplos os mares de Ross e Weddell.
Num artigo publicado na revista ‘Science’, os investigadores dizem que a Comissão para a Conservação dos Recursos Marinhos Vivos da Antártida (CCAMLR), um órgão de gestão da pesca que emana do Tratado da Antártida de 1959, deve reforçar as medidas de proteção desse ecossistema regional, especialmente contra a sobrepesca. E propõem uma proibição temporária da pesca na região enquanto é feita uma avaliação dos impactos sobre o ecossistema da atividade piscatória.
Além disso, os cientistas argumentam que o Oceano Meridional deve ser mais protegido face aos efeitos do aquecimento global, destacando que tem uma grande capacidade para absorver dióxido de carbono e de calor e que, por isso, é uma peça vital para “regular a temperatura [do planeta] e para mitigar os impactos globais das alterações climáticas”. Os cientistas explicam que a biosfera do oceano antártico “contribui para a regulação do clima e para a produção de oxigénio”, especialmente devido à atividade fotossintética do fitoplâncton.
Antes de a CCAMLR ser criada, em 1982, a pesca industrial, contam os autores, levou à sobre-exploração das populações de animais marinhos na Antártida, incluindo baleias e focas. Apesar de 25 países e a União Europeia fazerem parte dessa comissão internacional, e de, por isso, estarem proibidos legalmente de pescar nesse oceano, a atividade piscatória ainda continua a pressionar esse ecossistema.
Os investigadores denunciam que cerca de 12 países pescam, à escala industrial, no Oceano Meridional, e que essa atividade “não contribui para a segurança alimentar e ameaça o ecossistema” da Antártida, apontando que a marlonga-negra (Dissostichus eleginoides) e o bacalhau-da-antártida (Dissostichus mawsoni) são as espécies mais pescadas, a par do krill.
Nenhum desses animais é essencial para combater a insegurança alimentar e a fome das populações mais vulneráveis, pois acabam por ser vendidos a restaurantes de luxo ou convertidos em alimento para salmões e camarões de aquacultura. Os cientistas dizem que a pesca na Antártida “continua a ser economicamente viável apenas através de subsídios governamentais, o que, como podemos ver em todo o mundo, pode contribuir para a sobrepesca”.
“Pescar na Antártida beneficia muito poucos”, alertam, apontando que, no revés da medalha, essa exploração “compromete cada vez mais o ecossistema” da região. Por isso, é preciso fazer mais.
Em 2016, a CCAMLR liderou a criação da área marinha protegida no Mar de Ross, considerada uma das maiores do mundo. No entanto, desde então, “tem vindo a vacilar no que toca à adoção de mais iniciativas de conservação que vão além das já existentes medidas sobre a pesca”, afirmam os cientistas.
“Continuar a permitir a remoção de espécies fundamentais de presas e de predadores através da pesca por uma frota industrial relativamente pequena comprometerá ainda mais os serviços de regulação fornecidos pelo ecossistema e pela biosfera”, advogam, acrescentando que se deverá considerar banir indefinidamente a pesca na Antártida “até que a crise climática seja mais bem gerida” e, dessa forma, reduzir o seu impacto sobre a frágil região gelada que coroa o hemisfério sul do planeta Terra.